O passado condena? 

Arthur Lira se livra de processo (Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados)

Por Rogério Tadeu Romano* 

O atual presidente da Câmara dos Deputados é, sem dúvida, um dos homens mais poderosos da República.

É sabido que o atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, enfrentou vários processos por conta de condutas a ele imputadas.

De onde vem tanto poder?

Ao comentar o dia a dia da política nacional, Vera Magalhães, em sua coluna para o Globo, em 26.4.2023, disse: “Há um elemento essencial para entender para onde este Legislativo caminhará, e ele se chama Arthur Lira.”

Foram apresentadas denúncias contra ele ofertadas no Supremo Tribunal Federal.

No primeiro caso, um servidor da Câmara foi flagrado com R$ 106 mil em dinheiro vivo quando tentava embarcar no Aeroporto de Congonhas. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), os valores apreendidos deveriam ser entregues a Lira, em troca de apoio político para manter Francisco Colombo no cargo de presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).

A segunda denúncia diz respeito às investigações do “quadrilhão do PP”. Lira é acusado de participar de um esquema de “cometimento de uma miríade de delitos” e arrecadação de propina por meio da utilização de diversos órgãos da administração, como a Petrobrás, a Caixa Econômica Federal e o Ministério das Cidades. A organização criminosa teria sido estruturada após a eleição do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2002.

O atual presidente da Câmara foi denunciado pela PGR, em junho de 2020, acusado de receber R$ 1,6 milhão em propina da empreiteira Queiroz Galvão, pelo apoio do PP à manutenção de Paulo Roberto Costa na diretoria da Petrobras. No entanto, três meses depois, em setembro daquele ano, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, que foi coordenadora da Lava Jato na PGR, acolheu argumento da defesa de que não havia prova contra Lira e desistiu da denúncia.

Foi assim noticiado:

“A PGR alterou seu entendimento após perceber que a denúncia estava calcada exclusivamente na palavra de um colaborador premiado: Alberto Youssef. Não havia qualquer outra prova. E, como fiscal da lei, não poderia sustentar algo distinto do arquivamento”.

Observo o que foi noticiado pelo site do jornal O Globo, em 4.4.2023:

“A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu nesta terça-feira que o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeite uma denúncia apresentada por ela mesma contra o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

Na denúncia apresentada em 2012 ao Supremo, a PGR afirmava que o assessor parlamentar Jaymerson José Gomes de Amorim, servidor público da Câmara dos Deputados, foi apreendido com R$ 106 mil em espécie quando tentava embarcar no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com destino a Brasília utilizando passagens custeadas pelo deputado federal. Ao ser detido, ele afirmou que a quantia pertencia a Lira.

Segundo a acusação feita inicialmente, os valores apreendidos deveriam ser entregues a Lira, na época líder do Partido Progressista (PP), em troca de apoio político para manter Francisco Carlos Cabalero Colombo no cargo de presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). “

Em julgamento em 2019, a Primeira Turma do STF chegou a acolher em parte a acusação da PGR e decidiu transformar o deputado em réu por corrupção passiva. Após, em pronunciamento apresentado após novo recurso da defesa de Lira, o órgão afirmou que não há elementos que justifiquem a acusação contra o parlamentar.

Para a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, a denúncia foi embasada apenas em delação premiada.

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, determinou o encerramento de três ações de improbidade administrativa contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), apresentadas à Justiça Federal do Paraná em desdobramento das investigações da Lava Jato.

As ações estavam suspensas desde abril de 2021, por decisão também do ministro. A decisão também beneficia o ex-senador Benedito de Lira, pai do presidente da Câmara.

Arthur Lira já era alvo de investigações pelo Parquet quando atuava em seu Estado de Alagoas como parlamentar.

Lira foi denunciado pelos desvios na Assembleia Legislativa de Alagoas pela Procuradoria-Geral da República (PRG), na gestão de Raquel Dodge. No entanto, depois que o STF decidiu em 2018 restringir o foro privilegiado a crimes relacionados ao atual mandato parlamentar, o caso foi remetido à primeira instância da Justiça Estadual de Alagoas sem ser julgado pelo Supremo.

