Liberdade de expressão ou crime de difamação?

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João Francisco Raposo Soares*

Com muita tristeza no coração, eu gostaria de tornar público como forma de aplacar um pouco da dor que vou carregar para o resto da minha vida que a minha ex-esposa, que é sócia da área tributária do escritório X, manteve um caso com o também sócio, casado e com filhos, por 14 anos enquanto esteve comigo. Estou postando aqui como forma de recuperar todos os danos psicológicos causados a mim por conta desse relacionamento tão sujo que afeta a imagem desse escritório tão renomado. (..) Minha ex esposa se vendeu e vendeu e destruiu minha família com um único objetivo de se tornar sócia desse escritório, já que sabia que se não agisse dessa forma não conseguiria tal objetivo. Pena saber que um escritório como esse seja permisso com tais atitudes”.

Essa é uma reprodução livre de um trecho de um post colocado nas redes sociais, que viralizou na última semana de outubro de 2019. O texto foi postado no Facebook por um advogado que supostamente foi traído por sua esposa, também advogada, abalando o meio jurídico e não só a reputação dela, como também a reputação do renomado escritório, por insinuar que supostamente seus sócios são escolhidos pelos motivos errados, e que o escritório é permissivo com tais atitudes. Tal fato retrata bem as situações nas quais empresas sofrem danos à imagem, decorrentes da atuação de seus colaboradores, consumidores e até mesmo empresas concorrentes.

Isso é crime? Que tipo de crime? Uma pessoa jurídica pode ser vítima de crime contra honra? Ela possui honra? Onde começa a liberdade de expressão que todos temos garantida pela Constituição e onde começa o direito de preservação da privacidade e da honra das empresas?

Temos várias notícias hoje de condenações criminais por conta de ofensas na internet. Essas decisões servem de alerta para um delito que se encontra em ascensão na atualidade.

A matéria é de alta complexidade. Com efeito, a legislação prevê o crime calúnia, o crime de injúria e o crime de difamação, os quais são denominados “crimes contra a honra”, previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal. Dos crimes de calúnia e injúria, só pessoa física pode ser vítima. A Calúnia ocorre quando uma pessoa “A” imputa falsamente um fato criminoso a uma pessoa “B”, sabendo que é mentira. A injúria, por sua vez, ocorre quando uma pessoa “A” ofende a honra subjetiva de uma pessoa “B”, por exemplo, chama a pessoa “B” de “imbecil”. Honra subjetiva é o conceito que a própria pessoa tem sobre si.

A pessoa jurídica não tem honra subjetiva, então, por isso ela não pode ser vítima de injúria. De calúnia, teoricamente ela até pode ser vítima, mas somente se a imputação falsa for específica de crime ambiental, já que é o único tipo de crime que a lei prevê que as Pessoas Jurídicas podem praticar.

Já o crime de difamação é diferente, porque ocorre quando uma pessoa “A” imputa a prática de fato que é ofensivo à reputação de uma pessoa “B”, ou seja, que é ofensivo à honra objetiva da pessoa “B”, não importando se aquele fato é verdadeiro ou não.

Assim, a difamação pode ser cometida também contra empresas, já que apesar de não possuírem honra subjetiva, elas têm honra objetiva, ou seja, elas têm um nome a zelar. Além do fato citado no início desse texto, são exemplos corriqueiros de difamação de empresas: dizer que uma determinada empresa trata mal os funcionários; ou que vende produtos não regulamentados; ou que força a justa causa dos funcionários; ou que é permissiva com ilicitudes, assédios ou depravações; e muitas outras situações, que podem manchar gravemente a reputação da empresa, fazendo inclusive com que sua marca possa perder valor de mercado.

Para uma manifestação pública se caracterizar como crime de difamação contra uma empresa, o autor deve ter a intenção de manchar a reputação daquela empresa, e imputar um fato ofensivo à sua reputação, seja verdadeiro ou não.

Atualmente muitas empresas são constantemente ofendidas na internet, por exemplo, quando seus consumidores escrevem comentários em sites como “Facebook” e “Reclame Aqui”, difamando o bom nome dessas empresas. Nesses casos é interessante analisar mais profundamente, porque, por vezes, quando o consumidor recorre à internet para reclamar, a intenção dele não é apenas demonstrar a insatisfação com o produto ou serviço prestado, mas sim manchar a reputação da empresa, ofendendo a honra objetiva do negócio. Nestas hipóteses pode haver de fato o crime de difamação.

Outro tipo de ofensa que muitas empresas têm sofrido na internet ocorre quando seus concorrentes publicam ou divulgam, por qualquer meio, afirmações falsas sobre essas empresas, com o fim de obter vantagem sobre elas. Nesses casos, o crime passa a ser o de concorrência desleal, previsto no artigo 195, I e II, da Lei 9.279/1996.

Qualquer que seja a situação, se o empresário vislumbra que sua empresa pode ter sido vítima de difamação ou de concorrência desleal, é aconselhável que, antes de tomar qualquer atitude, como, por exemplo, registrar ocorrência policial, ou efetivamente decidir propor a ação penal, ele procure um advogado, que poderá avaliar se a conduta é realmente um ilícito penal, um ilícito civil, ou mera fruição da liberdade de expressão, que é um direito de todo cidadão, garantido pela Constituição Federal.

*João Francisco Raposo Soares é advogado, pós graduado em direito penal pela Universidade Mackenzie, com especialização em crimes financeiros pela FGV e curso intensivo de negociação pela Harvard Law School 

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto