Professor José Dias analisa consequências de decretos e fala sobre ‘efeito ricochete’ no RN

Decretos são comparados a ‘marteladas’ em artigo que explica efeito registrado no RN e no Ceará. Fonte do gráfico: Professor do Departamento de Física da UFRN, José Dias do Nascimento

Por meio de um artigo em que faz a análise da ação coletiva nos períodos pré e pós-decreto nos Estados do Rio Grande do Norte e Ceará, o professor do Departamento de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), José Dias do Nascimento, explica que se registra no estado potiguar o chamado ‘efeito ricochete’, que é de curta frequência e válido para, praticamente todos os estados do Nordeste.

“Neste momento, a abordagem da maioria dos estados produz uma gangorra, que tem sido chamada de ‘o martelo e a dança’ (Tomas Pueyo — Medium), onde ‘o martelo’ interrompe tudo por meio de bloqueios apresentados por decretos e ‘a dança’ aceita um número relativamente grande de mortes, enquanto mantém a economia funcionando e a R(T) variando de forma sinuosa. A ideia de alguns é de continuar alternando o martelo e a dança, até que uma vacina seja desenvolvida, é humanamente inaceitável”, diz trecho do artigo, que conta com o envolvimento de vários pesquisadores.

Ao ser contatado pelo blog, o professor José Dias afirmou que o artigo já estava sendo escrito e faz parte de uma análise que mostra que a situação da pandemia não pode ser verificada por apenas por indicador.

Sobre a atual situação do Rio Grande do Norte, o professor comenta que está havendo uma discussão muito grande exatamente pela reabertura das atividades econômicas declarada pela Governadora. De acordo com José Dias do Nascimento, no dia que foi iniciada a reabertura não havia taxa de transmissibilidade – R(t) – baixa estável, não tinha essa variação.

Segundo ele, a taxa baixou devido às marteladas dos decretos, que atuam nesse sentido. Porém, não há estabilidade dessa taxa e quando se para de ‘martelar’ ela volta a subir.

O fenômeno é chamado de ‘efeito ricochete’, com oscilações entre subir e baixar. Mas o pesquisador comenta que essas baixas não são melhoras constantes, elas são locais e, como ressalta, não estáveis.

Ele explica que a curva sobe e baixa porque os períodos de validade dos decretos são curtos. “Nós estamos nessa fase de oscilação dos números. Não tem essa estabilidade”, afirma.

Em seu artigo, o pesquisador também menciona essa relação. “Desta forma, quanto mais curto o tempo entre os decretos, menor sua eficácia. Em resumo, várias marteladas leves, não substitui uma martelada forte e são as atuações via decreto que causa a sinuosidade da curva de contágio numa espécie de dança em torno do R(T) médio, como mostrados nas Figuras abaixo para todo o estado do Rio Grande do Norte e do Ceará, assim como, para as cidades de Natal, Mossoró e Fortaleza”, diz o artigo.

“Eu defendi exatamente que esses decretos fossem mais longos”, acrescenta José Dias do Nascimento. Segundo ele, decretos com validade de uma semana a dez dias não são bons. O mínimo de validade deveria ser 15 dias, mas o ideal mesmo é que fossem de 21 dias de medidas restritivas.

Com relação a essas medidas, o pesquisador prefere não falar em ‘lockdown’ (termo em inglês para se referir às medidas mais rígidas de restrição) e explica que essa medida mais rigorosa, como aconteceu na China e em outros países ocorre com a polícia nas ruas e a proibição das pessoas saírem de casa, além do mais, trata-se de uma medida federal. No Brasil isso não ocorreu e não tem como ocorrer porque não houve posicionamento em nível federal.

Ele comenta que os decretos estaduais deram resultados, mas a consistência deve ser vista com precaução. “Nós temos aí esse ricochete”, diz o pesquisador.

De acordo com o professor, mesmo que esses números da taxa de transmissibilidade possam ser imprecisos, o indicador primário e mais importante é a ocupação de leitos. Essa taxa deve permanecer abaixo dos 80% durante o período de uma semana a dez dias.

Com relação às projeções para o Estado, ele menciona que agora é preciso observar a taxa de ocupação de leitos. “É a única que a gente pode se apoiar, juntamente com testagem”, diz, lembrando que não há uma testagem massiva.

Com relação à abertura de leitos, José Dias do Nascimento menciona que a iniciativa é extremamente importante e louvável e que sempre parabeniza a parte da secretária de Saúde Pública do Estado envolvida com essa abertura, mas acrescenta que como ação isso não resolve a situação. Apesar dessa medida ser importante e necessária, o pesquisador explica a maior parte da população potiguar, que em sua totalidade corresponde a cerca de 3,5 milhões de pessoas, não foi contaminada e comenta que se a maioria ficar doente não haverá leitos suficientes.

No que se refere à retomada gradual das atividades econômicas, durante a entrevista, o pesquisador afirmou que a abertura das atividades não foi baseada na ciência. “A ciência não pode ser usada de qualquer forma”, disse José Dias do Nascimento.

Após a decisão do Governo do Estado de dar início à abertura gradual das atividades econômicas, o professor José Dias do Nascimento, que desenvolvia as projeções com base em modelos matemáticos sobre o Estado, deixou o Comitê Científico estadual.

Divergências entre decretos de diferentes entes também causa prejuízos

A falta de sintonia entre os decretos publicados em nível de Estado e municípios também é outro ponto a ser considerado. José Dias do Nascimento conta que em outro artigo chamou a atenção para essa questão. Para ele, falta maturidade entre a Prefeitura de Natal em dialogar com o Governo, assim como em Mossoró.

Ele menciona que a maioria dos municípios aderiu ao Pacto pela Vida, mas Natal não o fez. “Isso é muito prejudicial e, obviamente, contribui para a situação em que estão”, comenta.

“Essa falta de maturidade mostra um pouco que muitos estão preocupados somente, no caso de Natal, com sua agenda política”, acrescenta.

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto