Por Rogério Tadeu Romano*
Observe-se o art. 272 do CP:
Art. 272 – Corromper, adulterar, falsificar ou alterar substância ou produto alimentício destinado a consumo, tornando-o nociva à saúde ou reduzindo-lhe o valor nutritivo: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
- 1º-A – Incorre nas penas deste artigo quem fabrica, vende, expõe à venda, importa, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo a substância alimentícia ou o produto falsificado, corrompido ou adulterado. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
- 1º – Está sujeito às mesmas penas quem pratica as ações previstas neste artigo em relação a bebidas, com ou sem teor alcoólico. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
Modalidade culposa
- 2º – Se o crime é culposo: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
Alternativamente, são previstos quatro núcleos: Corromper, adulterar, falsificar ou alterar substância ou produto alimentício destinado a consumo.
É indispensável que a corrupção, a adulteração, a fabricação ou a alteração torne a substância nociva à saúde.
A conduta “expor à venda” é composta e só tem sentido conjuntivamente de forma que prescinde de vontade específica. Como bem ensinou Guilherme de Souza Nucci (Código penal comentado, 8ª edição, pág. 966) “ninguém simplesmente ¨expõe¨ (mostra ou põe à vista) substância corrompida, adulterada ou falsificada, pois não há nisso interesse algum, nem perigo à saúde. ¨Assim o elemento subjetivo do tipo é, repita-se, o dolo de perigo, ou seja, a vontade de gerar um risco não tolerado a terceiros. Não se exige elemento subjetivo específico, exceto na modalidade ¨ter em depósito para vender¨. Exige-se que o agente mantenha a substância guardada com a finalidade de aliená-la a cerou seja, o.
Se há venda, depósito para venda ou exposição para o mesmo fim ou entrega de matéria prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo, vide o art. 7º IX, da Lei nº 8.137/90 (Leis dos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo).
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Quanto ao sujeito passivo disseram, aliás, Celso Delmanto e outros (Código penal, 6ª edição, pág. 549), que é a coletividade.
O crime exige dolo de perigo. O dolo é genérico. A figura culposa é prevista no parágrafo segundo.
Exige-se a forma comissiva.
Ensinou Guilherme de Souza Nucci (Código penal comentado, 8ª edição, páginas 965 e 966) que há dolo de perigo.
Ainda disse Nucci, que” destinação ao consumo é a finalidade de ser utilizada e ingerida por um número indeterminado de pessoas.”
Significa, outrossim, que é “algo prejudicial às normais funções orgânicas, física ou mentais”.
Trata-se de crime comum, formal, instantâneo, de perigo comum abstrato, pois coloca um número indeterminado de pessoas em perigo presumido.
No objeto material do crime, há extensão às bebidas, em acréscimo feito pela Lei 9.677/98. Assim ficam incluídos no tipo penal as bebidas (líquidos potáveis), com ou sem álcool.
Ensinou Júlio Fabbrini Mirabete (Manual de direito penal, volume III, 7ª edição, pág. 142):
“Importante é a conceituação da bebida alcóolica, o uísque, p. ex, como substância alimentícia, quer por ser fornecedor de energia, o carbono. quer por conter propriedades antissépticas, ou por se apresentar como estimulante de reconhecido valor terapêutico. Diz Valdir Sznick:” Assim, aquele que falsifica bebida – uísque, licores, vinho – ou adulterando com substâncias estranhas a sua composição ou substituindo a bebida estrangeira por nacional (uísque escocês pelo natural, licor, por seu congênere nacional) está incidindo nos artigos 272 ou 273, dependendo ou não da nocividade.”
Ainda disse Mirabete (obra citada, pág. 143):”É indispensável, ainda, que a conduta torne a substância nociva à saúde, que possa causar dano ao regular funcionamento biológico do homem. Trata-se, como diz Hungria, de “nocividade positiva, isto é, a capacidade de causar diretamente danos à saúde e não a simples normalidade negativa, isto é , de redução do valor nutritivo ou do efeito benéfico da substância, sem perigo imediato à saúde (de que trata o art. 273)”. Sem a prova de que a substância se tornou nociva à saúde, não há que se punir o agente por infringência ao art. 272 (RT 632/282, 61/333, 288/592, RF 192/359). Não configura o delito. pois, a mistura ao alimento de substância inócua ou daquela que seja apenas imprópria, para consumo, não nociva à saúde.”
O dolo do delito previsto no § 1º do art. 272 é a vontade de praticar uma das condutas inscritas no dispositivo, tendo o agente ciência de que se trata de substância adulterada, corrompida ou falsificada bem como de sua nocividade (RJTJESP 14/481, RT 420/104, 403/295). Como lembrou ainda Mirabete (obra citada, pág. 144), não se exige o fim de lucro ou qualquer outro, mas, quanto ao ter em depósito a substância, indispensável é o elemento subjetivo do tipo, ou seja, a finalidade de se vender (dolo específico).
Consuma-se com a criação da situação de perigo comum, e que se trata, isto é, quando o agente, ao corromper, adulterar, falsificar ou alterar substância ou produto alimentício ou destinado a consumo de um número indeterminado de pessoas, torne-a nociva à saúde ou lhe reduza o valor nutritivo. A tentativa é perfeitamente admissível.
Sobre a adulteração de bebidas por metanol, disse Ludhmila Hajjar, em importante artigo para o jornal O Globo, em 3.10.25:
“O metanol é um álcool simples, usado industrialmente como solvente e combustível. Diferentemente do etanol, presente nas bebidas alcoólicas, não tem uso recreativo seguro. Uma dose mínima de 10 mililitros pode causar lesões irreversíveis no nervo óptico, levando à cegueira; quantidades maiores provocam falência orgânica e morte. Seu perigo reside em dois pontos: ele é indistinguível do etanol em cor, cheiro e sabor, e seu metabolismo no organismo gera compostos altamente tóxicos, como formaldeído e ácido fórmico.
Os sintomas iniciais da intoxicação são enganosos. Cefaleia, náusea, vômitos, tontura e dor abdominal podem ser confundidos com os efeitos de uma bebedeira comum. Mas, após algumas horas, surgem sinais mais graves: visão borrada, sensibilidade à luz, confusão mental, respiração acelerada para compensar a acidose metabólica, convulsões e coma. O atraso entre a ingestão e o agravamento dos sintomas torna o diagnóstico desafiador e atrasa socorro.”
Entende-se que não se configura a modalidade culposa do parágrafo segundo se a substância foi preparada para uma determinada pessoa, pois o perigo deve ser comum e não individual, certo e determinado (TACrSP, Julgados 85/488).
As causas de aumento, agravantes e atenuantes são previstas no art. 285: Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes previstos neste capítulo, salvo quanto ao definido no art. 267.
Determina, pois, o artigo 258 do CP:
Art. 258 – Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço.
É, pois, essencial à figura do art. 272, como lembram Celso Delmanto e outros (obra citada, pág. 560), a prova de ter a substância se tornado nociva à saúde (TJSP, RJTJSP 102/431), RT 632/282). Não basta a conclusão do laudo de que a substância continha produto de adição proibida, caso não informe se a quantidade adicionada tornava a substância nociva, nos termos do art. 272 (TJSP, 605/296, 599/319).
É crime de ação penal pública incondicionada.
Envolvendo a conduta vários estados da federação, poderá a Polícia Federal investiga-lo.
Dita a Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002, consoante o artigo 1º, que na forma do inciso I do § 1o do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, de infrações penais.
Observe-se assim, dentre os ilícitos penais citados pela norma referenciada.
V – Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (art. 273 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal). (Incluído pela Lei nº 12.894, de 2013)
Por fim, dir-se-á que há um projeto de lei para inserir a conduta de adulteração de alimentos ou bebidas a partir da adição de ingredientes que possam causar risco à vida ou grave ameaça à saúde como crime hediondo (Agência Brasil).
O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, no dia 2.10.25, o regime de urgência para proposta que torna crime hediondo, como informou a Agência Brasil, em reportagem.
Esses crimes hediondos são assim denominados em face de sua natureza ou pela forma de execução se mostram repugnantes, causando clamor pública e intensa repulsa.
Hediondo significa algo horrível, repugnante, repulsivo.
*É procurador da República aposentado.
Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.
