Peru: Lições de uma vitória inesperada

Bem menos popular que a adversária nas redes sociais, Castillo foi vitorioso nas urnas (Foto: Dante Zegarra/ANDINA)

Por Thiago Medeiros*

A eleição Peruana, com seu segundo turno sendo realizado no último domingo (06.06) determinou a eleição de Pedro Castillo (50,19%), candidato da esquerda, desconhecido, sem grande expressão, contra a já conhecida Keiko Fujimori (49,80%), filha do ex-presidente Alberto Fujimori, representando a direita. A vitória foi apertada, com uma pequena margem de vantagem. Com 100% dos votos apurados, a diferença de foi de apenas 68.473 votos. Essa divisão nacional, provoca um dos maiores desafios para Castillo, talvez maior que vencer a eleição: governar. Inclusive a candidata derrota já contesta o resultado das eleições e pede recontagem dos votos alegando fraude.

O Peru, vive uma condição singular. Após a Lava-Jato, operação que nós brasileiros conhecemos bem chegar por lá, o país vive um caos político e econômico. Essa crise política levou ao nascimento, em 2020, da chamada “Geração Bicentenária”, que saiu às ruas em defesa da democracia. Esta geração por meio de grandes protestos reivindicou melhores condições e redução das desigualdades no país Andino. A “Geração Bicentenário” também respondeu à decisão do Congresso de retirar Martín Vizcarra (vice e posterior sucessor de Pedro Pablo Kuczynski) do poder. Como bem frisa Castells, estes movimentos modernos se caracterizam por grande mobilização nas redes sociais, principalmente pelos jovens. A hashtag #MerinoRenuncia inundou as redes sociais, como o Facebook, Instagram e TikTok e Twitter.  Essa mobilização feroz nas redes sociais foi essencial para queda do governo interino de Manuel Merino. Para o movimento, Merino não os representa, não era o “seu presidente”.

Nosso objetivo aqui neste artigo não é se debruçar sobre os aspectos políticos da campanha, apenas desejamos neste início situar nosso leitor das condições contextuais para discutir o foco principal: engajamento nas redes sociais.

Pedro Castillo, professor sindicalista com insignificante apoio político, chegou às eleições com uma característica clara para seus adversários, ou ao menos assim imaginavam eles, a ausência do candidato nas redes sociais. Muitos pensaram que pela sua inexpressividade e por ser desconhecido não avançaria muito em engajar eleitores pelas redes sociais. Quando entrou na votação, ele tinha apenas 3.000 seguidores no Twitter e atualmente tem 79.000 contra mais de um milhão de Keiko Fujimori. No Instagram após sua vitória Pedro conta com 18.400 seguidores enquanto Keiko tem 254.000.

Para alguns analistas, Castillo poderia ter sido chamado no início da campanha do “candidato sem likes”, essa expressão pode representar muitos candidatos que em pleno século XXI, se perguntam como sobreviver ou melhor vencer, nesse mundo onde se fala muito ser essencial uma estratégia de comunicação política integrada nas várias plataformas? Mas será mesmo que o candidato da esquerda estava “sem likes”, ou essa era simplesmente uma visão míope dos analistas e seus adversários? Qual a estrutura de sua rede? Essas são perguntas que tentaremos aqui responder neste artigo.

Para que possamos caminhar em nossa análise, vale fazer uma explicação com relação aos perfis associados aos dois candidatos do segundo turno da eleição. A força de Pedro Castillo vem mais do sul do país, uma região mais rural e com forte presença da mineração, que teoricamente tenderia a ter menor “conectividade” que a base eleitoral de Fujimori que concentra sua força na região urbana e desenvolvida de Lima. Segundo estudo do IPSOS de 2020, a região metropolitana de Lima, entre a população de 6 anos ou mais de idade, mais de 80% estão conectados à internet de suas residências, enquanto no restante do país esse percentual de conexão mal ultrapassa os 40%. Dos que acessam, sabe-se que 90% o fazem pelo celular. Nessa massa, a penetração é liderada pelo Facebook com 94%, seguido pelo WhatsApp com 86%, Instagram com 60%, Twitter com 29% e TikTok com 18%. A diferença digital entre o Peru rural mais empobrecido e a região mais urbana e rica, realmente prevalece, ela é real mas tenderia a ser superada por uma mobilização que ficaria até o exponencial crescimento do professor esquecida pelos radares dos analistas e políticos.

Para Jimena Ledgard, alguns comentaristas na tentativa de explicar o fenômeno de Castillo chegaram a declarar que “o Peru sem internet falou”, essa seria uma explicação mais conveniente para a vitória inesperada. Mas uma conversa com os apoiadores da classe trabalhadora e rural de Castillo revela uma história mais complexa. Não é tanto que estejam desconectados, mas que se movem em uma câmara de eco virtual diferente.

Para se ter uma ideia a falta de canais oficiais do Peru Libre nas redes sociais gerou confusão na mídia. Os representantes da campanha só confirmaram após as eleições qual das contas do Twitter em nome de Castillo era a autêntica. Antes disso, a mídia às vezes citava relatos não oficiais como representativos da linha do partido. O próprio partido, reconhece inclusive que eles não têm uma estratégia específica de comunicação digital.

No entrando segundo Jimane, o Google Trends já dava sinal que a campanha de Castillo tenderia a crescer.  Antes mesmo de as pesquisas registrarem um interesse maior pela candidatura de Castillo, ele já estava sendo pesquisado no Google mais do que Mendoza. Este já seria um sinal que havia por parte da população no mínimo um grande interesse por esta candidatura, os movimentos de base, ou seja, da própria população buscando uma identificação com uma candidatura mostra o que a “bolha” de observação não conseguia ver.

O Cientista Político argentino Mario Riorda, tem falado sobre o caráter da sufocante personalização da política, com forte apelo para os atores enquanto mobilizadores de seu eleitorado tirando peso das propostas eleitorais. No caso de Pedro, o fenômeno acontece, porém ele não se reflete diretamente nas contas pessoais do candidato.

A mobilização do imaginário político pelo candidato da esquerda fez movimentar a população a agira em favor dele. Centenas de grupos são criados de maneira orgânica. Legard aponta para a importância dos grupos pró-Castillo no Facebook. Devido à sua dinâmica, os grupos do Facebook podem ser públicos ou privados.  Utiliza-se também o WhatsApp uma plataforma que pode ser explorada tantos os grupos como a conversa individual, dotada de credibilidade pela proximidade entre as relações sociais.

De acordo com Ledgard, os grupos do Facebook por região também são muito ativos. Por exemplo, Pedro Castillo Presidente- Região de Cusco (39.400 membros) dentre vários outros. “Nossa abordagem é descentralizar a política. É por isso que deixamos as regiões falarem por si. Isso inclui estratégias de comunicação. Damos algumas orientações aos adeptos de cada local, mas deixamos que façam os seus próprios spots”, explicou o cientista político Franco Pomalaya Neyra a Legard. Pomalaya Neyra faz parte da equipe de networking do Peru Libre (coligação de Pedro Castillo) e é responsável pelas transmissões ao vivo.

Por exemplo nos grupos do Facebook, os apoiadores do Castillo participam de discussões políticas, compartilham vídeos, artigos, memes e também se comunicaram intimamente por meio do WhatsApp. Dessa forma, os grupos do Facebook tornam-se a ponta do iceberg de uma rede muito mais próxima e indetectável. A importância dos grupos de WhatsApp (cujo limite inalterável é de 256 membros), já foi vista na campanha de Jair Bolsonaro, com a sutil diferença que nenhuma empresa ou qualquer mecanismo malicioso de envio artificial de mensagens operou aqui.

Outro fator importante, é que a campanha de Castillos apesar de sua característica inicial, sendo mais rural, ela consegue engajar determinados grupos que são bastante conectados e articulados nas redes sociais, estamos falando dos jovens. Castillo aproveita então uma predisposição existente de uma formação de “redes” das relações sociais que tinham uma forte rejeição a Keiko Fujimori.

Essa é uma grande estratégia que trabalha as bases de um eleitorado, e tira um peso colocado no personalismo da comunicação política. A grande motivação para que a população contribuía nas redes sociais vêm das mobilizações do imaginário político, compreendidos pelos símbolos, pelo discurso mobilizado, pela representação do candidato frente as bandeiras de campanha. Sem comparações ideológicas, a campanha nas redes socais, marcada pela mobilização social nas redes sociais faz Pedro Castillo e Bolsonaro se aproximarem. Essa pode ser a saída de construção para os políticos que não têm uma vasta rede social, se você não tem a terceirização provocada pela mobilização é o melhor caminho.

*É Publicitário e Sociólogo.

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