No domingo retrasado viralizou na Internet o vídeo em que o desembargador paulista Eduardo Siqueira desacata um guarda municipal de Santos, litoral de São Paulo. Muita gente ficou indignada com a postura.
Esse tipo de coisa parece distante de nós que não vivemos nos bastidores do mundo jurídico, onde sobram palavras em latim, textos rebuscados e falta humildade para seguir as leis que eles mesmos aplicam para os outros.
Há 12 dias, o comunicador Bruno Giovanni denunciou que o procurador federal Fernando Rocha tinha ido a academia no dia seguinte à liberação desse tipo de equipamento dentro de uma das fases da retomada das atividades econômicas que foram prejudicadas por causa da pandemia do novo coronavírus.
Para entender essa história é preciso voltar ao passado recente. Fernando Rocha, procurador da república com atuação no Rio Grande do Norte, é uma figura de proa das redes sociais, principalmente Twitter.
Ele não só foi um defensor ferrenho do isolamento social como também assinou a ação contra as medidas de retomada das atividades econômicas. No entanto, ele usufruiu de um benefício que estava questionando na justiça enquanto agente público.
Este é o nó.
BG se limitou apenas a noticiar a contradição e criticar a inocência de uma figura pública.
Repare: do ponto de vista de pensamento sobre a retomada das atividades econômicas estou muito mais próximo de Fernando Rocha do que do colega BG. Mas a contradição salta aos olhos e merecia sim, ser notícia jornalística.
Tanto BG tinha razão que Rocha deixou o grupo de trabalho da covid-19.
Há quem enxergue semelhanças entre o que aconteceu com BG e as medidas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em investigações sobre fake news e financiamento de manifestações claramente antidemocráticas. A analogia é uma falta de respeito com o trabalho do colega que não publica notícias falsas e quando erra repõe da verdade. BG não pediu nenhuma atitude que vá contra os princípios democráticos, não xingou o procurador nem foi além do que estava dentro dos limites do bom jornalismo.
Não tenho procuração para defender BG, que sequer conheço pessoalmente, inclusive temos visões de mundo bem diferentes.
A sentença do juiz federal Mário Jambo é bem escrita, teve o cuidado de rejeitar o ainda mais absurdo pedido de Rocha para BG se abstivesse de dar notícias sobre ele, mas expõe o quanto nosso judiciário é corporativista ao determinar que os posts fossem retirados das redes sociais e Blog. Ele foi contra uma censura prévia, mas determinou uma medida arbitrária.
Abro um parêntese para reforçar que sei bem que a liberdade de expressão não é um valor absoluto. Sei mais ainda que há limites sobre o que devemos escrever sobre figuras públicas. Mas enquanto estudioso da comunicação não poderia deixar de posicionar sobre o assunto sob a luz do exagero da decisão.
Retornando: Fernando Rocha, que dias antes estava ridicularizando BG (sem citá-lo) por sua suposta “limitação intelectual” (até perguntei ao procurador sobre quem ele escrevia), agora se ofendeu por ter sido exposto por contradições que saltam aos olhos e relacionadas a própria atividade profissional.
O procurador não precisou dizer “você sabe com quem está falando” para mostrar o próprio poder. Foi mais velado, mas com igual efeito.
Foi uma vitória de pirro, por resgatar um assunto que já estava ficando esquecido e voltar abalar a imagem do procurador, cujo prêmio são batatas com o gosto duvidoso do autoritarismo.
Temos aí um “você sabe com quem está falando” à moda potiguar.