Blog do Dina
A máquina de propaganda do prefeito chapéu de coro deu um nó nos números da comunicação digital dessas terras. Avaliando quatro dos principais políticos do estado surge um campo de batalha invisível, onde a percepção da realidade é moldada por exércitos de robôs, verbas públicas e uma imprensa que ora fiscaliza, ora aplaude. No centro da disputa, a governadora Fátima Bezerra e o prefeito de Mossoró, Allyson Bezerra, vivem em universos midiáticos opostos. Um é o da crítica implacável; o outro, o da blindagem quase perfeita. Os dados sugerem que essa diferença tem um preço: R$ 4,3 milhões.
Prólogo: O Prefeito e o Buraco
Em algum lugar de Mossoró, segunda maior cidade do Rio Grande do Norte, um cidadão desvia de um buraco na rua. Talvez reclame da saúde, que demora, ou da escola do filho, que precisa de reforma. Problemas comuns, de qualquer cidade. Longe dali, nos servidores de uma empresa de análise de dados, uma realidade paralela é construída. Nela, o prefeito da cidade, Allyson Bezerra, do União Brasil, não é o gestor dos buracos, mas um líder em ascensão, o mais cotado para governar o estado em 2026, um fenômeno de popularidade.
Enquanto isso, em Natal, a governadora Fátima Bezerra, do PT, acorda com mais uma manchete sobre o colapso na saúde, o déficit na previdência ou a violência que não cede. Para ela, a realidade paralela não existe. O noticiário é um espelho cruel dos problemas de seu governo.
Por que dois chefes de executivo, no mesmo estado, vivem em universos de notícias tão distintos? A resposta, sugerem os dados e uma investigação do Ministério Público Eleitoral, está em como cada um joga o jogo da comunicação. E, principalmente, em quem paga por ele.
Os Quatro Cavaleiros dos Maiores Ativos Digitais
Para entender o campo de batalha, analisamos quase dois anos de menções online de quatro figuras centrais da política potiguar: a governadora Fátima Bezerra, o senador e ex-ministro de Bolsonaro, Rogério Marinho (PL), o senador e ex-policial, Styvenson Valentin (PODE), e o prefeito de Mossoró, Allyson Bezerra.
À primeira vista, os números são um massacre. Rogério Marinho é um Golias digital. Com mais de 400 mil menções, ele supera Fátima em 13 vezes. Seu alcance potencial, de 1,72 bilhão de pessoas, é maior que a população da China. Mas isso não significa tanto porque todo esse alcance reflete seu engajamento no Twitter pela projeção nacional das discussões envolvendo Bolsonaro.

Mas no mundo digital, nem tudo que reluz é ouro. O império de Marinho é construído sobre uma base frágil: quase 78% de todo o conteúdo sobre ele são apenas compartilhamentos. É como um show com milhões de ingressos distribuídos, mas onde a maioria do público está apenas repassando o convite, sem criar seu próprio barulho. É um sinal clássico de amplificação artificial, um exército de perfis cuja única missão é ecoar a mensagem do chefe.

Fátima e Styvenson, por sua vez, jogam um jogo mais tradicional, com um equilíbrio entre conteúdo original e compartilhamentos. Mas é Allyson Bezerra, o prefeito da cidade do interior, quem apresenta a anomalia mais intrigante.
Como Funciona A máquina de propaganda do prefeito chapéu de coro
Nos últimos dois anos, a distribuição de quase 27 mil menções ao nome do prefeito de Mossoró atendeu a essa dinâmica:

Já a distribuição das quase 32 mil menções do conteúdo da governadora Fátima atendeu a isso aqui abaixo.

