Por Caio César Muniz*
Já faz algum tempo que nós, fazedores e sofredores do fazer cultural nos deparamos com este modelo de acesso a recursos públicos para a realização das nossas atividades: os benditos (ou não) editais.
Intensificados com as recentes leis de “emergência” devido à pandemia através das leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, eles vieram fazer parte do nosso dia-a-dia como nunca antes e constará do nosso calendário em definitivo, ano-a-ano, se é que queremos ter acessos ao dinheiro.
Em 99,99% das vezes são elaborados de cima pra baixo, mesmo com as famigeradas e infindáveis “consultas públicas”. Muitas das vezes só para cumprir tabela e dizer que ouviu o público-alvo, o fazedor de cultura. Ao final, sai do jeito que a cabeça do organizador pensa e em 99,99% das vezes, saem ruins de doer no juízo.
Burocráticos que só o cão, alguns chegam ao ponto de ter mais de 100 páginas, mesmo que até a página 20 seja apenas encheção de linguiça e puxação de saco de gestor público.
Vejamos três exemplos de absurdos dos nossos editais atuais, só para exemplificar: Um: o edital da Lei Paulo Gustavo, da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará “para realização de Feiras Literárias nos municípios do Ceará”, não é exatamente um modelo de democratização dos recursos públicos. As feiras “nos municípios do Ceará” já são pré-determinadas onde acontecerão: Sobral, Icó e Aracati. Então, para quê edital? Segundo o documento para empresas se habilitarem a organizar tais encontros literários. Agora me diga qual o sentido de uma empresa, aqui de uma cidade no baixo Jaguaribe, por exemplo, se habilitar a coordenar feiras tão distantes. É óbvio que empresas próximas terão vantagem sobre as demais.
Dois: o edital da cidade de São Bento, na Paraíba, no que tange o audiovisual, tem um quesito específico: “Apoio a produção de obra audiovisual de curta-metragem Associação Quilombola”. Só existe uma “associação quilombola” no município. Mais específico e direcionado que isto, impossível. Então, por que simplesmente não repassar o dinheiro para a associação visto que ela não tem concorrente?
Por fim, uma portaria publicada em 20 de maio deste ano no Diário Oficial do RN, sob o número 56, sem qualquer discussão com a classe artística, piorou uma lei que já não é tão boa e que tende a ser colocada em segundo plano, tendo em vista as dificuldades de se conseguir captar os seus recursos “destinados” pelo Estado.
É o Programa Cultural Câmara Cascudo, nascido como Lei Câmara Cascudo (Lei N° 7.799), criado em 30 de dezembro de 1999. Segundo a portaria, agora não é mais permitido que equipamentos adquiridos fiquem com o proponente e sejam, agora, deverão ser devolvidos aos porões da Fundação José Augusto, gestora do programa. Imaginemos, pois, que, se tenha uma grande quantidade de projetos aprovados nos anos que se seguem e seus recursos captados para aquisição de equipamentos, principalmente neste momento de “boom” do audiovisual, em pouco tempo a FJA terá sobre sua posse um verdadeiro depósito de equipamentos. Sabe-se Deus para quê. Mas, a portaria diz que a Fundação pode destinar a outras instituições os bens adquiridos, então, porque não deixar com o proponente, sendo que este sabe da sua necessidade e foi quem montou o projeto originalmente e captou o recurso?
O certo é que, aquilo que deveria ser feito para facilitar, não tem facilitado. Mas, infelizmente, nós, artistas e fazedores de cultura, não temos opção. É participar ou ficar reclamando de pires na mão.
É torcer que algum dia melhore este cenário e que mecanismos menos cheios de preciosismos faça, de fato, chegar aos artistas, principalmente os mais necessitados, recursos para suas sobrevivências culturais.
Finalizando, para não dizer que só reclamei, o edital da Lei Paulo Gustavo da Secretaria de Cultura da Paraíba tem apenas onze páginas, objetivo e conciso, “pei, pufo”, serve de exemplo para outros. Aguardemos o do Rio Grande do Norte, que como diz o poeta Nildo da Pedra Branca, de tanto demorar, já dava pra ter morrido de fome umas três vezes.
Jornalista, poeta e fazedor de cultura*
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