Fátima Bezerra, por ser petista, sempre carregou o estigma de ser contra policiais. Parte dessa percepção vem da histórica dificuldade da esquerda brasileira em dialogar com pautas ligadas à segurança pública. Nos bastidores da tropa, essa suspeita frequentemente se traduzia em uma sensação de perseguição.
Mas, tendo sido a governadora que mais concedeu vantagens remuneratórias para a polícia e, ainda assim, mantida a percepção de que persegue policiais, o Blog do Dina decidiu investigar: será que o governo Fátima realmente puniu mais os PMs? Os resultados revelam uma realidade mais complexa do que o senso comum costuma afirmar.
Essa reportagem é resultado de uma análise sobre 10 anos de boletins gerais da Polícia Militar do Rio Grande do Norte com um comparativo sobre o governo Robinson e o primeiro mandato de Fátima. Adicionalmente, comparamos o primeiro biênio do primeiro mandato de Fátima com o primeiro biênio do segundo. A metodologia aplicada está melhor explicada adiante.
Quem Puniu Mais?
Durante o mandato de Robinson Faria, a média anual de novos processos disciplinares únicos — como sindicâncias e PADs — foi de aproximadamente 1.622 casos por ano. Ao todo, a gestão do ex-governador abriu 6.490 processos contra policiais.
Já no primeiro mandato de Fátima Bezerra, essa média caiu para 1.210 processos por ano, uma redução de quase 25% na abertura de novas investigações disciplinares formais. Ao todo, o primeiro mandato da governadora petista abriu 4.842 procedimentos contra policiais.
Essa queda também aparece no número absoluto de processos com menção a prisão: de 270 por ano no governo Robinson, caiu para 251 no período Fátima. Mas a proporção mudou.
Enquanto 16,7% dos processos no governo Robinson envolviam prisão, esse número subiu para 20,8% com Fátima. Ou seja, os processos que resultaram em medidas privativas de liberdade tornaram-se menor em quantidade e mais frequentes, em termos relativos.
Por que PMs são presos?
Para entender o que motivou essas prisões, o Blog do Dina realizou uma análise automatizada dos trechos dos Boletins Gerais (BGs) da PMRN que mencionavam os processos com prisão contra policiais. Com base em número de processo administrativo e palavras-chave, os casos foram agrupados em categorias.
No governo Robinson, a maioria dos processos com prisão envolvia insubordinação ou desrespeito (51,5%), seguida por casos classificados como “não categorizado” (37%) e transgressões administrativas ou de serviço (27,2%).

No primeiro mandato de Fátima, os números mudam:
- Insubordinação/Desrespeito sobe para 61,6%
- Violência ou abuso salta de 10,5% para 16,8%
- Casos mal classificados ou “outros” caem para 20,7%
Essa mudança no perfil pode indicar um endurecimento da gestão disciplinar sobre desvios hierárquicos e comportamentais mais graves, além de uma melhora na descrição dos motivos nos BGs mais recentes.
A proporção de casos relacionados a corrupção ou improbidade seguiu baixa nos dois governos, não ultrapassando 1% do total de processos com prisão.

Como essa análise foi feita
A apuração foi baseada nos Boletins Gerais da PMRN, com foco em processos disciplinares únicos — ou seja, procedimentos identificados pela primeira vez em determinado ano.
A partir desses registros, o Blog do Dina:
Identificou todos os casos com menção a prisão ou detenção disciplinar
Utilizou palavras-chave nos trechos de contexto para categorizar os motivos principais
Comparou os dados entre os dois períodos, observando variações por tipo de infração
Essa metodologia é exploratória e baseada em critérios de textualidade e ocorrência semântica. Os números fornecem uma visão geral da tendência disciplinar, mas não substituem análises de mérito jurídico ou administrativo de cada caso aberto contra policiais.
O que ainda precisa ser explicado
A análise abre espaço para perguntas importantes:
A queda no número de processos reflete melhora na conduta da tropa ou uma mudança nos critérios para abrir investigações?
