ENEM: uma prova que mede e muito o conhecimento

Bolsonaro desdenha o ENEM (ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL)

Por Tales Augusto*

Hoje teremos o primeiro dia das provas do ENEM 2021 (Exame Nacional do Ensino Médio), onde 3.109.762 candidatos fizeram sua inscrição. E à revelia do Milton Ribeiro, Ministro da Educação, outros 280.145 brasileiros devido à intervenção do STF, tiveram seu direito respeitado e farão o exame em janeiro. Não é de estranhar, pois o mesmo ministro dissera que “Universidade deveria, na verdade, ser para poucos, nesse sentido de ser útil a sociedade”. Falarei novamente sobre esta frase infeliz, porém bem a cara desse governo ao fim do artigo.

O ENEM não é uma prova qualquer como o Bolsonaro deseja que a vejamos. É necessário para obter um bom resultado, possuir um olhar holístico, sistémico, complexo, em rede. As provas vão além dos conhecimentos academicistas que aprendemos nas escolas, temos que trabalhar de forma TRANSdisciplinar (trans, será que os bolsonaristas entendem?) e INTERdisciplinar. Inclusive, diferentemente da organização dos antigos vestibulares. O ENEM têm grupos de Ciências e suas Tecnologias (Humanas, Naturais, Linguagens e Matemática), além da Redação.

Vou usar um pequeno exemplo para entender de forma mais crítica. Então pense na temática “Bomba Nuclear jogada em Hiroshima”, em qual disciplina ela podia ser explorada? Se falou História acertou, mas não completamente, tentemos ampliar para melhor compreensão. O fato ocorreu num espaço (Geografia), há a fusão ou fissão nuclear (física), a base/elemento principal da bomba (química), medir os quilowatts (Kw) produzidos por uma usina nuclear (matemática), a radiação emitida e que causou mortes em humanos e animais junto também com anomalias (biologia), a canção Rosa de Hiroshima (língua portuguesa e literatura), a sociedade pensa e debate (sociologia) se é correto continuar com o uso dessa matriz energética (filosofia) e não poderia deixar de lembrar que o tema da redação podia ser ENERGIA NUCLEAR: DISCORRA SOBRE OS MALEFÍCIOS E BENEFÍCIOS DESTA MATRIZ ENERGÉTICA.

Conseguiram entender que o ENEM trabalha e pensa em rede, como uma verdadeira teia e quer que nós, professores e alunos também pensemos e venhamos a agir assim? Falo dos professores por saber que muitos ainda não compreenderam o que o ENEM nos sugere como forma de pensar o mundo e lembro-lhes, na Redação pedem que venhamos solucionar uma situação, antes nos dão subsídios, textos, imagens, por vezes charges… A redação olha para o mundo, ela busca que o tornemos melhor!

Mundo este cheio de diversidade e que o ENEM tenha essa cara e não a cara de um governante com pensamento monocrático, linear e limitado.

Leciono desde 1999, nessa época os vestibulares tradicionais das IES (Instituições de Ensino Superior) como a UERN, ESAM, URFRN, UNP eram decorebas, os tais “macetes” se tornavam fundamentais, pensar de forma crítica, sair da sala de aula através da sua mente e buscar solucionar problemas. Imagine que sobre o EIXO na Segunda Guerra, falavam em ROBERTO (Roma, Berlim e Tóquio). Muda o que saber ou decorar isto? Nada!

Recordo que um aluno uma vez perguntou num cursinho se eu sabia quem era Teglatefalasar, de cara disse que não sabia, ele me falou que foi um imperador assírio, pesquisei e vi que ele dominou uma região, mas sem nada constar nos livros didáticos na sua maioria e ainda sem grandes mudanças, como por exemplo uma Revolução.

Segundo o jornal Folha de São Paulo, Bolsonaro queria/quer usar o termo Revolução de 1964 ao invés de Ditadura ou Golpe Militar.

Vamos entender o que é Golpe e Revolução.

“No Brasil, ao longo do século XX, ocorreram, pelo menos, dois movimentos conhecidos também como revoluções: um em 1930 e outro em 1964. Nenhum dos dois totalmente afinados com a ideia que se tem de uma revolução. Nenhum comparável ao que aconteceu na França em 1789 ou na Rússia em 1917. Isto porque sempre que se pensa na categoria revolução pensa-se imediatamente em uma total ruptura da ordem, em uma tomada brusca do poder, em uma substituição radical da classe dominante, em uma ampla participação popular. No Brasil, tanto em 1930 como em 1964, apesar de ter havido uma ruptura da ordem constitucional, não houve alterações substantivas na estrutura de classe do País, nem uma total substituição dos grupos no poder.

Em diferentes medidas, mesmo que esses movimentos tenham recebido apoio da população, não contaram com uma significativa participação popular. Em ambos, o apoio decisivo veio dos militares. Por isso, muitas vezes, as chamadas revoluções brasileiras são registradas na categoria de golpe. Entretanto, enquadrá-las como golpe ou como revolução não é o mais importante. Importa entender o significado, os dilemas e, sobretudo, o legado deixado por esses movimentos.” (Fonte: PANDOLFI, Dulce. O Brasil e suas revoluções. Século XX — Retrospectiva. Edição especial de O Estado de S. Paulo. Disponível em www.estadao.com.br. Acesso em jun. 2007).

Só na cabeça de alguns reacionários, saudosistas de 1964 que existiu em 1964 uma Revolução.

Fonte: https://g1.globo.com/educacao/enem/2021/noticia/2021/09/27/enem-2021-tem-280145-novos-participantes-apos-reabertura-de-inscricoes-para-isentos.ghtml

E como será a participação dos candidatos no ENEM 2021? Antes, vamos lembrar que o ENEM existe desde 1998 fazendo parte da realidade dos alunos das escolas públicas. Contudo, foi em 2009 através do Ministro da Educação Fernando Haddad, que ganhou novas funções e abriu um leque imenso para todos os estudantes, fossem eles da rede pública ou da rede privada. Pelo SISU (Sistema de Seleção Unificado) o candidato pode submeter sua nota em qualquer IES que ofereça vaga pelo ENEM, além do PROUNI (Programa Universidade para todos) com bolsas até integrais, por fim também em muitas IES Privadas, através da nota do ENEM ter acesso ao FIES (Fundo de Financiamento Estudantil).

E ao invés de termos aumento no número de candidatos, temos visto a diminuição desde que Bolsonaro assumiu a presidência crescendo mais e mais, na edição deste ano comparando com a de 2014, tivemos quase um terço no número de candidatos. É claro que questões socioeconômicas e até psicológicas em virtude do que já vivíamos antes da pandemia e com ela veio se agravar.

Tratar o ENEM com desdém é tratar o maior concurso público do Brasil como uma mera prova, tratar o futuro do Brasil como algo sem valor, tratar o conhecimento, a ciência, a educação como algo negativo, até com demérito.

E voltamos ao primeiro parágrafo do texto, onde o Ministro da Educação falou que a “Universidade deveria, na verdade, ser para poucos, nesse sentido de ser útil a sociedade”. E espero que você possa me ajudar nessa análise. Cursar numa Universidade/Faculdade é apenas formar mão de obra para o Mercado? Sermos peças do sistema econômico?

Ou esperamos que ao concluir um curso técnico, estudar numa IES, saíamos como seres humanos críticos, que possamos entender que a Terra Não é Plana, que Vacinas salvam vidas, que Nazismo não é de esquerda, que os Portugueses pisaram na África, escravizaram e mataram muitos que lá viviam, que Racismo não é MIMIMI, que somos um país com diversidades raciais, culturais, econômicas, educacionais, que o Estado é Laico e não teocrático como muitos querem, que a Educação deve ser inclusiva e não de exclusão, dentre outras questões?

As instituições de ensino desde as séries iniciais até as IES deveriam ter como Missão tornar o aluno mais que uma mão de obra qualificada para o mercado de trabalho. Deveria ter como real missão fazer o discente um ser humano melhor, um cidadão, capaz de erguer o futuro alicerçado no aprendizado que dignifica o homem e seu trabalho, mas não o aliena das suas liberdades, levando-o a pensar de forma crítica, livre e entendendo que é parte de um todo, que querendo ou não ele faz parte e por isso mesmo, devendo ter empatia ou mínimo respeito as diferenças que ele aceita ou não!

*É professor EBTT/IFRN, mestrando em Ciências Sociais e Humanas na UERN, autor do livro HISTÓRIA DO RN PARA INICIANTES.

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