Por Alexsandro Silva Coutinho*
Não sou adepto do complexo de vira-latas, por isso quero desde já deixar claro que as questões que vou colocar tem a intenção única de provocar reflexões, só isso!
Tenho observado que nossa relação com a coisa pública, enquanto povo, apresenta sintomas perigosos para uma nação que se pretende republicana e democrática.
Segundo Lewandowski¹, a expressão latina “Res publica“, instituída pelos Romanos, no início do século V a.C., a partir da superação da realeza, identificava algo que pertencia a todos. A república encerra a ideia de coisa comum, de um bem pertencente à coletividade (…). Cícero definiu-a como “a coisa do povo, considerada tal, não todos os homens de qualquer modo congregados, mas a reunião que tem seu fundamente no consentimento jurídico e na utilidade comum”. A república, portanto, para o pensador romano, não era uma mera multidão de pessoas reunidas, sob uma determinada autoridade, mas uma comunidade de interesses organizada, sob a égide da Lei.
Nosso cidadão médio não entende que defender a coisa pública é dar valor aos impostos que paga. Para boa parte da população “a coisa pública é de ninguém”. E assim, pouco nos importamos com as agressões ao patrimônio público. Achamos que aquilo não tem a ver conosco, que isso não fere nossos direitos. E mesmo quando percebemos a importância dela, nos sentimos incompetentes para dar conta do recado. Concordamos com a venda de estatais, com a entrega da Amazônia, com a venda do pré-sal, e assim por diante.
Nesse vácuo de cidadania surgem os manipuladores da opinião pública e financiadores de campanhas que, ao comprar votos e exercer lobby, pretendem fazer deles coisa pública. Surge o segundo fenômeno – para outra parte da população “a coisa pública é minha”, a coisa pública passa a integrar a propriedade privada de alguém. O prefeito compra um carro de luxo com o dinheiro público, o dono do shopping muda o quartel de polícia de lugar e o ministro do ambiente manda apagar uma trilha de quatro mil quilômetros dentro da Mata Atlântica, são fatos de nossa realidade.
Por último, decorrência lógica do pensamento de dono da coisa pública, temos a turma do “a coisa pública é de alguém”. Jogue a primeira pedra quem nunca tomou conhecimento de um funcionário público que se negou a trabalhar porque não simpatizava com o chefe do executivo, como se fosse dele empregado e não servidor do povo. Ou ainda do cidadão que destrói a coisa pública julgando estar atingindo o gestor, e não aquilo que existe para servir à coletividade.
A palavra condomínio significa “posse ou o direito simultâneo, por duas ou mais pessoas”. Percebam que, guardadas as proporções e diferenças. Seja um bairro, uma cidade, um estado ou um país, qualquer extensão territorial pode ser encarada como um grande condomínio onde os impostos estão para os cidadãos assim como as taxas para os condôminos. Por que então nos preocupamos com a preservação das áreas comuns do nosso condomínio e abandonamos a coisa pública à própria sorte? Que tipo de divórcio social faz alguém imaginar que a coisa pública tem dono, ou ainda que ela pode ser encarada como coisa privada? Como fomentar o espírito de cidadania em um povo que sequer toma posse de seu próprio território?
Como eu disse lá no começo, quero só provocar reflexões. Mas guardo comigo o palpite de que este cenário foi construído e é fomentado pelo currículo escolar. Pois estas reflexões, assim como outras tão importantes, não fazem parte do dia a dia de nossas escolas, preparadas somente para forjar “workers”, carne para a máquina de moer gente em que se transformou a sociedade moderna, onde pensar o mundo dói ou incomoda.
De acordo com Bobbio², sem cidadãos “capazes de resistir contra os arrogantes e servir ao bem público, a república morre, torna-se um lugar em que alguns dominam e outros servem”.
Vocês concordam que já passou do tempo de começarmos a ser e a formarmos verdadeiros cidadãos?
*É Graduando em Direito pela Universidade Potiguar.
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Referências
1. LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Reflexões em torno do Princípio Republicano. Revista da Faculdade de direito da Universidade de São Paulo. 2005. p. 190.
2. BOBBIO, Norberto. VIROLI, Maurizio. 2002. p. 16. apud LEWANDOWSKI, op. cit. 2005. p. 197.