Por Rogério Tadeu Romano*
Pelo menos nove entidades que representam diferentes segmentos do setor produtivo do Rio Grande do Norte, entraram com uma ação civil pública na Justiça, em caráter de urgência, contra o aumento da alíquota básica do ICMS, de 18% para 20%, que começou a valer no dia 1.4.2023.
O argumento das entidades empresariais é de que a legislação condicionou o aumento da alíquota do ICMS. Segundo o texto da lei, o aumento só deve ser aplicado caso não haja compensação da União pelas perdas dos estados com a desoneração do imposto sobre os combustíveis e energia elétrica.
Segundo o G1 RN, em 2.4.2023:
“Os empresários afirmam que houve um acordo firmado pelo governo federal com todos os estados, no dia 10 de março, para a reposição das perdas resultantes de mudanças estabelecidas no ano passado na cobrança do imposto. Portanto, de acordo com eles, o aumento do imposto seria inválido.
Entre os argumentos apresentados, também foi inserido o impacto da unificação nacional da alíquota do ICMS para os combustíveis, publicada nesta semana no Diário Oficial da União, pelo Confaz.”
Pois bem.
Segundo o site de notícias da Tribuna do Norte, em 18.4.2023, “a Justiça do Rio Grande do Norte extinguiu, sem analisar o mérito, o pedido de entidades do setor produtivo que revogar o aumento da alíquota modal do ICMS em vigor no estado. A juíza Alba Paulo de Azevedo, da 2ª Vara de Execução Fiscal e Tributária de Natal, publicou a decisão nesta terça-feira (18), sob argumento de que o pedido não poderia ter sido impetrado por “beneficiários que podem ser individualmente determinados”.
Na hipótese vertente entende-se que a ação civil pública não é instrumento processual, no direito coletivo, para “veicular a pretensão que envolve tributos”, considerando a vedação no art. 1º, parágrafo único da Lei 7.347/85, que ensejaria o indeferimento da petição inicial.
Pela lei 7.347, “não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados”.
A juíza considerou que o mérito da ação civil pública compreende discussão tributária, “por meio da qual objetivam os demandantes o afastamento da cobrança da alíquota majorada de ICMS”.
E é esse cenário que leva à conclusão de que não é possível ser usada a ação civil pública como instrumento processual para a tutela de direitos transindividuais, ainda que a natureza do agravo em seu desfavor tenha origem tributária.
A jurisprudência do STJ e a do STF firmaram-se no sentido da inviabilidade da Ação Civil Pública em matéria tributária, mesmo nas demandas anteriores à MP n. 2.180-35/2001. 2. Precedentes desta Corte: REsp 840.752/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28.9.2010, DJe 2.2.2011; EREsp 505.303/SC, Rel. Min. Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 11.6.2008, DJe 18.8.2008; AgRg no REsp 969.087/ES, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 18.12.2008, DJe 9.2.2009; AgRg no REsp 757.608/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 6.8.2009, DJe 19.8.2009. 3. Precedente do STF: “Da mesma forma, a associação de defesa do consumidor não tem legitimidade para propor ação civil pública na defesa de contribuintes.” (AI-AgR 382298/RS, Relator p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, Julgado em 4.5.2004.) Agravo regimental improvido. ( AgRg no AREsp 247.753/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe 17/12/2012) PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASSOCIAÇÃO DE DEFESA DE CONTRIBUINTES. IPTU. MAJORAÇÃO INDEVIDA. DEMANDA TRIBUTÁRIA. INVIABILIDADE DA ACP.
A Ação Civil Pública não pode ser usada para discutir matéria tributária. O entendimento é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, com base no artigo 1º, da Lei 7.347/1985 ( Resp 737.232).
Tem-se então:
– em matéria tributária não há direito difuso, porque é certa e determinada a relação do Fisco para com o contribuinte;
– não cabe a discussão em ação civil pública em matéria tributária na defesa dos direitos individuais homogêneos e dos direitos coletivos.
Ademais, é inadequada a via da ação civil pública objetivando declaração de inconstitucionalidade de lei.
Já está sedimentado na jurisprudência o entendimento de que a inconstitucionalidade de determinada lei pode ser alegada em ação civil pública, desde que a título de causa de pedir – e não de pedido –, pois, nessa hipótese, o controle de constitucionalidade terá caráter incidental (Precedentes: Resp 1.326.437/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, Dje 05/08/2013; REsp 1.207.799/DF, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 03/05/2011).
Sem dúvida, não cabe à ação civil pública substituir o papel de instrumentos em sede de controle concentrado da constitucionalidade como é o caso da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Trago, então, trecho do que foi apresentado em decisão do TRF – 4ª Região, no julgamento dos embargos de declaração em Apelação Civil nº 5026348-94.2019.4.04.7100/RS:
“Nesse sentido, são esclarecedoras as palavras de Arruda Alvin, citadas por José dos Santos Carvalho Filho na obra “Ação Civil Pública”, Editora Lumen Juris, 7ª edição, RJ, 2009:
O que se percebe , claramente, é que, não incomumente, propõem-se ações civis públicas, de forma desconectada de um verdadeiro litígio, com insurgência, exclusivamente, contra um ou mais de um texto legal, e o que se pretende na ordem prática e pragmática é que, declarada a inconstitucionalidade de determinada norma, não possam mais elas virem a ser aplicadas, no âmbito da jurisdição do magistrado ou do Tribunal a esses sobrepostos. Ou, se linguisticamente, não se diz isso, é o que, na ordem prática, resulta de tal decisão (grifei).
Ora, se se pretende que determinados textos normativos não possam vir a ser aplicados, dentro de uma área de jurisdição, disto se segue tratar-se efetivamente de declaração “in abstrato” da inconstitucionalidade, ainda que possa ter sido nominado de pedido de declaração “incidenter tantum”.
Atente-se à regra geral: a ação civil pública não pode ser ajuizada como sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade, pois, em caso de produção de efeitos erga omnes, estaria provocando verdadeiro controle concentrado de constitucionalidade, usurpando competência do STF (cf. STF, Rcl 633 -6/SP, Min. Francisco Rezek, DJ de 23.09.1996, p. 34945). Tal situação não se altera, mesmo que se admita a limitação da eficácia da sentença (em que pese prolatada em ação civil pública) à base territorial da Associação.
Em resumo, como bem destacou o saudoso ministro Teori Albino Zavascki: “a ação civil pública não pode ter por objeto a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos. Todavia, se o objeto da demanda é a declaração de nulidade de ato administrativo concreto, nada impede que, como fundamento para a decisão, o juiz exerça o controle incidental de constitucionalidade”( REsp 760.034/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 5.3.2009, DJe18.3.2009).”
Será caso, pois, se assim as entidades estiverem com interesse para tanto, do envio de representação à Procuradoria Geral da República, ou quem detiver legitimidade concorrente, pleiteando o ajuizamento de ação visando o controle abstrato da constitucionalidade perante o STF.
A matéria, outrossim, poderá ser objeto de controle constitucional difuso, caso, em tema concreto, algum legitimado, no foro competente, ajuizar ação para discutir essa propalada inconstitucionalidade.
*É procurador da república aposentado com atuação no RN.
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