Por Juan Arias
El País
A questão do extremismo e da identidade do fanático, seja no âmbito político, cultural ou psicológico, agita todo o mundo e é de forte atualidade para a sociedade brasileira que se debate entre extremos difíceis de conciliar. Entre as definições que existem do fanático, nenhuma me parece mais aguda do que a do recentemente falecido escritor israelense Amós Oz, considerado um dos maiores e mais livres pensadores do nosso tempo. Em sua obra Mais de Uma Luz (Companhia das Letras, 2017), define o fanático como “aquele que só sabe contar até um”. Sua realidade termina nele. Sua matemática se esgotada aí. Não cabem nem dois, porque, segundo ele, “uma das realidades contundentes que identificam um fanático é sua ardente aspiração de mudar o outro para que seja como ele”.
O fanático abraça toda a realidade para que não possa haver ninguém diferente dele. Não existem em suas contas a soma nem a multiplicação. Segundo o escritor, “ele não quer cortinas no mundo, nem sombra de vida privada ou diferente da sua”. O verdadeiro fanático “se acredita enviado por Deus para purificar o mundo e torná-lo todo igual, sem diferenças”.
Nesta linha de raciocínio, para o fanático, “a justiça é mais importante do que a vida”, e o “ódio cego faz que quem se encontre do outro lado da barricada seja idêntico a ele”. Uma vez mais, o fanático só consegue contar até um. O dois não existe para ele, ou deve ser assimilado ou destruído.
Essa forte presença do fanatismo é hoje, segundo o escritor, mais perigosa depois do nazismo e do stalinismo. Naquela época, por algum tempo, os nazistas, por exemplo, se envergonhavam de sua condição e até chegavam a escondê-la. Hoje é ainda mais grave, já que a vacina parcial que tínhamos recebido está acabando e os fanáticos agem com o rosto descoberto, quase com orgulho. “Ódio, fanatismo, animosidade ao outro, ao diferente, e brutalidade política são proclamados à luz do sol”, segundo o escritor.
E assim, nesse clima do ressurgimento do fanático, “cada vez mais pessoas escolhem o ‘furioso’, o ‘chocante’ o ‘sinistro’, o ‘enlouquecedor’ e até ‘morrer e matar’”, anota o escritor israelense que morreu sem receber o Nobel de Literatura, certamente por suas posições abertas em favor do diálogo entre Israel e a Palestina, sua grande obsessão democrática e humanista. E acrescenta que hoje talvez não seja inocente nem casual “a infantilização das multidões em todo o mundo”, com o objetivo de alimentá-las com o maná da fascinação do fanatismo.
“Todos os tipos de fanáticos tendem a viver em um mundo em que tudo é preto ou branco”, escreve Amós, que confirma sua definição de alguém “que só sabe contar até um”. Não existe para ele a riqueza da soma das diferenças. O verdadeiro fanático é alheio e insensível à ideia de que possa haver algo ou alguém diferente dele. Assim, acaba privado de tudo o que enriquece e enobrece o mundo como é a diversidade. O fanático nunca entenderá valores como a amizade com alguém que possa levantar uma bandeira diferente da sua, como o diálogo, a política de gênero, a riqueza de compartilhar ideias e pensamentos que não sejam os seus.
O fanático de hoje é incapaz de desfrutar da luminosidade produzida pela mistura das cores. Para isso, teria de aprender a somar e multiplicar a luz em um grande caleidoscópio que reflita a riqueza da vida e de seus contrastes. Infelizmente, “só sabe contar até um”. Todo o resto não existe para ele, ou só lhe interessa domesticado ou morto.