Lira chegou a se tornar réu nesse caso, mas, após, o juiz Carlos Henrique Pita Duarte, da 3ª Vara Criminal de Maceió, decidiu arquivar o processo por considerar que as provas eram nulas. Na sua avaliação, o caso deveria ter tramitado na Justiça Estadual desde o começo, em vez de na Federal como ocorreu inicialmente. O Ministério Público recorreu da decisão.

O Ministério Público de Alagoas ajuizou ação de improbidade administrativa, ação civil, contra ele e outros acusados por delitos ali noticiados que trouxeram prejuízos ao erário daquele Estado.

Observo o que foi dito pelo jornal Folha de São Paulo, em 28.8.22:

“O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL),, disputou a sua segunda eleição amparado em uma decisão provisória que obteve em 2018 e que está de pé há mais de quatro anos sem que a Justiça se posicione sobre a questão.

A Lei de Inelegibilidades estabelece que o julgamento desse tipo de caso deve ser prioritário, mas, desde o final de 2020, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) analisa, sem conclusão, um recurso especial apresentado pelo deputado.

Lira e outros parlamentares foram condenados pela Justiça de Alagoas em decorrência da Operação Taturana, da Polícia Federal, que investigou suposto esquema de desvio de recursos da Assembleia Legislativa.

Nessa ação, Lira foi condenado por pagar empréstimos pessoais com recursos de verba de gabinete e utilizar cheques emitidos da conta da Assembleia para garantir financiamentos também pessoais.

A acusação apresentada pelo Ministério Público trazia ainda outras suspeitas, como movimentação financeira atípica de R$ 9,5 milhões (em valores não corrigidos) e desconto na boca do caixa de cheques emitidos pela Assembleia em favor de servidores fantasmas e laranjas.”

A sentença condenatória afirma que Lira e os demais parlamentares tiveram “uma ânsia incontrolável por dilapidar o patrimônio público, corroeram as entranhas do Poder Legislativo Estadual, disseminando e institucionalizando a prática degenerada de corrupção, proselitismo e clientelismo”.

Mas há ainda outro ponto a discutir.

Segundo o Ministério Público, Lira enriqueceu quando era deputado estadual operando com outros parlamentares um esquema de “rachadinha” em que os salários de funcionários fantasmas na Assembleia Legislativa de Alagoas eram desviados.

Além de rachadinha, Lira e outros antigos deputados estaduais de Alagoas foram acusados de ter usado recursos da Assembleia Legislativa do Estado para pagar empréstimos particulares.

Com essas duas práticas, afirma o Ministério Público de Alagoas, Arthur Lira teve movimentação bancária de mais de R$ 9,5 milhões entre os anos de 2001 e 2007.

Por essas acusações, Lira e mais oito deputados ou ex-deputados estaduais foram condenados em 2016 na esfera civil por improbidade administrativa no Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), cabendo ainda recurso aos tribunais superiores. Apesar da condenação em segunda instância, que gera inelegibilidade segundo a Lei da Ficha Limpa, o atual presidente da Câmara conseguiu disputar a eleição de 2018 graças a uma liminar do TJ-AL.

O ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça, anulou condenação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por improbidade administrativa pela Justiça de Alagoas.

O ministro atendeu a um pedido da defesa do deputado. O ministro Martins considerou que houve irregularidades processuais e determinou que a ação volte à fase inicial em Alagoas.

Recentemente o atual presidente da Câmara dos Deputados foi “desdenunciado” em julgamento no STF.

Lembrando, a Procuradoria-Geral da República denunciou Lira em 2018, por corrupção passiva. Denúncia aceita pelo Supremo — por sua Primeira Turma — em 2019. Lira, então, tornado réu. A defesa recorreu.

Em 2020, o colegiado formou maioria contra— com votos de Marco Aurélio Mello, o relator, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Dias Toffoli pediu vista. Julgamento interrompido. Por três anos. Retomado — e finalizado — recentemente. O deputado alagoano ora presidente da Câmara.

Como dito, o Parquet recuou.

Bem disse Carlos Andreazza, em artigo, em 13.6.23, para o O Globo, “o ministro Moraes explicou — assim entendi — que o recuo da PGR só atrasaria o desfecho de um processo para cujas eventuais novas provas o órgão titular da ação penal já trancara as portas, independentemente do STF:

— A própria Procuradoria, com sua manifestação, já afirmou que permanecerá inerte em uma eventual produção probatória.”

Resultado: a denúncia acabou sendo rechaçada.

Os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) fizeram questão de traçar desde já um limite e avisaram que não pretendem ficar reféns das mudanças de posição da PGR.

A mensagem é que a Corte não se compromete a apoiar outras desistências do procurador-geral Augusto Aras em denúncias oferecidas por seus antecessores.

O porta-voz mais duro foi o ministro Alexandre de Moraes: “O Ministério Público é o titular da ação penal pública, não é o titular de todo o processo. E digo isso para se evitar confusão. De tempos para cá, nós estamos vendo vários arrependimentos de denúncias ofertas anteriormente.”

A posição da Procuradoria não vincula a decisão dos ministros. Se a desistência da acusação for considerada infundada, a ação penal pode seguir. O ministro Moraes destacou: “O arrependimento só é eficaz se houver fortes elementos, eu diria, para o verdadeiro trancamento da ação penal.”

O ministro Toffoli pediu a palavra e assinou embaixo. O ministro Barroso reiterou a posição dos colegas: “A hipótese aqui é excepcionalíssima, porque o Supremo tem a posição de que, como regra geral, o Ministério Público é o titular da ação penal, mas, uma vez proposta, ela se torna indisponível. Essa é a regra geral e nós aqui a reiteramos.”

Essa desistência do Parquet à ação penal ajuizada afronta, sem dúvida, os termos do artigo 42 do Código de Processo Penal.

Observo o artigo 42 do CPP:

Art. 42. O Ministério Público não poderá desistir da ação penal.

Como bem acentuou Guilherme de Souza Nucci (Código de Processo Penal Comentado, 10ª edição, pág. 168) consagra-se o princípio da indisponibilidade da ação penal corolário do princípio.

Esse dispositivo constante do artigo 42 do CPP é salutar e não supérfluo, porque torna nítido que o oferecimento da denúncia transfere, completamente, ao Poder Judiciário a decisão sobre a causa. Até que haja o início da ação penal poderá o promotor oferecer o arquivamento. Após, não, a teor do artigo 28 do CPP.

Oferecida a denúncia já não cabe mais a desistência.

Consagra-se o princípio da indisponibilidade da ação penal.

Trata-se de um princípio informador da ação penal pública.

Na lição de Paulo Rangel (Direito processual penal, vigésima edição, p. 238):

“A ação penal pública, uma vez proposta (obrigatoriedade) em face de todos os autores do fato ilícito (indivisibilidade), não permite ao Ministério Público desistir do processo que apura o caso penal, pois seu mister é perseguir em juízo aquilo que é devido à sociedade pelo infrator da norma, garantindo-lhe todos os direitos previsto na Constituição da República para, se for provada sua culpa, privar-lhe da sua liberdade; porém o direito de punir pertence ao Estado-juiz. Portanto, não pode dispor, o Ministério Público, daquilo que não lhe pertence. “

Disse ainda Fernando Tourinho:

“Costuma-se dizer, às vezes, que o Promotor “abandonou a acusação”. Tal afirmativa, no sentido de que o Promotor desistiu da ação penal, sabe a disparate. Significa, como bem lembra Donnedieu de Vabres, que o órgão do Ministério Público se pronunciou favoravelmente ao imputado, o que é diferente”.

Por outro lado, dispondo o Ministério Público dos elementos mínimos para a propositura da ação penal, deve promovê-la (sem se inspirar em critérios políticos ou de utilidade social).

Seria possível, após o encerramento da instrução, uma proposta de absolvição por parte do Parquet ao juízo criminal. Mas isso se diferencia totalmente de caso em exame onde foi pedido o arquivamento após o oferecimento da denúncia formulada pelo órgão da acusação.

Uma a uma, as acusações são derrubadas. Caem como “pedras de dominó”.

Torna-se hoje um dos homens mais poderosos do país, com maior influência, como alguém que quer gerir um verdadeiro “parlamentarismo orçamentário”, o que chamam de “orçamento municipalista”.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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