O princípio constitucional impositivo da dignidade da pessoa humana

Fome alastra o país (Foto: autor não identificado)

Por Rogério Tadeu Romano*

Conforme a Constituição, a “dignidade da pessoa humana” é fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1.º, III), e um dos objetivos dessa República é “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (artigo 3.º, III). Além disso, o artigo 6.º cita a “alimentação” como um dos direitos sociais.

Toda pessoa humana traz consigo a dignidade, independente de sua situação social, pelo simples fato de existir, como já se referia Kant que “o homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo”. E é justamente pelo fato do homem existir e coexistir em sociedade que a dignidade pode aumentar ou diminuir, devendo-se acrescer um limite social à garantia desta, isto é, haverá dignidade ilimitada desde que não se viole outra ou a de outrem. Aqui vale lembrar que nem a própria dignidade é permitida a violação, cabendo ao Estado o dever de preservar quaisquer situações que coloquem em risco a dignidade humana.

Continuando com o pensamento kantiniano

“Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chama coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo arbítrio.”

Assim se diz na Constituição:

“Art. 1º-A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(…) 

III – a dignidade da pessoa humana;”

Ademais, a C.R.F.B de 1988, em seu artigo 3º, inciso IV, estabelece, além de uma sociedade justa, a erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais, que é um dos objetivos fundamentais do Estado, qual seja, o de promover o bem estar de todos, sem preconceito ou discriminação.

Eis aí, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Trata-se de princípio impositivo norteador exposto pela Constituição-cidadã de 1988.

Ingo Wolfgang Sarlet(Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011), ressalta que:

“A Constituição de 1988 foi a primeira na história do constitucionalismo pátrio a prever um título próprio destinado aos princípios fundamentais, situado – em homenagem ao especial significado e função destes – na parte inaugural do texto, logo após o preâmbulo e antes dos direitos fundamentais. Mediante tal expediente, o Constituinte deixou transparecer de forma clara e inequívoca a sua intenção de outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional, inclusive dos direitos fundamentais, que também integram aquilo que se pode denominar de núcleo essencial da Constituição material. Igualmente sem precedentes em nossa evolução constitucional foi o reconhecimento, no âmbito do direito positivo, do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da CF), que não foi objeto de previsão no direito anterior. Mesmo fora do âmbito dos princípios fundamentais, o valor da dignidade da pessoa humana foi objeto de previsão por parte do Constituinte, seja quando estabeleceu que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos uma existência digna (art. 170, caput), seja quando, no âmbito da ordem social, fundou o planejamento familiar nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (art. 226, §6º), além de assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade (art. 277, caput). Assim, ao menos neste final de século, o princípio da dignidade da pessoa humana mereceu a devida atenção na esfera do nosso direito constitucional.”

O Estado tem a função essencial de proteger a dignidade da pessoa humana e, sucessivamente, de promovê-la. Assim, o indivíduo ao encontrar-se em situação nociva de sua dignidade, merecerá de proteção, ou seja, o Estado deverá atuar como promotor da dignidade humana.

Para Celso Ribeiro Bastos(Comentários à Constituição do Brasil, primeiro volume, 1988, pág. 425) o que a Constituição quis significar ao referir-se à dignidade da pessoa humana é que o Estado se erige sob a noção da dignidade da pessoa humana.

Disse ainda Celso Ribeiro Bastos que o que ele está a indicar é que é um dos fins do Estado propiciar as condições para que as pessoas se tornem dignas.

Assim disse ele:

“É de lembrar-se, contudo, que a dignidade da pessoa humana pode ser ofendida de muitas maneiras. Tanto a qualidade da vida desumana quanto a prática de medidas como a tortura, sob todas as suas modalidades, podem impedir que o ser humano cumpra na terra sua missão, conferindo-lhe um sentido”.

Bem disse Uadi Lammêgo Bulos(Constituição Federal Anotada, 6ª edição, pág. 83) que “a dignidade da pessoa humana é o valor constitucional supremo que agrega em torno de si a unanimidade dos demais direitos e garantias fundamentais do homem, expressos nesta Constituição. Daí envolver o direito à vida, os direitos pessoais tradicionais, mas também os direitos sociais, os direitos econômicos, os direitos educacionais, bem como as liberdades políticas em geral.”

Em sendo assim quando o texto constitucional proclama a dignidade da pessoa humana, está colaborando um imperativo de justiça social. É o valor constitucional supremo, como aduziu Antonio Enrique Pérez Luño(Derechos Humanos, Estado de derecho y constitución, 1988, pág. 288 a 289), aduzindo suas três dimensões: fundamentadora(núcleo basilar de todo o sistema jurídico-positivo); orientadora(estabelece metas ou finalidades predeterminadas) e crítica(em relação às condutas).

Por outro lado, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é garantir a erradicação da pobreza (artigo 3º, III, da Constituição).

Infelizmente, no Brasil, a pobreza, a indigência e a miséria são comuns. Metade da população brasileira, de cinco anos para cima, é historicamente analfabeta.

Esse o quadro triste com que se encontra o país.

Pois bem.

Como bem acentuou o Estadão, em editorial, em 9 de junho do corrente ano, o Brasil está abandonado.

Ali se disse que de acordo com os dados do 2.º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, divulgados em 8 de junho do corrente ano, são 33,1 milhões de brasileiros que dormem e acordam todos os dias sabendo que não terão o que comer. Além desse inacreditável contingente de nossos concidadãos vivendo em condições sub-humanas, equivalente às populações da Bélgica, de Portugal e da Suécia somadas, mais da metade da população brasileira (58,7%) está submetida a algum grau de insegurança alimentar (leve, moderada ou grave), como ainda acentuou o Estadão.

Deve haver uma conexão entre as classes dirigentes e a população de modo a cumprir e efetivar esse princípio constitucional basilar que é o combate à pobreza e à fome.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

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