Por Rogério Tadeu Romano*
Como ensinou Oscar Tenório (Direito internacional, privado, 1942, pág. 115) “pelo sistema do ius soli, a nacionalidade é estabelecida pelo lugar de nascimento, independentemente da nacionalidade dos pais.”
Esse sistema foi revigorado no continente americano sob outras formas e emprestando uma tendência liberal e democrática.
Ainda como lecionou Oscar Tenório (obra citada, pag. 116)), “a formação e o povoamento dos países americanos exigiram como necessidade de defesa político-nacional a adoção do ius soli. Disse ele: “Afluírem às nossas plagas caudalosas correntes imigratórias, de seculares sentimentos e tradições europeias, vigiadas pelos respectivos governos. Se as legislações americanas estipulassem o ius sanguinis, dentro de algumas gerações brotariam infinitas colônias estrangeiras, como ameaças à soberania.”
Assim, como, por exemplo, no Brasil, o “jus soli“, que assegura nacionalidade com base no local de nascimento e não na ascendência familiar, está na 14ª emenda à Constituição estadunidense.
Como dito, o jus soli foi forjado principalmente visando ao povoamento de países do Novo Mundo, como Brasil, Estados Unidos, Canadá, Argentina, Uruguai entre outros, que receberam o grande fluxo das grandes emigrações europeias dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX e primeira metade do XX.
Ainda hoje, a maioria dos países americanos adota o jus soli, embora tenha havido crescentes movimentos na direção de limitar certas ações nascidas da imigração ilegal, principalmente nos EUA e Canadá.
A nacionalidade é conceituada como o vínculo jurídico-político entre o Estado e um indivíduo, o qual torna este um membro integrante da comunidade que constitui o Estado.
A forma de aquisição originária, também conhecida como aquisição primária, é adquirida por meio de um fato natural, o nascimento. Ela resulta no chamado cidadão nato.
Dito isso, informou o portal de notícias da BBC News Brasil, em 21.1.25, que “o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que planeja acabar com a “cidadania por direito de nascença” — a cidadania americana automática concedida a qualquer pessoa nascida nos EUA.”.
Minutos após sua posse, ele assinou uma ordem executiva abordando a definição de cidadania por direito de nascença, embora os detalhes até agora não estejam claros.
A iniciativa do republicano foi oficializada como uma ordem executiva, assinada nas primeiras horas do governo. Ela se compromete a bloquear a política de cidadania por direito de nascença, que garante que bebês nascidos no país sejam cidadãos norte-americanos automaticamente.
Essa medida, como dito, é inconstitucional, por afrontar a 14ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos.
Dezenas de estados, cidades e organizações já entraram com ações judiciais contra a medida.
A matéria deve ser objeto de análise pela Suprema Corte norte- americana. que estabelece o princípio da “cidadania por direito de nascença”:
A 14ª Emenda foi adotada em 1868, após o fim da Guerra Civil. A 13ª Emenda aboliu a escravidão em 1865. Já a 14ª resolveu a questão da cidadania de ex-escravos libertos nascidos nos Estados Unidos.
Decisões anteriores da Suprema Corte, como Dred Scott vs Sandford em 1857, decidiram que os afro-americanos nunca poderiam ser cidadãos dos EUA. A 14ª Emenda anulou isso.
Acentuou, a propósito, o portal Wikipedia sobre o tema:
Wong Kim Ark, que nasceu em São Francisco em 1873, teve negada a reentrada nos Estados Unidos após uma viagem ao exterior, sob a Lei de Exclusão Chinesa, uma lei que proíbe praticamente toda a imigração chinesa e proíbe imigrantes chineses de se tornarem cidadãos norte-americanos naturalizados. Ele contestou a recusa do governo em reconhecer sua cidadania, e a Suprema Corte decidiu a seu favor, sustentando que a linguagem de cidadania na Décima Quarta Emenda abrangia as circunstâncias de seu nascimento e não poderia ser limitada em seu efeito por um ato do Congresso.
O caso destacou divergências sobre o significado preciso de uma frase na Cláusula de Cidadania — a saber, a disposição de que uma pessoa nascida nos Estados Unidos que esteja “sujeita à jurisdição dos mesmos” adquire cidadania automática. A maioria da Suprema Corte concluiu que essa frase se referia à obrigação de obedecer à lei dos EUA; com base nisso, eles interpretaram a linguagem da Décima Quarta Emenda de uma forma que concedeu cidadania dos EUA a crianças nascidas de estrangeiros (um conceito conhecido como jus soli), com apenas um conjunto limitado de exceções baseadas principalmente no direito comum inglês. Os dissidentes do tribunal argumentaram que estar sujeito à jurisdição dos Estados Unidos significava não estar sujeito a nenhuma potência estrangeira — isto é, não ser reivindicado como cidadão por outro país via jus sanguinis (herdar a cidadania de um dos pais) — uma interpretação que, na visão da minoria, teria excluído “os filhos de estrangeiros, por acaso nascidos deles enquanto passavam pelo país”.
Em uma decisão de 6–2, emitida em 28 de março de 1898, a Suprema Corte decidiu que Wong Kim Ark adquiriu a cidadania americana ao nascer e que “a cidadania americana que Wong Kim Ark adquiriu ao nascer nos Estados Unidos não foi perdida ou retirada por nada que tenha acontecido desde seu nascimento”. A decisão da Corte foi escrita pelo Juiz Horace Gray e foi acompanhada pelos Juízes David J. Brewer , Henry B. Brown , George Shiras Jr. , Edward Douglass White e Rufus W. Peckham (Wikipedia).
Sobre o tema, lembrou João Ozorio de Melo, em artigo, em 21.1.25, em artigo para o portal Consultor Jurídico, que “a Suprema Corte abriu três exceções à sua decisão de 1898, das quais apenas uma permanece em vigor: filhos de diplomatas estrangeiros não têm direito à cidadania americana por nascimento porque seus pais “não estão sujeitos à jurisdição dos Estados Unidos”. Eles têm imunidade diplomática às leis americanas.
Mas, ainda como lembrou João Ozorio de Melo, naquela manifestação:
“O decreto do presidente Trump, que proíbe órgãos do governo de “emitir documentos reconhecendo a cidadania dos Estados Unidos ou de aceitar documentos emitidos por órgãos estaduais ou municipais” de filhos de imigrantes “não sujeitos à jurisdição dos Estados Unidos”, aponta a direção da estratégia da equipe presidencial, na via judicial, em dois de seus parágrafos:
“A 14ª Emenda nunca foi interpretada para estender a cidadania universalmente a todos os nascidos nos Estados Unidos. A 14ª Emenda sempre excluiu da cidadania por direito de nascença pessoas que nasceram nos Estados Unidos, mas não são ‘sujeitas à jurisdição do mesmo’. Consistente com esse entendimento, o Congresso especificou ainda mais por meio de legislação que ‘uma pessoa nascida nos Estados Unidos e sujeita à jurisdição do mesmo’ é um nacional e cidadão dos Estados Unidos ao nascer, 8 U.S.C. 1401, geralmente refletindo o texto da 14ª Emenda”;
“Entre as categorias de indivíduos nascidos nos Estados Unidos e não sujeitos à jurisdição do mesmo, o privilégio da cidadania dos Estados Unidos não se estende automaticamente a pessoas nascidas nos Estados quando a mãe dessa pessoa estava ilegalmente presente nos Estados Unidos e o pai não era cidadão dos Estados Unidos ou residente permanente legal no momento do nascimento da referida pessoa, ou (2) quando a presença da mãe dessa pessoa nos Estados Unidos no momento do nascimento da referida pessoa era legal, mas temporária (como, mas não se limitando a, visitar os Estados Unidos sob os auspícios do Programa de Isenção de Visto ou visitar com um visto de estudante, trabalho ou turista) e o pai não era cidadão dos Estados Unidos ou residente permanente legal no momento do nascimento da referida pessoa”.
É interessante notar que, apesar da oposição à imigração fomentada por Trump e a direita, é graças a ela que os EUA estão numa situação demográfica e econômica muito mais confortável do que a de outros países ricos., como bem concluiu o portal de notícias da Folha, em 23.1.25, em editorial.
*É procurador da República com atuação no RN aposentado.
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