Os crimes de importunação sexual e assédio sexual diante de um caso concreto

Pedro Guimarães foi alvo de denúncias de assédio sexual (Foto: Flickr)

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO

Observo o que disse o site de notícias Redação Pragmatismo, em 29 de junho de 2022:

“O presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) depois que diversas funcionárias do banco revelaram ter sido vítimas de assédio e abusos sexuais.

As vítimas contam que o presidente da Caixa pedia abraços em contextos constrangedores e deixava a mão escapar para passar por partes íntimas dos corpos delas.

“Foi em mais de uma ocasião. Ele tem por hábito chamar grupo de empregados para jantar com ele. Ele paga vinho para esses empregados. Não me senti confortável, mas, ao mesmo tempo, não me senti na condição de me negar a aceitar uma taça de vinho. E depois disso ele pediu que eu levasse até o quarto dele à noite um carregador de celular e ele estava com as vestes inadequadas, estava vestido de uma maneira muito informal de cueca samba canção. Quando cheguei pra entregar, ele deu um passo para trás me convidando para entrar no quarto. Eu me senti muito invadida, muito desrespeitada como mulher e como alguém que estava ali para fazer um trabalho. Já tinha falado que não era apropriado me chamar para ir ao quarto dele tão tarde e ainda me receber daquela forma. Me senti humilhada”, relatou uma das vítimas.”

Há indícios de crime de prática do crime capitulado no artigo 215 – A do CP, mas há também necessidade que se investigue, no que concerne a conduta do ex-presidente da CEF e outros membros da empresa pública, o crime previsto no artigo 216 – A do CP.

II– O CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL

Aplica-se a Lei 13.718/18, a importunação sexual:

Pela lei sancionada, caracteriza importunação sexual o ato libidinoso praticado contra alguém, e sem autorização, a fim de satisfazer desejo próprio ou de terceiro. A pena prevista é de 1 a 5 anos de prisão.

 É o que reza o artigo 215 – A, com a seguinte redação:

Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.”

As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.

A criação dessa norma penal se deveu aos constantes ataques sexuais ocorridos nos transportes coletivos, onde homens se masturbavam e ejaculavam após encostar ou esfregar seu órgão sexual em mulheres, conduta que, até então, poderia configurar mera contravenção penal prevista no artigo 61 do Decreto-lei nº 3.688/1941, punida com pena de multa.

A mudança estava prevista em substitutivo da Câmara dos Deputados (SCD 2/2018) a projeto de lei (PLS 618/2015) da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).

O projeto acabou com as contravenções, que puniam apenas com multas, em casos como esse.

Além de tipificar esses crimes, a nova lei também considera crime divulgar vídeos com cenas de estupro ou que façam apologia a ele – exceto se forem publicadas em veículos jornalísticos, acadêmicos, científicos ou culturais, com a preservação da identidade da vítima. A pena também é de um a cinco anos de prisão. Se o crime for cometido por um ex-namorado, ou alguém próximo da vítima, só para humilhá-la ou por vingança (porn revenge), a pena pode aumentar até dois terços.

Com a entrada da lei em vigor, podem ser enquadrados, por exemplo, homens que se masturbarem ou ejacularem em mulheres em locais públicos. Um caso que tomou proporção nacional recentemente se deu no transporte público em São Paulo.

Um exemplo de conduta reprovável, até pouco tempo amplamente denunciada pela mídia, que se enquadra adequadamente no crime de importunação sexual, é a chamada “encoxada”, recorrente em transporte públicos, onde aproveitadores se valem do grande número de passageiros e do pouco espaço para encostar propositalmente a genitália no corpo de suas vítimas.

Toques ou apalpações menos graves, por cima das vestes da pessoa agredida, ainda que revestidos de intenção libidinosa e executados mediante violência ou grave ameaça, configurariam um tipo penal mais severo que a contravenção penal de importunação, porém menos rigoroso que o crime de estupro.

Disse Rogério Sanches Cunha(Teses do STJ sobre os crimes contra a dignidade sexual – II – primeira parte, in MSJ – MEU SITE JURÍDICO) que

“O preceito secundário do art. 215-A contém subsidiariedade expressa: aplicam-se as penas da importunação sexual se a conduta não caracteriza crime mais grave. Por isso, a falta de anuência da vítima não pode consistir em nenhuma forma de constrangimento, que aqui deve ser compreendido no sentido próprio que lhe confere o tipo do estupro – obrigar alguém à prática de ato de libidinagem –, não no sentido usual, de mal-estar, de situação embaraçosa, ínsita ao próprio tipo do art. 215-A e um de seus fundamentos.”

Aury Lopes Jr., Alexandre Morais da Rosa, Marília Brambilla e Carla Gehlen(O que significa importunação sexual segundo a Lei 13.781/18, 28 de setembro de 2018 ) aduziram que “o protegido, conforme o capítulo que foi inserido, a liberdade sexual da vítima, ou seja, seu direito de escolher quando, como e com quem praticar atos de cunho sexual. É crime comum, ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoa, seja do mesmo sexo/gênero ou não. A vítima pode ser qualquer pessoa, ressalvada a condição de vulnerável, (que não impede sua subsunção do fato à norma, quando a vítima for vulnerável, desde que não haja contato físico). O elemento subjetivo sempre será o dolo direto e especial, tal seja vontade dirigida à satisfazer da própria lascívia ou de terceiros, não bastando o simples toque ou “esbarrão” no metrô, por exemplo. Deve ser ato doloso capaz de satisfazer a lascívia do agente e ofender a liberdade sexual da vítima ao mesmo tempo. O momento consumativo será com efetiva prática do ato libidinoso, admitindo tentativa, mas de difícil configuração (como tentar “passar a mão” nos seios de alguém no ônibus e ser impedido por populares).”

Segundo Thalita Andrade(Crime de importunação sexual, in Jus Brasil)

“em outras palavras seria o “beijo forçado”, o “passar de mãos lascivo nas nádegas” entre outros atos libidinosos, sem a necessidade de demonstrar se houve violência ou grave ameaça.”

Trata-se de crime instantâneo e comissivo que pode ser cometido por concurso de agentes (artigo 29 do Código Penal).

A importunação sexual é a prática de ato libidinoso na presença de alguém, sem que essa pessoa dê consentimento. Com a sanção, esses atos se tornam crimes sujeitos a punição de 1 a 5 anos de prisão como se disse.

Tal crime de importunação sexual não implica e exige uma violência física como a do estupro. Basta o constrangimento ilegal, crime subsidiário. É crime comissivo e formal.

Trata-se, nitidamente, de um crime subsidiário, um meio repressivo conhecido como suplementar, uma vez que somente subsiste quando o constrangimento ilegal não é meio ou elemento de outro crime. A sanção penal nele prevista é um meio repressivo suplementar, predisposto para o caso em que determinado fato, compreendido no conceito de constrangimento ilegal, não seja especialmente previsto como elemento integrante de outro crime, como roubo e extorsão, o estupro, o exercício arbitrário das próprias razões (RT 393/321, 546, 344, dentre outros).

Constranger significa coagir alguém a fazer algo contra a sua vontade, obrigar, ou seja, não há consentimento. É pressuposto deste crime que a vítima não tenha aderido por vontade própria à conduta do agente, contudo, não se exige que esta lute até suas últimas forças, pois correria risco de morte ou outras consequências graves, como lesões corporais graves. Diante disto, o grau de resistência da vítima deve ser analisado sob critérios sensatos, sem a exigência de atitude heroica.

Trata-se de um crime de ação livre, ou seja, todos os meios devem ser admitidos, por exemplo, gestos, palavras, escritos, entre outros.

Quando se fala em atos libidinosos, a consumação se dará com a prática do ato libidinoso em si.

Natalia Cola de Paula e Roberto Ribeiro de Almeida(Hermenêutica do artigo 215 – A, CP, e a sua aplicabilidade Comparada a do Artigo 217 – A, do CP):

“Mediante a elaboração do crime de importunação sexual, buscou o legislador preencher essa lacuna normativa com um crime intermediário, de médio potencial ofensivo, que pudesse punir com uma pena proporcionalmente justa práticas de atos libidinosos que eram realizados contra vítimas e sem suas anuências. Atos como passar as mãos nas nádegas, seios, genitália das vítimas, ou até ejacular (como o caso que chocou o país de um homem que ejaculou na vítima dentro de um ônibus em São Paulo). Condutas essas que não eram geralmente cometidas com constrangimento da vítima, mediante emprego de violência ou grave ameaça, motivo pelo qual não se subsumiam ao crime de estupro, nem havia um crime específico que enquadrasse tais espécies de importunações sexuais mediante atos libidinosos. Logo, casos de abusos como esses eram capitulados juridicamente na extinta contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (artigo 61 da Lei das Contravenções Penais – Decreto- Lei n° 3.688/1941), que sequer era crime, cuja pena cominada era multa isolada, por falta de previsão legal.”

Lecionou Victor Eduardo Rios Gonçalves( Direito Penal Parte Especial. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2019)

“O texto legal exige que o ato seja praticado contra alguém e não com alguém de modo que o contato físico não é imprescindível. É necessário, porém, que a conduta seja direcionada especificamente a uma ou a algumas pessoas. Configura o delito, por exemplo, aproximar-se de alguém e começar a se masturbar na sua frente. Note-se que, antes da aprovação do texto final da Lei n° 13.718/2018 pelo Senado, o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados considerava crime praticar o ato libidinoso “na presença de alguém”, o que poderia gerar problemas interpretativos com o crime de ato obsceno. Com a modificação feita pelo Senado, e que se transformou efetivamente em lei, se o agente se masturbar em local público, mas a uma certa distância, sem que o ato seja feito especificamente em direção a uma ou a algumas pessoas, restará configurado o crime de ato obsceno.”

II – O SURSIS PROCESSUA

Mas há um inconveniente: com a pena mínima de um ano de reclusão, poderá ser aplicado o sursis processual diante da redação do artigo 89 da Lei nº 9.099/95.

Assim se lê:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

  • 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I – reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II – proibição de frequentar determinados lugares;

III – proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV – comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades

  • 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
  • 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.
  • 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.
  • 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.
  • 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.
  • 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

III – O ARTIGO 61 DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS REVOGADO

Passa a ser crime tal conduta que antes era vista como contravenção:

Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor:

Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

Esse dispositivo está revogado pela nova Lei.

À luz da aplicação da lex mitior, os crimes cometidos antes da edição da nova lei aqui acentuada deverão ser tratados como contravenção.

IV – O ARTIGO 215 – A DO CP EM RELAÇÃO AO ARTIGO 216 – A DO MESMO DIPLOMA LEGAL

Necessário dimensionar os limites do artigo 215 – A com relação ao artigo 216 – A do CP.

O assédio sexual(artigo 216 – A do CP)_ é forma de agressão, constituindo ainda um atentado à dignidade da mulher, falseando a relação de trabalho, pois sobrepõe a sexualidade ao papel de trabalhadora. E, por isso, se considera o assédio uma forma de discriminação no trabalho.

O crime de assédio sexual é formal, pois consuma-se com a conduta de constranger, independente de se obter ou não os favores sexuais pretendidos, sendo admissível a tentativa.

Constranger é forçar, compelir, compelir, obrigar.

Trata-se de crime próprio; formal; comissivo, sendo que especialmente pode ter a modalidade omissiva imprópria, instantâneo, pois a sua consumação não se prolonga com o tempo.

Observo o que disse a equipe LFG:

“Já no crime de importunação sexual é de suma importância para que ele se tipifique (de forma consumada ou tentada) que o ato libidinoso seja praticado com o fim específico de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro, mas não há o emprego de violência ou da grave ameaça, como ocorre no estupro, por exemplo. Aqui se verifica mais um caso em que o dissenso ou consentimento (válido) da vítima é elemento essencial para a tipificação ou o afastamento da tipicidade da conduta. Se a vítima consente na prática do ato libidinoso não há crime.

Já o crime de assédio sexual definido no artigo 216-A do Código Penal, consiste no fato de o agente “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.

O crime do artigo 216 – A assim como do artigo 215 – A do CP envolve forma dolosa. Não há forma culposa.

O crime em apreço trata-se de crime próprio com relação ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo, visto que a lei exige uma relação hierárquica ou de ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, não podendo ser cometido por qualquer pessoa. O objeto jurídico protegido do crime de assédio sexual é a liberdade sexual, relacionada ao ambiente de trabalho, no sentido de a vítima não ser importunada por pessoas que se prevalecem da sua condição de superior hierárquico ou de ascendência com a finalidade de obterem favorecimento sexual.”

O assédio se caracteriza por ter conotação sexual, pela falta de receptividade, por uma ameaça concreta contra o empregado, e “que seja repetitiva em se tratando de assédio verbal e não necessariamente quando o assédio é físico – a chamada apalpadela no bumbum, entre pessoas que não dividem intimidade e com intenção sexual, é suficiente para configurar o assédio sexual, sem necessidade de repetição -, de sorte a causar um ambiente desagradável no trabalho, colocando em risco o próprio emprego, além de atentar contra a integridade e dignidade da pessoa, possibilitando pedido de indenização por danos físicos e morais”. (Paulo Viana de Albuquerque Jucá, O Assédio sexual como justa causa típica in LTR 61-02-175).

Disse Guilherme de Souza Nucci(Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 875) que superior hierárquico “trata-se de expressão utilizada para designar o funcionário possuidor de mais autoridade na estrutura administrativa pública, civil, ou militar, que possui poder de mando sobre outros”. Repita-se o crime do artigo 216 – A é próprio. Por sua vez, ascendência, significa superioridade ou preponderância.

Como disse ainda Nucci(obra citada) “embora não se exija, no tipo penal, que exista uma ameaça grave, é preciso considerar que a obtenção de favor sexual do subordinado não deve prescindir de uma ameaça desse tipo de comprometer a tranquilidade da vítima, podendo ser de qualquer espécie – desemprego ou preterição na promoção.”

O crime do artigo 216 – A do CP envolve infundir temor ao empregado, pouco interessando se há justiça ou injusta na ameaça velada.

Disse bem sobre o tema, Luiza Nagib Eluf(O assédio sexual e a sua aplicabilidade, in Consultor Jurídico , em 29 de setembro de 2021):

“Embora a intenção dos(as) legisladores(as) tenha sido a melhor, tanto no caso do assédio sexual quanto no caso da contravenção transformada em crime de importunação as imprecisões acabaram por prejudicar a aplicabilidade das mencionadas figuras penais, acima de tudo a do artigo 216-A do CP.

No caso do assédio sexual, a cominação penal se confunde, em certa medida, com a importunação sexual. Ainda assim, há outros artigos previstos entre os crimes contra a dignidade sexual que acabam se adequando melhor à realidade do dia a dia do que o artigo 215-A do Código Penal, que começa dizendo “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual…”. É de se perguntar: constranger como? Quem “constrange” o faz para obter o quê? Constranger com o “intuito” de obter vantagem sexual seria o quê? Na Justiça do Trabalho essa figura penal acaba sendo mais utilizada do que na área criminal, mas a ideia inicial nunca foi essa. É certo que o intuito dos(as) legisladores(as) de 2001 foi criar um delito que impedisse os abusos ocorridos nos locais de trabalho, aproveitando-se o patrão de sua ascendência sobre as funcionárias. Porém, o mencionado crime, em sua redação, não exige que a conduta seja praticada no local de trabalho, diz apenas “prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Essa redação da lei acaba dificultando a aplicação da mencionada figura penal. Dentista tem ascendência sobre a paciente? Médico tem ascendência sobre clientes, ou esposas e filhas de clientes? Professor tem ascendência sobre a aluna? Podemos entender que sim, claro, mas a jurisprudência é titubeante. Há caso de absolvição sumária pelo Tribunal de Justiça de São Paulo porque a acusação não logrou comprovar a superioridade hierárquica como sendo eventual “ascendência”. O histórico do caso dizia “que o funcionário teria esfregado seus genitais contra as nádegas da estagiária formalmente subordinada a outro departamento”. Assim, não se logrou comprovar a “superioridade hierárquica” como “eventual ascendência” (TJ-SP. APR: 00115483201668260566. 9ª Câmara de Direito Criminal. Publicado em :02/12/2019). Ou seja, será preciso reescrever o crime de assédio sexual para que o dispositivo penal passe a proteger efetivamente as vítimas.”

Quanto ao modo, a professora e magistrada Alice Monteiro de Barros informa que são poucos os países que possuem um conceito jurídico de assédio sexual, sendo que esses conceitos destacam dois tipos de assédio sexual: assédio sexual por intimidação e o assédio sexual por chantagem.

O assédio sexual por intimidação, segundo a ilustre autora, mais genérico, caracteriza-se por incitações sexuais inoportunas, de uma solicitação sexual ou de outras manifestações da mesma índole, verbais ou físicas, com o efeito de prejudicar a atuação laboral de uma pessoa ou de criar uma situação ofensiva, hostil, de intimidação ou abuso no trabalho, como revelou Elizeu da Silva(O assédio sexual como justa causa típica).

O assédio sexual por chantagem” traduz exigência formulada por superior hierárquico a um subordinado, para que se preste à atividade sexual, sob pena de perder o emprego ou benefícios da relação de emprego “.

Ainda Elizeu da Silva(obra citada) nos lembra Pinho Pedreira que “traz as espécies de assédio indicadas em doutrina alienígena: O assédio da contrapartida, como sendo a imposição de exigências sexuais em troca da manutenção das vantagens ligadas ao emprego e o assédio sexual clima de trabalho ou ambiental, exemplificando com os seguintes fatos que geralmente ocorrem em um ambiente de trabalho: abuso verbal ou comentários sexistas sobre a aparência física do empregado; frases ofensivas ou de duplo sentido e alusões grosseiras, humilhantes ou embaraçosas; perguntas indiscretas sobre a vida privada do trabalhador; separá-los dos âmbitos próprios de trabalho para maior intimidade das conversas; condutas sexistas generalizadas, destacando persistentemente a sexualidade em todos os contextos; insinuações sexuais inconvenientes e ofensivas; solicitações de relações íntimas, mesmo sem exigência de coito, ou outro tipo de conduta de natureza sexual, mediante promessas de benefícios ou recompensas, exibição de material pornográfico, como revistas, fotografias ou outros objetos, assim como colocar nas paredes do local de trabalho imagens de tal natureza; apalpadelas, fricções ou beliscões deliberados e ofensivos: qualquer exercício de violência física ou verbal.”

Enfim, o assédio se caracteriza por ter conotação sexual, pela falta de receptividade, por uma ameaça concreta contra o empregado, e “que seja repetitiva em se tratando de assédio verbal e não necessariamente quando o assédio é físico – a chamada apalpadela no bumbum, entre pessoas que não dividem intimidade e com intenção sexual, é suficiente para configurar o assédio sexual, sem necessidade de repetição -, de sorte a causar um ambiente desagradável no trabalho, colocando em risco o próprio emprego, além de atentar contra a integridade e dignidade da pessoa, possibilitando pedido de indenização por danos físicos e morais”. (Paulo Viana de Albuquerque Jucá, O Assédio sexual como justa causa típica in LTR 61-02-175).

