Ser enganado

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“A pior coisa do mundo é amar sendo enganado” (SORIANO, W.)

Por Fabiano Mendonça*

O povo não confia mais em seus representantes. Antes, sente medo. E no medo ele é capaz de entregar poder a quem prometer tranquilidade. E tudo é muito confuso. E são muitas mentiras.

As redes sociais potencializam uma desconfiança generalizada onde só confio em mim e em quem pensa igual. O que era uma emoção, vira suspeita e vira opinião. E a luta passa a ser destruir a opinião contrária através da imagem alheia. Falar mal dos outros deixa de ser esporte de calçada e passa a ser estratégia de debate no Parlamento. Essa é uma realidade explicada por Manuel Castells em “Ruptura”.

Mas, um outro pensador atual, Byung-Chul Han, em “Infocracia” traz ao debate a incompatibilidade da convivência da democracia com um regime de poder que impede a existência do debate público. A transição para uma sociedade “transparente”, exposta o tempo todo nas redes, submete as pessoas a um tipo de controle em que não há debates. Em comum, o fato de que a representatividade não se assenta mais nas mesmas bases em que nosso modelo foi construído. Contudo, neste caso, não é substituir as regras, sim adequar-se a elas. Não podemos nos curvar ao primado da mentira, da corrupção e da enganação. Sim, fazer com que a sociedade seja mantida sobre a probidade, a honestidade e o republicanismo.

Quando o presidente da Câmara dos Deputados discursa após a retirada truculenta do deputado Glauber Braga daquele que, segundo Michel Temer, é o espaço mais democrático da nação, promoveu um retrocesso de décadas; 50 anos em 5 minutos, numa certa paráfrase kubitschekiana. Em síntese, não bastasse a polícia legislativa retirar à força um deputado, o presidente discursou sobre a aplicação da lei. Ele não tem a menor noção da grandeza e importância do cargo que ocupa. Ele leva no coração uma forma de eleição apequenada na qual não reconhece a grandeza das instituições democráticas.

Em síntese, ele repetiu a essência do “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”. Essa é uma compreensão reduzida do pensamento de Maquiavel quando sugere que, para quem deseja controlar, é melhor ser temido do que ser amado. E, na cartilha da política centrista, ai de quem ama! Ali, quem ama é enganado. E, aceitemos, o povo vota com amor, com paixão pelo líder, pela mudança e, sobretudo, com esperança. Mas, o autor do Príncipe avisou que o domínio não pode ser pelo ódio.

Pressionar por fatias do orçamento, votar a tomada de terras indígenas, anistiar parcialmente condenados por crimes contra a Constituição, punir quem acusa, proteger foragidos e não aceitar decisões judiciais são condutas que apequenam o Poder Legislativo. Parece que desejam reeditar alguma coisa dos atos institucionais, que foram as regras do Golpe de 64 que tinham mais força do que a Constituição e previam a cassação de políticos, o fechamento do Congresso Nacional, o afastamento de governadores eleitos, a demissão de funcionários, a suspensão de direitos fundamentais e a impossibilidade de ser discutido no Judiciário – tudo apenas por Decreto do Presidente. Neste sábado, 13, o Ato Institucional n° 5 completa 57 anos. E ele é o lembrete mais emblemático de um tempo que cada vez mais deve ficar para trás.

Para isso, é preciso colocar no Congresso Nacional verdadeiros representantes do povo. Deputados e senadores que demonstraram na prática seu compromisso com a melhoria da qualidade de vida da população. Não é direito deles serem donos de mandato, conquistar riquezas ou prestígio pessoal, enquanto as melhorias não vêm. É preciso resgatar o debate de direitos e a legítima representação popular. Basta de ser enganado.

*É professor da UFRN.

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