Dois Jornais para Dois Governantes
A diferença de estratégia se reflete no espelho do noticiário. Quando analisamos o conteúdo das notícias sobre os dois chefes de executivo, Fátima e Allyson, o contraste é brutal.
O Jornal de Fátima Bezerra:
É um diário de crises. As notícias negativas e neutras sobre ela são um manual de problemas de gestão pública:
- Saúde em Colapso: “Hospitais enfrentam severas faltas de suprimentos.”
- Crise Fiscal: “TCE-RN emite alerta sobre a situação crítica da Previdência.”
- Aumento de Impostos: “Aumento do ICMS de 18% para 20% gera revolta.”
- Alta Desaprovação: “67% dos eleitores insatisfeitos com sua gestão.”
As críticas são específicas, baseadas em dados e atribuídas a fontes (TCE, pesquisas, fatos econômicos). É a imprensa em seu papel clássico de fiscalização do poder.
O Jornal de Allyson Bezerra:
É um diário de campanha eleitoral para 2026. As notícias positivas e neutras sobre ele são um manual de marketing político:
- Foco no Futuro: “Allyson Bezerra lidera as intenções de voto para 2026.”
- Construção de Imagem: “É visto como um forte concorrente, com sua popularidade crescendo.”
- Alianças Políticas: “Allyson e Rogério Marinho estão em conversas para unir forças.”
- Críticas Genéricas: Quando há críticas, são vagas: “enfrenta desafios”, “tem sido alvo de questionamentos”.
Não se fala dos buracos de Mossoró. Fala-se da pavimentação de seu caminho para o governo do estado.

O Preço da Realidade
Por que a mídia trata os dois de forma tão diferente? O parecer do Ministério Público Eleitoral no Recurso Eleitoral nº 0600127-80.2024.6.20.0033 oferece uma resposta contundente: dinheiro.
O MP acusa Allyson Bezerra de abuso de poder político e econômico por, supostamente, usar a máquina da prefeitura para se promover. A acusação central é que a Prefeitura de Mossoró, que tinha um orçamento de publicidade de R$ 841 mil, empenhou mais de R$ 4,3 milhões com agências de comunicação. Esse dinheiro, segundo o MP, era usado para subcontratar os mesmos blogs, portais e influenciadores que hoje constroem a imagem de Allyson como “líder nas pesquisas”.
É a “blindagem midiática” em ação. Enquanto Fátima é obrigada a responder pela realidade de sua gestão, Allyson parece ter comprado uma realidade alternativa, onde os problemas de Mossoró são ofuscados pela glória de sua futura candidatura.
Os dados de “eficiência” confirmam a suspeita. Fátima tem 5 vezes mais “autores únicos” (pessoas falando sobre ela) que Allyson. No entanto, cada “autor” de Allyson produz, em média, 11,3 menções, contra apenas 2,4 de Fátima.
É a diferença entre uma conversa de bar, com muitas pessoas falando um pouco, e uma redação de jornal, com poucos profissionais produzindo muito conteúdo. Os “autores” de Allyson são, ao que tudo indica, profissioais.

O Custo da Verdade
No fim, os dados revelam três modelos de comunicação política no Rio Grande do Norte:
1.O Modelo da Força Bruta (Rogério Marinho): Usa a tecnologia para criar um volume gigantesco de ruído, uma demonstração de poder digital que pode ou não se traduzir em votos.
2.O Modelo da Realidade Nua e Crua (Fátima Bezerra): Governa sob o escrutínio de uma imprensa que, para o bem ou para o mal, reflete os problemas reais da população.
3.O Modelo da Realidade Comprada (Allyson Bezerra): Usa recursos públicos para criar uma bolha de notícias positivas, uma blindagem que o protege dos problemas de sua própria gestão e o projeta para o futuro.
O caso de Allyson, agora nas mãos da Justiça Eleitoral, levanta uma questão fundamental para a democracia: qual o custo de se permitir que um governante use o dinheiro do cidadão para construir uma realidade onde ele é sempre o herói? E, mais importante: se a imprensa que deveria fiscalizar o poder está na folha de pagamento do próprio poder, quem resta para apontar os buracos no caminho?
Na próxima reportagem vamos explorar como o Mossoró Cidade Junina é um dos principais propulsores dessa máquina. Eu solicitei à Prefeitura de Mossoró via Lei de Acesso à Informação todos os contratos da festa, mas não obtiver resposta. O Ministério Público do Estado foi acionado para fazer a lei valer e os documentos, que são públicos, serem disponibilizados.

