Sejamos didáticos

Por David de Medeiros Leite*

 

À Comunidade Acadêmica da UERN

A didática é-nos ferramenta elementar e fundamental; aprofundemos seu uso, pois. E, assim, possamos voltar às nossas salas ávidos pelo debate: aberto, ampliado e sustentado em pilares acadêmicos.

Sejamos didáticos para fomentarmos, ainda mais, o respeito à convivência dos contrários e que, em nenhuma hipótese, vislumbremos profissionais agredidos e vilipendiados. Didáticos ao ponto de esclarecermos que coveiro não mata ninguém: cumpre seu mister em não deixar irmãos insepultos. Esclareçamos, também, sobre a existência de estatísticos que escrutinam óbitos, com o mesmo nó na garganta, por tratar-se de ceifadas vidas, não de meros números.

Sejamos didáticos para que estudiosos das Ciências Sociais avaliem contradições e interesses de classes, acurando-os em contraposição aos reflexos, avanços e retrocessos, norteados desde perspectivas econômicas à luz de ensinamentos como os de Celso Furtado, para citarmos um bravo nordestino, desprezando a monocórdia vociferação de preconceitos contra honrados trabalhadores.

Sejamos didáticos para que nossos estudantes de Comunicação Social saibam que noticiarão o cômico e o trágico, compreendendo a existência de vidas nas entrelinhas dos parágrafos e argumentos postos, projetando-os, por conseguinte, aos leitores como verdades. Vale atentar: até as irresponsáveis fanfarras contra nossa própria existência serão noticiadas, causando nebulosa e contagiante fumaça.

Sejamos didáticos com os que manejam a historiografia. Vês? estão discursando contra “ditaduras” e, no mesmo instante, clamam pela volta do famigerado AI-5, cujo lapso temporal, notadamente próximo, não sarou nem cicatrizou feridas no corpo e na alma dos que, atônitos, não creem que ouvem tal despautério.

Sejamos didáticos com os que militam na (pela) Educação. Sim, isso mesmo: os educadores. Nós estamos imersos numa pororoca, na medida em que um pensador da envergadura de Paulo Freire é satanizado por figuras abjetas que esquartejam frágeis estruturas de pesquisa e ensino em nosso país. Arcabouço, diga-se de passagem, construído por lutas memoráveis, que vemos desmilinguir-se numa velocidade estonteante.

Sejamos didáticos para que as Escolas de Saúde percebam que formaram e formam profissionais que atuam com denodo em favor da humanidade. Se existe um “filho pródigo”, aqui ou acolá, bradando contra os ensinamentos bebidos em sala de aula? Ah, tal prodigalidade não abafará a magnânima ação coletiva que emerge, amenizando dores com medicamentos e procedimentos cientificamente responsáveis. Desejam exemplo? Exemplo darei: como seria a realidade potiguar se não tivéssemos a atuação dos egressos dos cursos da área de saúde? E aqui se faz imperioso ressaltar quão importante foi a ampliação das Universidades Públicas, bem como dos programas governamentais que proporcionaram acesso dos mais carentes às instituições privadas.

Sejamos didáticos em quaisquer das áreas do conhecimento, ousando abranger, também, aqueles a quem lhes negaram acesso ou que são refratários por mera ignorância. Façamos que nosso discurso se contraponha à agilidade das fakes news que os enganam. Atrevamo-nos a tornar translúcido que o propalado “Estado mínimo” é engodo, emanado por quem sempre se assenhorou do próprio Estado, agravando a vulnerabilidade dos marginalizados.

Sejamos didáticos para que possamos traduzir, da forma mais singela possível, o pensamento do filósofo existencialista (ele não era comunista, pelo amor de Deus…) Miguel de Unamuno que, em delicado momento histórico, cunhou: “Me duele España”. Atentem: não era seu corpo nem sua alma que doíam, era seu país. Parábola e síntese que devemos debulhar e subjacer à realidade corrente: o Brasil nos dói! Além da gravidade do vírus, urge reestabelecermos o movimento pneumático da incipiente democracia, sob pena da ausência de oxigênio refletir em paralisação dos mínimos esforços galgados em busca da cidadania.

Sejamos didáticos em meio ao “sanatório geral”, parafraseando Chico Buarque, alardeando que, apesar dos pesares, cremos no raiar de um novo dia.

*É professor da Uern e Doutor pela Universidade de Salamanca – Espanha

 

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Reportagem especial

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