Essa resposta para essa questão é essencial. Policiais ouvidos pelo Blog do Dina para esta reportagem relataram que, via de regra, governadores não costumam se meter diretamente nos casos abertos contra policiais, salvo os eventos de comoção pública. Com isso, urge saber do comando da PM se houve ou não mudança de critérios para punir policiais.
Um desses elementos que reforçam a necessidade de explicações foi a detenção do sargento Fernando Santos de Medeiros. Ele cumpriu prisão por 30 dias em processo administrativo no qual é relatado que as causas de sua detenção tem a ver com o fato de ter sido acusado de cometer um assalto, e ainda por cima, usando a pistola que é patrimônio da PM. O caso aconteceu em agosto do ano passado.
Medeiros teve pena idêntica a quem foi detido por usar sua arma para atirar para cima em via pública. Não foi aberto processo de expulsão do militar envolvido no caso de assalto. Fontes ligadas ao caso dele, relataram ao Blog do Dina que há dúvidas sobre a autoria, já que, no momento do assalto, ele estaria bebendo com amigos.
A investigação continua
O Blog do Dina já solicitou esclarecimentos oficiais ao Comando da PMRN. Até a publicação desta reportagem, não houve retorno. Reproduzo abaixo as perguntas encaminhadas para entender a dinâmica dos casos contra policiais. Caso sejam respondidas, atualizarei com um novo post:
Redução no Volume de Processos: Nossos dados indicam uma redução de aproximadamente 25% na média anual de novos processos disciplinares únicos instaurados no primeiro mandato da governadora Fátima Bezerra (~1210/ano) em comparação com o mandato do ex-governador Robinson Faria (~1622/ano). A que fatores a Corporação atribui essa diminuição no volume geral de procedimentos disciplinares formais?
Aumento na Proporção de Prisões: Apesar da queda no número total de processos, observamos um aumento na proporção de processos que continham menção a prisão/detenção, passando de 16,7% no mandato Robinson para 20,8% no primeiro mandato Fátima. Como a Corporação explica esse aumento proporcional? Houve uma mudança nos critérios para aplicação de punições de prisão, ou os tipos de infrações investigadas se tornaram proporcionalmente mais graves?
Mudança no Perfil das Prisões (Insubordinação e Violência): A análise contextual preliminar dos casos com prisão sugere um aumento na proporção de infrações ligadas tanto a “Insubordinação/Desrespeito” (de 51,5% para 61,6%) quanto a “Violência/Abuso” (de 10,5% para 16,8%) no primeiro mandato Fátima em comparação com o mandato Robinson. Como a Corporação interpreta esse aumento simultâneo em categorias aparentemente distintas? Quais políticas ou fatores podem ter contribuído para essa mudança no perfil das infrações que levaram à prisão?
Redução de Casos “Não Categorizados”: Notamos uma redução significativa na proporção de casos com prisão classificados como “Não Categorizado/Outros” (de 37,0% para 20,7%) entre os dois mandatos. Isso reflete uma melhoria na qualidade dos registros nos Boletins Gerais, permitindo uma melhor identificação dos motivos, ou houve uma concentração maior das infrações nas categorias predefinidas?
Impacto de Políticas ou Comandos: Quais políticas disciplinares específicas, mudanças de comando ou programas de treinamento implementados durante a transição ou ao longo do primeiro mandato de Fátima Bezerra podem ter influenciado essas tendências observadas (redução geral de processos, aumento proporcional de prisões, e mudanças no perfil dos motivos)?
Monitoramento Interno: Os indicadores oficiais e o monitoramento interno da Corregedoria da PMRN confirmam essas tendências? Como a Corporação avalia internamente a evolução do cenário disciplinar entre esses dois períodos de governo?
Nos próximos dias, novos desdobramentos serão publicados com base nas respostas e em análises complementares dos dados.
Enquanto isso, a pergunta continua de pé:
Robinson ou Fátima?
Quem foi mais duro com a PMRN?
A resposta está nos boletins — e nos silêncios do Comando da PM.

