Por Rogério Tadeu Romano*
Observo o que foi dito pelo portal do jornal O Globo, em 26.6.25:
“O Congresso Nacional aprovou nesta quarta-feira o projeto de decreto legislativo que anula o aumento do Imposto sobre Operações Financeira (IOF) anunciado pelo governo Lula em maio e que passou por idas e vindas. O texto passou na Câmara e no Senado na mesma noite
O projeto foi aprovado por 383 votos a favor e 98 contra entre os deputados. No Senado, a votação foi simbólica, sem marcação de posição. A proposta foi pautada no fim da noite de ontem pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e a votação pegou o presidente Lula e até líderes do Congresso de surpresa.”
Foi uma derrota amarga para o governo.
Dito isso, observa-se o decreto emitido pelo Executivo e o Decreto-legislativo de competência do Congresso.
Como explicitou o G1 Economia, o governo anunciou no dia 22.5.25 um aumento de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para empresas, previdência privada e câmbio para arrecadar R$ 20,5 bilhões a mais neste ano e R$ 41 bilhões em 2026.
O mercado reagiu como o meio político à medida anunciada.
O imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários incide sobre:
– operações de crédito realizadas:
- a) por instituições financeiras;
- b) por empresas que exercem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring);
- c) entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física;
II – operações de câmbio;
III – operações de seguro realizadas por seguradoras;
IV – operações relativas a títulos ou valores mobiliários;
V – operações com ouro, ativo financeiro, ou instrumento cambial.
Não se submetem à incidência do IOF as operações realizadas por órgãos da administração direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e, desde que vinculadas às finalidades essenciais das respectivas entidades, as operações realizadas por:
I – autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;
II – templos de qualquer culto;
III – partidos políticos, inclusive suas fundações, entidades sindicais de trabalhadores e instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.
O fato gerador do IOF é a entrega do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação ou sua colocação à disposição do interessado.
Possui o IOF um caráter regulatório e não propriamente arrecadatório. É nítido o seu caráter extrafiscal.
A teor do artigo 66 do Código Tributário Nacional, contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação tributada, como dispuser a lei. O Código Tributário Nacional, lei complementar material, deixou o assunto ao legislador ordinário.
São responsáveis pela cobrança do IOF e pelo seu recolhimento ao Tesouro Nacional:
I – as instituições financeiras que efetuarem operações de crédito;
II – as empresas de factoring adquirentes do direito creditório;
III – a pessoa jurídica que conceder o crédito, nas operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros.
O imposto sobre operações financeiras ou sobre operações de crédito, câmbio, seguro, ou relativas a títulos e valores mobiliários passou a ter suas alíquotas alteradas pelo Poder Executivo através de simples atos administrativos, sem submissão, na majoração, aos princípios da legalidade e da anterioridade, pois é instrumento hábil de extrafiscalidade, na área do mercado financeiro. Trata-se de uma exceção ao princípio da legalidade formal.
Há ainda uma exceção na aplicação desse imposto ao princípio da anterioridade tributária (artigo 150, inciso III, b, c, da Constituição), em regra que determina que não poderá ser cobrado tributo no mesmo exercício financeiro me que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou ou antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada em lei.
O IOF, assim como o IPI, está dentro do que se chama exceção ao regime da anterioridade (não surpresa do contribuinte) de modo que podem ser cobradas majorações dele assim como dos impostos de importação, exportação, imposto extraordinário de guerra (artigo 154, II, CF), empréstimo compulsório para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública de guerra externa ou sua iminência (artigo 148, I, CF). Essa quebra do princípio da anterioridade com relação ao IPI, assim como outros impostos relacionados, ocorre apenas na majoração. A modificação, via alteração de alíquotas, depende de ato administrativo (art. 153, § 1º).
O imposto está ao dispor do Executivo, mas observadas as condições e limites fixados em lei.
A lei referenciada deve ser complementar, que trate de normas gerais tributárias, reguladora do fato gerador do imposto.
Tem-se na redação do artigo 63 do Código Tributário Nacional:
Art. 63. O imposto, de competência da União, sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários tem como fato gerador:
I – quanto às operações de crédito, a sua efetivação pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado;
II – quanto às operações de câmbio, a sua efetivação pela entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este;
III – quanto às operações de seguro, a sua efetivação pela emissão da apólice ou do documento equivalente, ou recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável;
IV – quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários, a emissão, transmissão, pagamento ou resgate destes, na forma da lei aplicável.
Parágrafo único. A incidência definida no inciso I exclui a definida no inciso IV, e reciprocamente, quanto à emissão, ao pagamento ou resgate do título representativo de uma mesma operação de crédito.
A lei faz menção a operação de crédito de que é principal exemplo o chamado mútuo feneratício o empréstimo de dinheiro a juros. Para Baleeiro (Direito tributário brasileiro, 9ª edição, pág. 246) estão envolvidas ainda as várias operações de crédito que usualmente constituem os negócios dos bancos e empresas financiadoras. A fiança, a caução está nesse número.
O fato gerador do artigo 63, I, do CTN faz brotar o fato gerador da efetividade da operação com a entrega total ou parcial do montante ou do valor ou sua colocação à disposição do interessado em banco ou alhures. Assim não há necessidade de documento comprobatório emitido pelo devedor ou beneficiário do crédito, pois basta que a efetivação do negócio seja inequívoca pelos fatos que o dispositivo indica.
Fala-se em operações de câmbio.
Em se tratando de operações cambais constitui fato gerador a efetivação pela entrega de moeda, ou pela do documento que as represente ou sua colocação à disposição do interessado em montante equivalente seja nacional, seja estrangeira.
Nos contratos de seguro de qualquer natureza se vincula a efetivação à emissão do documento típico – a apólice lavrada pelo segurador.
Fala-se em títulos e valores mobiliários.
Títulos são genericamente os instrumentos ou documentos que expressam e provam os créditos. Mas no inciso IV do artigo 63, o sentido se reveste de caráter especial para designar papeis autônomos que, nascidos de uma fonte jurídica contém extrinsecamente elementos de certeza e liquidez e possibilitam a sua expedita e segura negociação em Bolsas de Valores, ou mesmo fora dela.
Títulos são os das sociedades anônimas, bancos, nominativos ou ao portador, como debêntures, obrigações negociáveis, apólices da dívida pública da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
A reação do Legislativo a edição do decreto mencionado poderá se dar por decreto legislativo.
Dita o artigo 49, V, da Constituição que é competência exclusiva do Congresso Nacional:
V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.
Tal atribuição está inserida dentre as chamadas de fiscalização e controle, que exerce num procedimento visando a garantir o cumprimento da Constituição diante de atos normativos editados pelo Executivo que afrontem a Constituição.
Como abordou Uadi Lammêgo Bulos ( Constituição Federal Anotada, 6ª edição, pág. 744), nesse inciso foi consagrado o poder congressual para se sustarem leis delegadas (artigo 59, IV). Trata-se de matéria ínsita à competência legislativa do Congresso Nacional.
O dispositivo consagra uma espécie de controle legislativo que não obstaculiza, nem, tampouco, suplanta a declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário.
O ato de sustação produzirá efeitos ex tunc, isto é, desde a edição da espécie normativa, desempenhando efeitos ex tunc, isto é, desde a edição da espécie normativa.
A propósito escreveu Marcos Aurélio P. Valadão (Sustação de atos do Poder Executivo pelo Congresso Nacional, com base no artigo 49, V, da Constituição Federal – Revista de informação legislativa, v. 38, n. 153, p. 287-301, jan./mar. 2002):
“Ocorre que, se os atos normativos editados pelo Poder Executivo forem editados com obediência aos princípios inscritos no art. 37 da CF/88, esses atos não poderão ser atacados pela via do controle previsto no artigo 49, inciso V, da CF/88. A exorbitância do poder regulamentar eiva o ato de inconstitucionalidade, por vício de ilegalidade (vai além dos limites da lei). No entanto, pode-se ter um ato inconstitucional que não exorbite do poder regulamentar, mas que seja inconstitucional por ferir um dos princípios do citado artigo 37, que não seja o da legalidade. Por exemplo, um decreto presidencial, que, dentro dos estritos limites da lei, amplie determinados benefícios, porém violando o princípio da impessoalidade. Não há aqui exorbitância do poder regulamentar, mas há inconstitucionalidade. Não é possível, nesse caso, que o Congresso Nacional edite um decreto legislativo sustando o decreto presidencial. Quanto aos atos executivos autônomos, que não correspondem à regulamentação de leis, o seu controle fica mais complexo, já que o parâmetro de controle, que é, normalmente, a lei, passa ser a própria Constituição. Neste caso, i.e., dos regulamentos autônomos, ou decretos autônomos, que são passíveis do controle direto de constitucionalidade, não podem ser objeto de sustação pelo Congresso Nacional, pois não são atos da espécie “poder regulamentar”, mas inseridos no “poder normativo”.
E conclui por dizer:
“Ou seja, o controle que pode ser exercido pelo Poder Legislativo, com base no art. 49, inciso V, da CF/88, é limitado e restringe-se às hipóteses de extrapolação do poder regulamentar, no sentido de não-adequação aos limites da lei regulamentada (disposições contra legem, extra legem ou ultra legem), configurando violação ao princípio da legalidade, e diz respeito somente aos atos do chefe do Poder Executivo, isto é, os decretos regulamentares, não abrangendo os decretos autônomos ou qualquer outro ato emanado na esfera do Poder Executivo. Qualquer outra hipótese de inconstitucionalidade só poderá ser objeto de controle pelo Poder Judiciário. Entender-se de outro modo seria como se ler no supercitado inciso V do artigo 49 da CF/88 não a expressão “atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar”, mas “atos normativos no âmbito do Poder Executivo eivados de inconstitucionalidade direta ou indiretamente”; o que configuraria, evidentemente, uma ampliação distorcida do comando constitucional.”
Por outro lado, o artigo 49 da Constituição determina a existência por parte do Congresso Nacional de atribuições deliberativas, envolvendo a prática de atos concretos, de resoluções referendárias, de autorizações, de aprovações, de sustação de atos, de fixação de situações e de julgamentos técnicos, o que é feito por via de decreto legislativo ou de resoluções, segundo procedimento deliberativo especial de sua competência exclusiva de acordo com regras regimentais.
*É procurador da República com atuação no RN aposentado.
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