Por Jessé Rebouças*
A década de 80 dos anos 1900 representa, sem dúvida, uma “virada de chave” na história econômica e política brasileira. Em matéria de economia, de 1930 a 1980, o Brasil cresceu uma média de 6% ao ano, ou seja, foram cinquenta anos de crescimento exuberante, a partir do qual o Brasil deixou de ser um País rural – 70% da população morava no campo em 1940 – e se tornou uma das quinze maiores potenciais industriais do mundo – o PIB brasileiro expandiu em participação da indústria de 20% em 1947 para 36% nos anos 90 de 1900 . Porém, 80 representara o fim desse ciclo de crescimento iniciado na década de 30, período que ficou (acertadamente) conhecido como a “década perdida”.
No que tange à política, é de mister contextualizar.
O golpe militar de 1964, que ocorrera no final de março/início de abril, manteve na legalidade os partidos registrados. Porém, nas eleições diretas de 1965, o governo perdeu em cinco Estados, dentre os quais estavam a Guanabara e Minas Gerais, dois importantes colégios eleitorais. A retaliação da ditadura militar se deu através da edição do Ato Institucional n° 2 no dia 27 de outubro de 1965, que, dentre outras medidas, extinguiu todos os partidos políticos e proibiu a eleição direta para presidente, senador, governador e prefeito.
Com efeito, no final da década de 70 dos anos 1900, Geisel e Golbery forjaram a fórmula “abertura lenta, gradual e segura”, de modo que, no período logo subsequente, sob o tacão de João Figueiredo, o Brasil experimentaria a primeira eleição majoritária – a bem da verdade, existiu um arremedo de sufrágio a partir de 1972, porém, as manipulações no processo eleitoral tornariam a caracterização das eleições como abertas num equívoco conceitual elementar.
Sob muitos aspectos, as eleições gerais de 1982 representaram uma quebra de paradigma. No plano nacional, o direito ao sufrágio retomara fôlego e, pela primeira vez em quase duas décadas, os cidadãos(ãs) poderiam escolher os governantes do seu Estado de forma livre e direta, ademais da nova sistemática pluripartidária, encerrando o ciclo bipartidário que caracterizou a ditadura militar; no plano estadual, os sintomas dessa nova conjuntura estavam evidentes.
No Rio Grande do Norte, por duas décadas, Dinarte Mariz e Aluízio Alves, aliás dois dos maiores líderes populares da história do Estado, protagonizaram a cena política potiguar. Com a abertura, iniciam-se as movimentações das peças no tabuleiro estadual, Aluízio Alves logo se estabeleceu como candidato natural pelo PMDB; o PT lançou Rubens Lemos; o PTB Vicente Cabral de Brito e o PDS o mossoroense José Agripino Maia.
A candidatura de José Agripino Maia ao governo do estado em 1982 não se deu de modo natural, como a Aluízio Alves. O jovem engenheiro vinha da experiência política de ser prefeito de Natal nomeado pelo seu primo e então governador, o almino afonsense Lavoisier Maia Sobrinho – à época, os governadores, que eram nomeados pela ditadura militar, indicavam os prefeitos das respectivas capitais. Contudo, enfrentou oposição dentro do próprio partido, especialmente porque existia uma ala que não queria “o terceiro Maia” no governo – o pai de José Agripino (Tarcísio Maia) e primo (Lavoisier Maia) governaram o RN entre 1975 e 1983, quando este entregou o bastão ao Maia mossoroense –, algo que, pelas minhas pesquisas, nunca ocorrera.
O “Pacto de Solidão” nasce justamente disso, com o desiderato de obstar a candidatura de José Agripino. Esse acordo foi forjado entre os pedessistas Geraldo Melo (vice-governador), Wanderley Mariz, Martins Filho (Senador), Vingt Rosado (deputado federal) e o anfitrião Dinarte Mariz. Mas, Dinarte Mariz, em função do pragmatismo político e certamente orientado pela bílis que caracterizava a disputa com o seu figadal opositor, Aluízio Alves, optou por apoiar José Agripino Maia, cujo resultado foi o desfazimento do grupo.
Com isso, o deputado federal Vingt Rosado, mesmo optando por ficar entre os quadros pedessistas, resolveu não apoiar Agripino e defender o voto em branco, episódio que ficou conhecido como “voto camarão” – tecnicamente, era denominado pela legislação de voto vinculado –, episódio esse que será objeto de texto à parte. Já o homem do “vento forte no Rio Grande do Norte”, Geraldo Melo renunciou à vice-governadoria para apoiar Aluízio Alves.
A última vez que os potiguares votaram diretamente para governador foi na eleição de 1965, que elegeu o monsenhor Walfredo Gurgel com o apoio do então governador Aluízio Alves. Em 15 de novembro de 1982, o resultado das urnas impôs à então imaculada ficha curricular política do mito Aluízio Alves uma acachapante derrota para o “Terceiro Maia”, o jovem José Agripino, com quase 107 mil votos de maioria, diferença essa nunca vista até aquela data.
Dessarte, um mito da política potiguar teve de submeter-se à derrota imposta pelas urnas. É de ressaltar, ainda, que José Agripino Maia conseguiu feitos políticos que o colocam em lugar de destaque na história política do RN: i) desde a segunda república (1946), Agripino foi o primeiro político a ocupar, por duas vezes, a cadeira do governo, feito repetido, apenas, pela também mossoroense Wilma de Faria (fora Maia também), ou seja, de 1946 até a presente data, os únicos que repetiram a titularidade das rédeas do Estado foram dois potiguares genuínos da terra da resistência, simetria que pode ser quebrada pela reeleição da paraibana Fátima Bezerra nas eleições gerais desse ano (2022); ii) venceu quatro eleições majoritárias seguidas, feito não repetido por nenhum outro político do Estado.
As eleições gerais de 1982 têm, simbólica e concretamente, a tarefa de reformar o País através do voto direto e livre, ademais de colecionar as singularidades abordadas ao longo dessas linhas; as eleições gerais de 2022, sob circunstâncias diferentes, também se revelam com potenciais idiossincrasias, tanto no âmbito nacional – com a possibilidade de, pela primeira vez desde à redemocratização, o chefe do executivo federal não conseguir a renovação do seu mandato –, como no RN, que pode reeleger a paraibana Fátima Bezerra governadora, fato que repetido apenas por Garilbadi Alves Filho – o mais mineiro dos políticos potiguares – e Wilma de Faria no pós-constituição de 1988.
*É advogado.
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