Responsabilidade civil e criminal pelos atos contra a democracia

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Por Rogério Tadeu Romano

Informou o Estadão, em 14 de fevereiro de 2023, que a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu que 54 pessoas, três empresas de transporte, uma associação e um sindicato sejam condenados a pagar R$ 20,7 milhões pelo ato golpista que resultou na depredação das sedes dos três Poderes, no dia 8 de janeiro, em Brasília. É o primeiro pedido de condenação definitiva pelos atos de vandalismo. A AGU move outras quatro ações contra suspeitos de financiar e participar das manifestações radicais.

O pedido mira pessoas e empresas envolvidas no fretamento dos ônibus que levaram manifestantes a Brasília para participar dos atos extremistas, além da Associação Direita Cornélio Procópio e do Sindicato Rural de Castro, ambos do Paraná. O documento foi enviado à Justiça Federal do Distrito Federal e afirma que todos os citados tinham “consciência” do risco de violência.

Trata-se de uma ação civil coletiva buscando a devida indenização pela prática de ato ilícito.

A AGU já havia pedido o bloqueio de bens, em pedido cautelar, de natureza instrumental que visa a proporcionar condições para uma futura condenação daqueles que praticaram ato ilícito, depredando bens da União Federal e que fazem parte do patrimônio cultural da Nação. Sobre esse tema já havia informado o site tribuna do sertão, em 14 de fevereiro de 2023:

“A Advocacia-Geral da União entrou com uma nova ação na Justiça Federal do Distrito Federal pedindo o bloqueio de bens de 40 presos preventivamente por participação nos atos golpistas do dia 8, quando radicais invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes. Segundo o órgão, o grupo participou da ‘materialização dos atos de invasão e depredação de prédios públicos federais’ e por isso deve reparar os prejuízos causados com a depredação das dependências do Planalto, Supremo e Congresso.”

Entenda-se que a tutela cautelar, que objetiva para o caso o bloqueio de bens dos responsáveis por aqueles atos, é diversa da tutela final que agora é demandada. Enquanto a tutela cautelar (bloqueio de bens) é uma tutela de aparência, a tutela satisfativa objetiva ao pagamento das indenizações causadas pelo ato ilícito(tutela de certeza). São duas tutelas processuais diversas e independentes.

Bem explicou Marinoni (Da tutela cautelar à tutela antecipatória) ao dizer: “A tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilidade da realização de um direito, não podendo realizá-lo”.

Trata-se de ações, no âmbito civil, que são independentes daquelas, que deverão ser ajuizadas pelo Parquet no âmbito da tutela penal, pois o Ministério Público é titular da ação penal pública  incondicionada.

Para tanto dita o artigo 927 do Código Civil que aquele que, por ato ilícito (Arts. 186 e 187 ), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Ensinou Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, volume I, 14ª edição, pág. 452) que “como categoria abstrata, o ato ilícito reúne, na sua etiologia, certos requisitos que podem ser sucintamente definidos: a) uma conduta, que se configura na realização intencional ou meramente previsível de um resultado exterior(ENNECCERUS); b) a violação do ordenamento jurídico, caracterizado na contraposição do comportamento à determinação de uma norma(ENNECCERUS); c) a imputabilidade, ou seja, a atribuição do resultado antijurídico à consciência do agente; d) a penetração da conduta na esfera jurídica alheia, pois, enquanto permanecer inócua desmerece a atenção do direito.”

Essa conduta delituosa poderá vir por dolo ou culpa.

Aliás, a doutrina moderna, como ainda explicou Caio Mário da Silva Pereira(obra citada, pág. 455), fixou a ideia de que o direito brasileiro fixou a ideia de transgressão de um dever o conceito genérico do ato ilícito. Atenta-se para o caráter antijurídico da conduta e seu resultado danoso.

Com o ato ilícito praticado surge um verdadeiro dever de reparação com o objetivo de reparar o bem jurídico ofendido.

Para o caso em discussão houve uma iliceidade da conduta que se fulcra em uma conduta contrária a um dever preexistente.

Ficam as lições já apresentadas por Ebert Chamoun(Instituições de Direito Romano, 5ª edição):

O dano é a redução patrimonial ou moral oriunda da lesão de um direito subjetivo. Havia, no direito romano, o dano patrimonial e o dano moral. Ambos são sancionados, o patrimonial penalmente ou não, conforme o direito lesado se contraponha a um dever contratual ou extracontratual, o moral penalmente com o actio iniuriarium.

O valor do dano, por sua vez, consistia na base do prejuízo que sofreu a coisa do ofendido, depois na consideração do prejuízo que sofreu o seu patrimônio. No primeiro caso, a composição do dano consistia no valor da coisa, de acordo com o segundo, a composição consistia no valor do inadimplemento da obrigação. No direito clássico, coexistiam os dois critérios.

Media-se o dano levando-se em conta não somente a efetiva diminuição do patrimônio (quantum mihi abest), como ainda o que, em virtude dele, se deixou de adquirir (quantum lucrari potest), isto é, não somente o dano emergente como ainda o lucro cessante.

Necessário para que o ato ilícito ocorresse no direito romano que houvesse o dano que é a redução patrimonial ou moral oriunda da lesão de um direito subjetivo. Reconheçamos que há duas espécies de dano: o patrimonial e o moral. Ambos são sancionados, o patrimonial, penalmente ou não, conforme o direito lesado se contraponha a um dever contratual ou extracontratual; o moral com o actio iniurarum, como explicou Ebert Chamoun (Instituições de direito romano, 1968, pág. 108).

Louve-me da lição de Sérgio Cavalieri Filho(Programa de Responsabilidade Civil, 9ª edição revista e ampliada, São Paulo, Atlas, pág. 82) para quem se pode conceituar o dano moral por dois aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é a violação do direito à dignidade. Por essa razão, por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu artigo 5º, V e X, a plena reparação do dano moral.

É a linha do pensamento trazido pelo Ministro Cézar Peluso, no julgamento do RE 447.584/RJ, DJ de 16 de março de 2007, onde se acolhe a proteção do dano moral como verdadeira tutela constitucional da dignidade da pessoa humana, considerando-a como um autêntico direito à integridade ou incolumidade moral, pertencente à classe dos direitos absolutos.

O valor do dano pode ser aferido com base no prejuízo que sofreu o ofendido, depois na consideração do prejuízo que sofreu o seu patrimônio. Conforme o primeiro critério, a composição do dano consistia no valor da coisa, de acordo com o segundo, a composição consistia no valor do inadimplemento da obrigação.

Mas os romanos mediam ainda o dano levando-se em conta não somente a efetiva diminuição do patrimônio (quantum mihi abest), como ainda o que, em virtude dele, se deixou de adquirir (quantum lucrari potest): não somente o dano emergente como o lucro cessante.

Para o direito romano, a culpa no sentido lato é um comportamento consciente e ilícito que provoca o dano. Pode consistir numa ação ou numa omissão (culpa in faciendo e culpa non faciendo), embora o direito romano, segundo as fontes, só definia a culpa como ação; mas, o ilícito extracontratual supunha sempre uma culpa in faciendo. A consciência do comportamento significava que o agente dele seria, quanto ao ilícito contratual, capaz de fato, e quanto ao ilícito penal, apenas intelectualmente maduro, como já era o pubertati proximus, como revelou Ebert Chanoun(obra citada, pág. 109).

A liquidação do dano poderá ser feito por artigos (na ocorrência de fato novo) ou ainda por arbitramento.

Os arts. 948 a 954 do CC esclarecem o modus faciendi da liquidação da reparação civil no caso de atos ilícitos, dizendo em que consiste a indenização pelos diversos casos.

Como dito, na esfera penal, caberá ao Ministério Público Federal atuar na defesa do estado democrático de direito, acusando essas pessoas físicas já processadas no juízo civil, pois a responsabilidade civil independe da penal, pelos crimes de tentativa de golpe de estado, de ofensa à democracia, de dano qualificado ao patrimônio público e cultural e de organização criminosa. Digo isso porque é questionável a aplicação da lei antiterror (crime de terrorismo) para os fatos ali cogitados.

É certo, porém, que faz coisa julgada, para impedir que se questione no civil a decisão criminal proferida sobre a existência do fato a sua autoria (Código Civil, art. 1525).

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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