Como lembrou Ernesto Lippmann(Advogado discute valor de indenização por assédio sexual após nova lei, in Consultor Jurídico, em 20 de maio de 2001), “a simples intenção sexual, o intuito de sedução do companheiro de trabalho, superior, ou inferior hierárquico, não constitui assédio. É o caso de um inofensivo galanteio, de um elogio, ou mesmo namoro entre colegas de serviço, desde que não haja utilização do posto ocupado, como instrumento de facilitação”. (Andrade, Dárcio Guimarães de – Assédio sexual no trabalho: RJTE 172/35.)

Em excelente comentário sobre assunto ainda disse Ernesto Lippmann(obra citada):

“Geralmente o assédio ocorre a portas fechadas. Porém, para que o assediante seja punido, e o assediado indenizado, as provocações devem ser claramente demonstradas. Assim, não basta a mera alegação do assediado. A alegação deve ser confirmada pelos meios de prova habitualmente aceitos em Juízo. Seguramente, os melhores meios são a gravação de conversas, ainda que por meio de gravador oculto, nos quais se comprove a prática de reiterados e ofensivos convites à dignidade do trabalhador. Cartas, bilhetes e e-mails, também são aceitáveis.”

A pena do crime de assédio sexual é de detenção de 1(um) a 2 (dois) anos.

Permite-se para o crime de assédio sexual a transação penal e o sursis processual, pois se trata de crime de menor potencial ofensivo.

Esses crimes, inclusive, para o caso já noticiado, podem ocorrer em concurso material(artigo 69 do CP), o que determina a soma de penas aplicadas, o que inviabiliza o sursis processual e ainda uma transação penal.

Para esses crimes questionados é possível aplicar o artigo 29 do Código Penal(CP) no que diz respeito a concurso de agentes, ou seja: autor, coautores, partícipes como cúmplices ou instigadores.

V- A PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA DE GRAVE AMEAÇA: O ENTENDIMENTO DO STJ

 Tem prevalecido no Superior Tribunal de Justiça a impossibilidade de desclassificação da figura do estupro de vulnerável para o art. 215-A do Código Penal, uma vez que referido tipo penal é praticado sem violência ou grave ameaça, e o tipo penal imputado ao agravante (art. 217-A do Código Penal) inclui a presunção absoluta de violência ou grave ameaça, por se tratar de menor de 14 anos.

Precedentes da Quinta e da Sexta Turmas do STJ: AgRg no HC 491.481/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 04/06/2019, DJe 11/06/2019; AgRg no AREsp 1.168.566/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 23/04/2019, DJe 03/05/201; AgRg no REsp 1.761.248/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 23/04/2019, DJe 03/05/2019 e AgRg no AREsp 1.361.865/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 07/02/2019, DJe 01/03/2019. Ressalva, no ponto, do entendimento do Relator em sentido diverso. Questão pendente de decisão na Primeira Turma do colendo STF (HC 134.591/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Sessão de 18/12/2018, voto-vista pendente do Min. Luiz Fux – Informativo 928).

Disse Rogério Sanches Cunha(Teses do STJ sobre os crimes contra a dignidade sexual – II – primeira parte, in MSJ – MEU SITE JURÍDICO) que

Vi – A AÇÃO PENAL

No tocante à titularidade da ação penal, destaca-se que todos os crimes sexuais do Capítulo I e II agora são de ação penal pública incondicionada, inutilizando a Súmula 608 do STF.

VI – A COMPETÊNCIA PARA INSTRUIR E JULGAR ESSES CRIMES

A competência para processar e julgar será da Vara Criminal comum, ressalvados os casos de violência doméstica e familiar contra mulher, prevista na Lei da Violência Doméstica, que veda, inclusive, a aplicação da Lei 9.099/95 (posicionamento sumulado).

No caso especifico narrado, a competência é da Justiça Federal de primeira instância, à luz do que determina o artigo 109, IV, da Constituição Federal:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral

Há para o caso o interesse de empresa pública federal, Caixa Econômica Federal, na investigação, instrução e julgamento do crime trazido no caso concreto.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto