Seria o semipresidencialismo uma solução?

Nova correlação de forças entre executivo e legislativo abre discussão sobre mudança de regime no Brasil (Foto: autoria não identificada)

Por Rogério Tadeu Romano*

Alguns anos atrás, em reportagem da Veja, colhia-se:

“Ministro do Supremo com maior atuação na seara política, Mendes retomou a defesa do semipresidencialismo em reuniões com parlamentares nas últimas semanas. Ele alega que o Brasil enfrenta crises de forma cíclica e que a instabilidade dos governos parece algo intrínseco ao regime presidencialista.”

Argumenta ainda que, após a redemocratização, dois dos quatro presidentes eleitos antes de Bolsonaro não chegaram ao fim do mandato: Dilma e Fenando Collor. Só esse dado seria suficiente para justificar o debate do tema.

Atualmente é visível o papel do Congresso Nacional, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.

Pautas como o marco temporal, supressão de poderes do STF, em que cada casa parlamentar é uma casa, se apresentam com um Legislativo que mais parece “uma locomotiva” em busca e obtenção de poder.

Tereza Cruvinel, em artigo para o portal 247, em 2.11.23, foi veemente.

Colho o que disse:

“Na terça-feira, 31, o senador Jacques Wagner, líder do Governo no Senado, cortou um dobrado na Comissão de Assuntos Econômicos para evitar que seus pares aprovassem um projeto estabelecendo como de execução obrigatória as emendas de comissões. Wagner conseguiu adiar mas não ainda barrar mais esse avanço do Congresso sobre o Orçamento da União. Em miúdos, o projeto era mais um passo para ampliar o poder do Legislativo e reduzir o poder do presidente da República.

O Brasil vem assistindo, com cara de paisagem, a uma marcha para a mudança do sistema de governo sem a realização de novo plebiscito ou a aprovação de uma PEC neste sentido, que alguns dizem não ser possível. Há quem entenda, inclusive no Supremo, que depois da confirmação do presidencialismo no plebiscito de 1993, só com outra consulta popular o sistema de governo pode ser alterado. Mas, na prática, isso vem acontecendo, com a adoção de um regime semi-presidencialista ou semi-parlamentarista, sem primeiro-ministro e desprovido de outros mecanismos do parlamentarismo, como a dissolução da Câmara e o chamado de novas eleições em determinadas situações de crise.”

É visível a atuação do Congresso na efetivação de um orçamento impositivo.

A legislação e a execução prática do orçamento da União, no Brasil, consideram a despesa fixada na lei orçamentária como uma “autorização para gastar”, e não como uma “obrigação de gastar”. Isso abre espaço para que o Poder Executivo não realize algumas despesas previstas no orçamento. Trata-se do chamado “orçamento autorizativo”, no qual parte das despesas pode ser “contingenciada”.

A ideia de “orçamento impositivo” é mudar essa prática, tornando obrigatória a execução de todo o orçamento nos termos em que ele foi aprovado pelo Congresso Nacional.

“Orçamento impositivo” quer dizer que o gestor público é obrigado a executar a despesa que lhe foi confiada pelo Legislativo. Que apenas alguma coisa muito excepcional poderia liberá-lo desse dever.

O Congresso aprovou a Emenda Constitucional 86, que criou o instituto do Orçamento impositivo peculiar, pois em vez de aprovar uma norma que realmente obrigasse o Poder Executivo a cumprir as leis orçamentárias, foi aprovada uma emenda constitucional que obriga o Poder executivo a cumprir as emendas parlamentares, que se caracterizam como uma pequena parte do orçamento, e vinculada a interesses eleitorais dos próprios parlamentares.

Fala-se que hoje o orçamento não é mais autorizativo, mas impositivo.

A matéria foi discutida em PEC cujo objetivo não foi tornar obrigatório a execução de toda a despesa do orçamento.

A Emenda 86, promulgada em 17 de março de 2015, basicamente altera e insere alguns parágrafos e incisos nos artigos 165 e 166, referentes à vinculação de recursos para a execução de emendas parlamentares individuais, e altera o artigo 198 da Constituição Federal para estabelecer 15% de vinculação de recursos da União para os programas e ações de saúde.

Com as Emendas Constitucionais 100/ 2019 e 102/2019, tornou-se literalmente obrigatória a execução plena do Orçamento, e não apenas as provenientes de emendas parlamentares individuais ou de bancada. O novo § 10 do art. 165 impõe à Administração, sem se limitar às emendas, o dever de executar obrigatoriamente as programações orçamentárias, para garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade. Em seguida, o § 11 estabelece as exceções ao Orçamento impositivo, a fim de assegurar o equilíbrio fiscal.

O Orçamento público impositivo é um instrumento democrático e fundamental para o desenvolvimento da nação brasileira, e a execução orçamentária em sua plenitude, ressalvadas as limitações legais, financeiras ou técnicas, é um imperativo para a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana. Do contrário, teríamos um Orçamento que seria mera “obra de ficção”.

Sendo insuperável o impedimento apontado, o Poder Legislativo em 30 dias indicará ao Poder Executivo o remanejamento da programação orçamentária daquela verba (artigo 166, parágrafo 14, II), o qual deverá encaminhar esta reprogramação como projeto de lei em até 30 dias, ou até a data de 30 de setembro (artigo 166, parágrafo 14, III).

Disse ainda Tereza Cruvinel, naquela oportunidade, que “agora o Congresso quer tornar impositivas as emendas de comissão, quer criar as emendas de liderança (para cada partido) e ainda fixar um calendário para a liberação de todas elas. O governo sequer poderá fazer a liberação na hora da busca de votos.”

Afinal, como é o semipresidencialismo?

Semipresidencialismo é um sistema de governo em que o presidente partilha o poder executivo com um primeiro-ministro e um gabinete, sendo os dois últimos responsáveis perante a legislatura de um Estado. Ele difere de uma república parlamentar na medida em que tem um chefe de Estado eleito diretamente pela população e que é mais do que uma figura puramente cerimonial como no parlamentarismo. O sistema também difere do presidencialismo no gabinete, que, embora seja nomeado pelo presidente, é responsável perante o legislador, o que pode obrigar o gabinete a demitir-se através de uma moção de censura.

Enquanto a República de Weimar alemã (1919-1933) exemplificou o primeiro sistema semipresidencial, o termo “semipresidencial” teve origem em 1978 através do trabalho do cientista político Maurice Duverger para descrever a Quinta República Francesa (criada em 1958), que Duverger apelidou de régime semi-présidentiel.

Sob o sistema premiê-presidente, o primeiro-ministro e o gabinete são exclusivamente responsáveis perante o Parlamento. O presidente escolhe o primeiro-ministro e o gabinete, mas apenas o Parlamento pode removê-los do cargo. O presidente não tem o direito de demitir o primeiro-ministro ou o gabinete. No entanto, em alguns casos, o presidente pode contornar essa limitação, através do exercício do poder discricionário de dissolver a assembleia, o que obriga o primeiro-ministro e o gabinete a demitirem-se. Este subtipo é usado em Burkina Faso, Geórgia (desde 2013), Lituânia, Madagascar, Mali, Mongólia, Níger, Polônia, Portugal, França, Romênia, Senegal e Ucrânia (desde 2014; anteriormente, entre 2006 e 2010).

Sob o sistema de presidente-premiê, o primeiro-ministro e o gabinete são duplamente responsáveis perante o presidente e a maioria da assembleia. O presidente escolhe o primeiro-ministro e o gabinete, mas deve ter o apoio da maioria parlamentar para a sua escolha. Para remover um primeiro-ministro ou todo o gabinete do poder, o presidente pode demiti-los ou a maioria parlamentar pode removê-los. Esta forma de semipresidencialismo é muito mais próxima do presidencialismo puro e é usado na Armênia, Moçambique, Namíbia, Rússia, Sri Lanka e Taiwan. Também foi usado na Alemanha durante a República de Weimar.

Com o semipresidencialismo volta-se às lições de Maurice Duverger, que foram utilizadas, na França, em 1958, como solução para uma séria crise na França com o enfraquecimento do parlamentarismo.

Mas esse semipresidencialismo nasceu na França com um presidente forte, de caráter forte, como Charles de Gaulle, herói naquele país. Sobreviveu até hoje, passando por Georges Pompidou, Valèry Giscrd d´Estaing, François Mitterrand, Jacques Chirac, Sarkozy, até chegar a François Hollande, todos eles hábeis governantes. Em Portugal, temos hoje um premiê vinculado ao partido socialista e um presidente da República que não é do mesmo partido. Na França, o atual presidente Macron adota um modelo centrista, diante da derrota do modelo socialista anterior e da direita, nas últimas eleições presidenciais, e tem no Parlamento um evidente apoio conquistado nas últimas eleições.

Digo isso porque o semipresidencialismo não convive com um presidente inábil e fraco politicamente.

A Constituição de 1988 não fala num modelo próprio francês, a partir de 1958, semipresidencial (em que, na França, o Presidente é responsável pela política externa e o primeiro-ministro pela política interna). É frequente o fenômeno da coabitação no qual o chefe de governo (Primeiro-ministro) e o chefe de Estado (Presidente) são eleitos separadamente num mecanismo de freios e contrapesos. Ficou, na França, o chamado sistema gaullista, com mais de quarenta anos de existência, que corresponde a um sistema semipresidencial, por o governo, livremente nomeado pelo Chefe do Estado (mas não livremente demitido), ser responsável politicamente perante o Parlamento. Ali o centro principal da decisão política tem residido desde o início, no Presidente da República, por virtude da autoatribuição de um “domínio reservado”, como revelou Jorge Miranda (Teoria do Estado e da Constituição, 2003, pág. 105), em política externa e da defesa, da subalternização do Primeiro-Ministro, do apelo ao referendo e do exercício do poder de dissolução. Esse sistema se distancia do chamado semipresidencialismo português, em que o presidente preside, não governa, tendo poderes para dissolver o Parlamento, só com condicionamentos temporais, demitir o governo, quando o exija o regular funcionamento das instituições, decidir sobre a convocação dos referendos, exercer o poder de veto por inconstitucionalidade etc. Já, na França, o Presidente tem o poder de submeter a referendo projetos de lei relativos à organização dos poderes e à ratificação dos tratados (artigo 11 da Constituição de 1958) e o de assumir, embora com consulta prévia de outros órgãos, poderes excepcionais em caso de estado de necessidade (artigo 16).

Na França, junto com o sempresidencialismo há o sistema do ballottage.

É praticado atualmente na França, desde a instauração da Quinta República, com o breve interlúdio da lei nº 85-690, que instaurou o sistema proporcional para as eleições de 1985, sendo restaurado pela lei nº 86-825. De acordo com a lei francesa, a eleição de deputados ocorre em distritos uninominais em dois turnos. O candidato que obtiver maioria absoluta é considerado eleito. Não sendo alcançada a maioria absoluta, é convocado um segundo turno no qual participam os partidos que tenham alcançado um mínimo de 17% dos votos no distrito. Para o segundo turno não é necessário alcançar maioria absoluta, sendo considerado eleito o candidato ou a coligação mais votada. Segundo Sartori, a principal característica é que, ao contrário de outros sistemas, ele permite um segundo voto ao eleitor, tornando possível a sua mudança de preferências.

A adoção de parlamentarismo ou outro sistema de governo forma um debate que cresce sempre em épocas em que o Presidencialismo está em crise.

Na França, o semipresidencialismo é forte com um Presidente da República que está a frente da política externa e dos principais temas de governo. Em Portugal, o Presidente da República é o responsável por vetos às leis emanadas do Parlamento e tem poder de nomear o Primeiro-Ministro. Na Polônia, há um misto de semipresidencialismo e parlamentarismo, onde se fala, na experiência recente num parlamentarismo bicameral que quer propor ao país um modelo autocrático.

No presidencialismo o presidente é chefe de Estado e de Governo. No parlamentarismo o presidente é chefe de Estado deixando a tarefa de governar a um primeiro-ministro e seu conselho de ministros (modelo que tivemos na República, entre 1961 e 1963).

Aguardemos os passos que deverão ser dados pela classe política.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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