Para o capital lucrar com o mercado bélico e de drogas, são os negros que são massacrados

Por Benny Briolly

As desigualdades no Brasil, que tem a questão étnico-racial, como uma das principais características, são frutos de um longo período escravista, do processo de implementação do modo de produção capitalista e do processo de abolição, marcado pela modernização combinada com as características escravistas. O Brasil, ao longo dos anos, ao desenvolver-se enquanto país capitalista dependente articula políticas econômicas e assistenciais do neoliberalismo, formando um Estado de políticas criminais, configurando o Estado penal, e aderindo a barbárie. A miséria então tem sido gerida à condicionalidade do sistema penal e a juventude negra e pobre, tem sido o alvo desta governabilidade produtora de medos, vingança social e extermínio de uma população específica concomitantemente à políticas focalizadas de combate a pobreza extrema.

Com o acirramento das políticas neoliberais e do reordenamento do Estado como alternativas de enfrentamento à crise, houve significativa precarização das políticas sociais, sobretudo da política de Assistência Social e aumento das expressões da questão social. Como forma de enfrentamento a estas expressões, o Estado brasileiro implementa políticas focalizadas de transferência de renda e combate à miséria, porém essas políticas são insuficientes para acalmar as tensões entre as classes. Ao mesmo tempo em que se intensifica a luta de classes, o Estado exaspera também seu aspecto punitivo e repressivo, articulando as políticas focalizadas de combate a pobreza extrema com as políticas oficiais e oficiosas de criminalização da classe trabalhadora e “guerra aos pobres”, que tem na juventude trabalhadora e negra o seu foco.

A lógica de criminalização da juventude negra, trabalhadora e moradora de favela, origina-se do legado imperial-escravista, que historicamente funcionou para encobrir a intensa conflitividade social e os diferentes projetos de cidade. No “liberalismo à brasileira”, a lógica dos direitos não poderia ir de encontro à lógica da propriedade, mantendo a escravidão, sem se referir a ela.

Desta forma, o negro no Brasil, desde o período escravocrata, fora “construído como mercadoria produzida pela lógica de acumulação de valor, considerado um objeto, produto de uma elaboração social, e como tal, carregado de valor de uso e valor de troca que, quando se torna “supérfluo”, um problema, deve ser descartado.

Deste entendimento, emerge como estratégia neoliberal “a nova gestão da miséria” que nos leva a compreender a articulação das políticas econômicas e assistenciais, para a crítica ao Estado de políticas criminais, que configuram um Estado penal, que adere subjetivamente a barbárie. A gestão da miséria então está condicionada ao sistema penal e a juventude tem sido o principal alvo desta governamentalização, que produz racionalidades, projetos e programas que irão gerir estas contradições do sistema capitalista, em um viés que articula e associa a vitimização simbioticamente com a criminalização, neutralizando as políticas, pois, prevenção e repressão se tornam a mesma coisa.

O Estado penal é então um eficaz propulsor cultural e que no Brasil contemporâneo, a questão criminal tem especialidades. A concepção de território traz em si a ideia de que o espaço geográfico é um sistema que indissocia objetos e ações assim, o território necessita ser considerado como categoria e analisado socialmente. Milton Santos define o território politicamente, onde as relações são contraditórias e dialéticas, o que significa a “geografia das desigualdades”.

Nesta lógica, é necessário perceber algumas questões como maiores ou menores concentrações de serviços e informações, maiores ou menores densidades de leis, normas, regras reguladoras da vida coletiva a serviço das forças hegemônicas e do Estado que definem e demarcam as realidades espaciais e intensificam as desigualdades. Com isso, o Estado policialesco configura o seu papel de controle truculento das áreas pobres da cidade, pois, não há política de segurança pública articuladas, capazes de gerar serviços que rompam com a “geografia das desigualdades”.

Atribuído a estas questões, a lógica do extermínio de uma população específica no Brasil, apreende o fato da desumanização da vítima, que se promove em um discurso, que entende que a única maneira de se combater as “classes perigosas” é exterminando-a. Esta desumanização é fruto de uma produção social ideológica, que dissemina a ideia do perigo. Esta lógica não é simplória e uniforme, ela deve ser analisada a partir de múltiplas determinações e situações específicas, em que se avalia o extermínio em seus custos e benefícios.

Enquanto em outros países, se discutem a questão da “legalização” das drogas, no Brasil, as medidas para repressão ao tráfico e criminalização do uso, se tornam cada vez mais austeras. A Lei 11.343/06 no Artigo 33 dispõe sobre as penas a serem aplicadas, que vão de 5 a 15 anos de reclusão, pautadas no discurso de que a penalização elevada reduza a incidência do envolvimento no tráfico. Entretanto, em 2013, um levantamento feito pela Organização das Nações Unidas, mostrou que na América do Sul, o mercado de cocaína vem se expandindo, e o Brasil está como um dos principais países entre eles. O Estado então, com sua lógica punitiva e de políticas sociais focalizadas, respaldado legalmente, atua de forma a criminalizar a pobreza. Assim, a seletividade do sistema penal brasileiro, historicamente desenvolvida no país e o uso da força letal da polícia, demarcam que a popularmente chamada “guerra às drogas”, tem alvo certo, definido por cor/raça, faixa etária e classe social.

A “guerra às drogas” é contra o povo negro. As armas e as drogas entram nas favelas com o alvará do Estado. O Brasil foi fundado do genocídio. A “ideia das classes perigosas”, como foi formada no Brasil, fundamentam o genocídio do povo negro. Para o capital lucrar com o mercado bélico e de drogas, são os negros que são massacrados, pois, a partir desta construção da subjetividade, pautada no racismo, os negros tornam-se os dispensáveis, que podem ser executados em massa, os desprezíveis.

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto