É inconstitucional o exercício de greve por parte de Policiais Civis

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Rogério Tadeu Romano*

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou entendimento no sentido de que é inconstitucional o exercício do direito de greve por parte de policiais civis e demais servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 654432, com repercussão geral reconhecida.

A tese aprovada pelo STF para fins de repercussão geral aponta que “(1) o exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. (2) É obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras de segurança pública, nos termos do artigo 165 do Código de Processo Civil, para vocalização dos interesses da categoria”.

Segundo o voto condutor, feito pelo ministro Alexandre de Moraes, o interesse público na manutenção da segurança e da paz social deve estar acima do interesse de determinadas categorias de servidores públicos. Os policiais civis, complementou, integram o braço armado do Estado, o que impede que façam greve.

“O Estado não faz greve. O Estado em greve é um Estado anárquico, e a Constituição não permite isso”, afirmou. Também votaram a favor da proibição da greve a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, e os ministros Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux. Foram contrários à limitação ministros Edson Fachin (relator), Rosa Weber e Marco Aurélio.

Foi a seguinte a tese do STF para o julgado noticiado:

Tese:

1 – O exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. 2 – É obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras de segurança pública, nos termos do art. 165 do CPC, para vocalização dos interesses da categoria

Há uma prevalência do interesse público e social na manutenção da segurança interna, da ordem pública e da paz social sobre o interesse individual de determinada categoria de servidores públicos. Impossibilidade absoluta do exercício do direito de greve às carreiras policiais. Interpretação teleológica do texto constitucional, em especial dos artigos 9º, § 1º, 37, VII e 144.

Naquele julgamento lembrou o ministro Fachin:

“O julgamento do MI 670, Rel. para o Acórdão Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe 31.10.2008, no entanto, marca relevante inflexão não apenas no que tange à parte dispositiva dos mandados de injunção, mas também porque, solucionando a omissão legal, disciplinou o exercício do direito de greve pelos servidores públicos. Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal examinou a impetração do Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Espírito Santo – SINDIPOL, em que se requeria o reconhecimento do direito de greve à categoria, com base na Lei 7.783/89, dada a falta de norma regulamentadora da disposição contida no art. 37, VII, da Constituição Federal. Inaugurando a divergência que, posteriormente, seria acolhida pela maioria, o Min. Gilmar Mendes votou pelo deferimento do mandado de injunção, para, “nos termos acima especificados, determinar a aplicação das Leis ns. 7.701/1988 e 7.783/1987 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis”. A remissão feita à fundamentação permite afirmar, ainda, que o Tribunal reconheceu que “o órgão judiciário competente poderia fixar critérios mais rigorosos dos que os previstos na legislação, tendo em vista as situações concretas”. Nos debates ocorridos em Plenário, o Ministro Relator para o acórdão fez expressa referência aos controladores aéreos para justificar que, em determinadas situações, as restrições ao direito de greve poderiam ser determinadas pelo Poder Judiciário.”

Confira-se decisão proferida no MI 774, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJe 1.7.2014, que requeria o reconhecimento do direito de greve a policiais civis: “Agravo regimental em mandado de injunção. 2. Omissão legislativa do exercício do direito de greve por funcionários públicos civis. Aplicação do regime dos trabalhadores em geral. Precedentes. 3. As atividades exercidas por policiais civis constituem serviços públicos essenciais desenvolvidos por grupos armados, consideradas, para esse efeito, análogas às dos militares. Ausência de direito subjetivo à greve. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” ( MI 774 AgR, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 28/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-125 DIVULG 27-06-2014 PUBLIC 01-07- 2014)

Por sua vez, ainda decidiu o STF:

“EMENTA Agravo regimental na reclamação. Ausência de ataque específico aos fundamentos da decisão agravada. Reclamação como sucedâneo recursal. Direito de greve. Policial civil. Atividade análoga a de policial militar. Agravo regimental a que se nega provimento. 1. Não subsiste o agravo regimental quando não há ataque específico aos fundamentos da decisão impugnada (art. 317, RISTF). 2. Necessidade de aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo das decisões paradigmáticas do STF para que seja admitido o manejo da reclamatória constitucional. 3. As atividades desenvolvidas pelas polícias civis são análogas, para efeito do exercício do direito de greve, às dos militares, em relação aos quais a Constituição expressamente proíbe a greve (art. 142, § 3º, IV). Precedente: Rcl nº 6.568/SP, Relator o Ministro Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe de 25/9/09. 4. Agravo regimental não provido.” ( Rcl 11246 AgR, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/02/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-065 DIVULG 01-04-2014 PUBLIC 02-04- 2014)

A greve é um direito de coerção que visa à solução de um conflito coletivo. Pode ser considerada um direito potestativo dos empregados. Assim, a parte contrária deve submeter-se à situação. A greve tem um único objetivo: fazer a parte contrária ceder sob um determinado ponto da negociação.

Por fim, a Constituição Federal de 1988 insere a greve no elenco dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores no setor privado. Prevê que a lei definirá os serviços e atividades essenciais e disporá sobre o atendimento às necessidades inadiáveis da comunidade. Apenas os abusos sujeitam os infratores às penas da lei.

A Constituição Federal reconhece ainda, no artigo 37, inciso VII, o direito de greve dos servidores públicos, proibindo-a apenas aos servidores militares. Todavia, o exercício desse direito dependeria da edição posterior de lei complementar para a sua regulamentação. O setor privado é regulamentado pela Lei nº 7.783/1989.

A Emenda Constitucional nº 19/1998 altera o inciso VII, do artigo 37, da CF apenas para dispor que o exercício da greve no serviço público será definido por lei específica.

O direito de greve dos servidores públicos civis da iniciativa pública está previsto em norma constitucional de eficácia limitada e, em razão da omissão legislativa, o STF, nos autos dos Mandados de Injunção 670, 708 e 712, adotou a posição concretista geral e determinou a aplicação temporária ao setor público, no que couber, da Lei de Greve vigente no setor privado, até que o Congresso Nacional edite a lei regulamentadora.

O STF decidiu a questão por maioria (8 votos a 3), nos seguintes termos:

“Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu do mandado de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber, vencidos, em parte, o Senhor Ministro Maurício Corrêa (Relator), que conhecia apenas para certificar a mora do Congresso Nacional, e os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Lavrará o acórdão o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Não votaram os Senhores Ministros Menezes Direito e Eros Grau por sucederem, respectivamente, aos Senhores Ministros Sepúlveda Pertence e Maurício Corrêa, que proferiram voto anteriomente. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Cármen Lúcia, com voto proferido em assentada anterior. Plenário, 25.10.2007.”

Com esta decisão, o setor público se submete, no que couber, à Lei nº 7.731/1989. Esta decisão terá validade até a aprovação da lei para o setor público.

Os ministros que votaram em sentido contrário sustentaram que o era necessário estabelecer especificações para o setor público. Ademais, limitavam a decisão apenas aos sindicatos impetrantes.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, competente para processar e julgar dissídio de greve de servidores públicos com abrangência nacional, há também jurisprudência reiterada que viabiliza o corte da remuneração, salvo situações em que a paralisação decorra de atrasos vencimentais/salariais ou de situações que impeçam o desempenho das atribuições dos cargos (cf. STJ, 1ª Seção, Pet 7.920/DF, relator ministro Gurgel de Faria, j. 9/10/2019, DJe 4/11/2019).

Em sendo assim dir-se-á que foi correta a decisão do TJRN que deferiu o pedido feito pelo Ministério Público Estadual para determinar o imediato encerramento da greve dos servidores da Polícia Civil. A decisão determina o restabelecimento integral dos serviços de polícia judiciária de forma plena em todo o Estado. O eventual descumprimento da decisão implicará na aplicação de multa diária de R$ 5 mil, limitada, a princípio, ao valor de R$ 100 mil, ao Sindicato dos Policiais Civis do Rio Grande do Norte (Sinpol/RN).

Em síntese: não pode a polícia civil entrar em greve em prejuízo da população.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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