Por Ruy Castro
Há duas semanas, quando se soube que Diego Maradona forçara sua liberação do hospital em Buenos Aires onde fora operado de um hematoma no cérebro e iria “se recuperar” em casa, ficou claro que o fim ia chegar. O médico alegou que era “impossível segurar Diego”. Não explicou que Maradona precisava sair dali porque não podia passar sem álcool. Não por falta de caráter, de força de vontade, de querer ou não beber, mas por uma exigência orgânica, que, se não atendida, custa caro ao indivíduo.
O mundo descobriu a expressão síndrome de abstinência, mas não o que ela significa. Significa delírio, alucinação, desespero, descontrole geral dos órgãos, risco de ferimentos autoinfligidos, inclusive mutilações, e, no limite, parada cardíaca e respiratória. Hoje há remédios para isso —há 100 anos, era a camisa de força. A própria cirurgia a que Maradona fora submetido deve ter sido problemática. Se feita de emergência, sem prevenir a síndrome, ele pode ter passado por aquilo.
Por que Maradona, o maior jogador de seu tempo, caiu pela cocaína e depois o álcool? Os obituários falam da sua necessidade de “refugiar-se”, “preencher o vazio”, “afastar os fantasmas”. Mas só os amadores usam essas expressões. Elas não têm sentido no mundo real da dependência. Maradona foi apresentado à cocaína pela Máfia quando jogava no Napoli, em 1984. Experimentou-a, sentiu-se bem e passou a usá-la em doses crescentes —primeiro, de forma recreativa; depois, porque seu organismo a exigia. Só isso.
Tudo mais que lhe aconteceu foi decorrência —problemas jurídicos, de saúde, conjugais, financeiros e a conversão à bebida. A própria depressão —que todo dependente usa como pretexto para beber mais— foi uma decorrência física.
Maradona nunca foi tratado direito. É difícil convencer um deus de que ele tem um inimigo que não pode ser vencido. Mas pode ser controlado, desde que à distância.
*É Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
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