Reflexões sobre os 132 anos da lei áurea – abolição da escravidão

Por Cesar Amorim*

O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 tem 78 incisos, nos quais constam os chamados Direitos Fundamentais, dentre eles a Liberdade de manifestação do pensamento, Liberdade de locomoção, Liberdade de crença religiosa, Igualdade de gênero, condenação a tortura, bem como consta em seus incisos a perspectiva da República em assegurar uma vida digna, livre e igualitária a todos os cidadãos.

É no inciso 42, do artigo 5°, da CRFB/88, por exemplo, que o RACISMO passa a ser enquadrado como CRIME INAFIANÇÁVEL E IMPRESCRITÍVEL. É importante lembrar que tivemos sete Constituições (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988) desde nossa independência, e somente na CRFB/88 o racismo foi enquadrado como crime.

No Brasil, quando se trata se justiça social, parece que somos experts em deixarmos a desejar, exemplo disso, é a marca história de que o Brasil foi o último país da América a abolir, oficialmente, o tráfico negreiro e a escravidão, no caso da escravidão, o fato se deu em 13 de maio de 1888, quando a Princesa Isabel sancionou a famosa Lei Áurea.

Apesar de tudo, seria muito pessimismo de nossa parte afirmar que não existe o que comemorar nestes 132 anos da LEI ÁUREA – ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO, no entanto, ao meu sentir, existem meandros e fatos dentro desse processo que precisam de nossa reflexão.

Sabe-se que Lei Áurea NÃO FOI PENSADA a partir de uma liberdade plena dos escravos no Brasil. Após a abolição, não foi garantido a inserção da população negra na vida econômica, política e social, assim, esta população fora empurrada para as margens da sociedade, situação que persiste até os dias atuais. Isso se dá de forma muito perceptível, sendo exatamente por essa razão, ao meu ver, que precisamos um Estado forte, que seja o condutor de um verdadeiro e pleno processo de emancipação social.

Na perspectiva de política internacional, o fim oficial da escravidão no Brasil, se alinhava aos interesses capitalistas do então poderoso Império Britânico, que na época pressionava países, buscando um mundo com mão de obra assalariada e consumidora de seus produtos industrializados.

Não bastasse, sabe-se que o processo interno que levou ao fim da escravidão no Brasil foi resultado dos fatos gerados no interior do próprio sistema escravista, provocados pelo protagonismo e luta dos próprios negros que insurgiram contra o cativeiro, em um conjunto de ações individuais e coletivas, como por exemplo, ataques a proprietários de escravos, fugas, formação de quilombos, incêndios de fazendas, conspirações, rebeliões e insurreições.

O legado da escravidão, que perdurou por mais de 300 anos, trouxe ao país cerca de 5 milhões de negros através do chamado tráfico negreiro, deixando sequelas profundas em nossa sociedade. Laurentino Gomes, autor do livro constante na foto que ilustra esse texto, afirma que o Brasil precisa de uma segunda abolição, já que a maioria da população pobre é negra, sem acesso à educação, saúde e empregos decentes. Ele está correto!

O Brasil foi construído por escravos, homens e mulheres que sempre estiveram em sacrifício para fazer girar o eixo socioeconômico, o escravo, especialmente o negro, esteve presente em todos os ciclos econômicos de nossa história, passando pelos ciclos do açúcar, do ouro e do café.

Se pararmos para refletir, neste período de confinamento necessário, veremos que a maioria dos motoboys, dos entregadores, das secretárias domésticas etc são de pele negra, estão na linha de frente, “servindo” as necessidades, prazeres e caprichos da sociedade que se encontra do outro lado do rio. Outrossim, se fizermos uma rápida pesquisa, veremos que a maioria das vítimas do COVID-1, bem como  dos beneficiários do auxílio emergencial, ou são pessoas de pele negra ou pardos descendentes dessa história cheia de antagonismos e contrastes.

Por tudo isso, é preciso insistir, a história da escravidão não é um assunto acabado, tema de museus, salas de aula ou livros de história. Ela está presente na fria realidade brasileira. Desse modo, passados 132 anos da “libertação dos escravos” o tema deve ser objeto de efetivas e profundas discussões, pois temos uma dívida gigante a ser paga ponta dessa catástrofe.

O tema é longo, instigante e, mais do que nunca, necessário, no entanto, acredito que se você, meu amigo e minha amiga, chegou a ler com calma esse texto, eu já atingi o objetivo almejado de quando me propus a escrevê-lo.

*É Antonio Martinense adotado por Mossoró.

Mossoró/RN, 13 de maio de 2020.

 

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