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Um contraponto ao artigo de Henrique sobre a relação entre Aluízio Alves e a ditadura militar

Aluízio era ao mesmo tempo vítima e parceiro do regime militar (Foto: reprodução/Tribuna do Norte)

Aluízio Alves foi o político mais importante do Rio Grande do Norte na segunda metade do Século XX. Talvez tivesse sido mais vezes governador e chegado ao Senado se não tivesse acontecido o Golpe de 1964.

No último domingo, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Henrique Alves escreveu um artigo no Jornal Tribuna do Norte que ganhou ampla repercussão nos veículos de comunicação da capital. Tudo por causa da última frase em que ele afirma que “a luta continua” dando a entender que em breve volta a política.

O fato histórico foi completamente ignorado pelos colegas.

A mim, o texto chama atenção justamente pelo resgate do passado de nossa política muito embora, neste caso, seja mais pelo viés emotivo que pelo científico.

Henrique, de forma compreensível, floreia a relação de Aluízio com os militares. Um desavisado ao ler o texto do ex-deputado acha que o “Cigano Feiticeiro” está no patamar de Miguel Arraes e Tancredo Neves, que resistiram ao golpe desde a primeira hora.

Aluízio, na verdade, apoiou o Golpe e, inclusive, colaborou com a repressão realizada no Rio Grande Norte na condição de governador não expurgado do cargo como aconteceu com outros colegas que ficaram contra a ruptura democrática. Há um livro chamado “Subversão no Rio Grande do Norte: relatórios dos inquéritos realizados por José Domingos da Silva e Carlos Moura de Morais Veras a mando do governo Aluízio Alves” que explica muito bem como isso aconteceu, inclusive mostrando a importação de Pernambuco de policiais para atuarem na repressão.

Aluízio seguiu sendo a maior liderança do RN mesmo impedido de disputar eleições (Foto: acervo/Tribuna do Norte)

Em 1965, Aluízio fez de Walfredo Gurgel, seu vice em 1960, seu sucessor no Governo do Rio Grande do Norte. A vitória foi questionada na Justiça Eleitoral pelo candidato derrotado Dinarte Mariz (UDN) que tentara subverter o resultado das urnas no “tapetão”. O candidato do “Cigano Feiticeiro” levou a melhor também nos tribunais.

Os potiguares só voltariam a votar para governador em 1982.

Em 1966, já com o bipartidarismo, o “Cigano Feiticeiro” se filiou a Arena (que sustentava o regime) e elegeu-se deputado federal. Aluízio e Walfredo formavam a “Arena Verde”, em alusão as cores do aluizismo. A “Arena Vermelha” estava sob a batuta de Dinarte.

Nos anos de 1967 e 1968, Aluízio estava no grupo de arenistas insatisfeitos com o excesso de poder dos ex-membros da UDN dentro do partido. Queria a implantação das sublegendas.

Alinhado a Carlos Lacerda, que se tornara uma figura rejeitada pelos militares, Aluízo seguia mostrando força política no Rio Grande do Norte. Numa campanha memorável ajudou a eleger Antônio Rodrigues de Carvalho prefeito de Mossoró abatendo nas urnas Vingt-un Rosado por 98 votos. Tão cedo o líder da “Cruzada da Esperança” voltaria a fazer campanha em palanques.

Esse conjunto de acontecimentos custou caro ao “Cigano Feiticeiro”.

Aluízio é de fato uma vítima do Ato Institucional número 5. Em 7 de fevereiro de 1969, o mandato de deputado federal e os seus direitos políticos foram cassados por imposição do governo.

Foram 9 anos de ostracismo. Deveriam ser dez, incialmente. Mais adiante eu explico.

Segundo relatos da época, tudo foi articulado pelo desafeto político Dinarte Mariz. A alegação oficial foi de corrupção.

Os irmãos de Aluízio, Garibaldi e Agnelo Alves, também foram cassados. Restou lançar Henrique e Garibaldi Alves Filho na política nas eleições de 1970.

A perseguição a Aluízio aconteceu, mas foi branda numa época em que adversários do regime eram presos, torturados ou até mesmo mortos. Quando davam sorte exilados.

Adversário involuntário da ditadura, Aluízio manteve relações amistosas com os militares e seguia fazendo política nos bastidores e ocupando mandatos através de filho e sobrinho.

Livros relatam relações de Aluízio Alves com o regime (Foto: acervo/Bruno Barreto)

Mesmo impedido de disputar eleições, durante o ciclo dos governadores biônicos (1970/78), Aluízio influenciou nas decisões da elite política do Estado sendo consultado nas escolhas de Cortez Pereira (1970), Tarcísio Maia (1974) e Lavoisier Maia (1978). Neste último período sucessório, o “Cigano Feiticeiro” ajudou a construir a “Paz Pública” unindo-se em palanque com seus “algozes” para eleger Jessé Freire contra o correligionário Radir Pereira na disputa pelo Senado.

Em troca, ele ganhou uma espécie de “liberdade condicional” em que, se ainda não podia ser candidato, ao menos estava autorizado a subir num palanque.

Isso está relatado no livro “Como se Fazia Governador Durante o Regime Militar: o ciclo biônico no Rio Grande do Norte” do jornalista João Batista Machado.

Aluízio se juntou ao MDB após perder os direitos políticos e de lá saiu em 1979 para um curto período no Partido Popular (PP) onde se juntou a Tancredo Neves. Ficou por lá pouco tempo e voltou ao PMDB, já com o “P” de partido, em 1980.

Mesmo sem diretos políticos, Aluízio buscava manter boas relações com a ditadura e era amigo do general Golbery do Couto e Silva, famoso articulador político do regime. Os militares reconheciam a popularidade do “Cigano Feiticeiro”, mas o queriam de fora da política eleitoral por causa de seu perfil populista.

Aluízio acabou conhecendo sua primeira derrota eleitoral no retorno em 1982 (Foto: reprodução)

O último capítulo da relação entre Aluízio com a ditadura militar transcorreu nas eleições de 1982 quando o voto vinculado o impediu de se eleger governador pela segunda vez sendo derrotado por um garoto de 36 anos chamado José Agripino Maia por uma maioria de 106 mil votos.

Henrique, como filho, tem licença poética para florear a relação de Aluízio Alves com o a ditadura militar, mas a história é implacável para mostrar que o “Cigano Feiticeiro” vagueou ao sabor das conveniências para sobreviver em tempos autoritários tanto que manteve boas relações com um entusiasta da ditadura militar, o político mineiro Magalhães Pinto e isso fica bem claro no artigo de Henrique.

Aluízio Alves fez jus ao apelido “Cigano Feiticeiro” ao conseguir a mágica de deixar para posteridade a impressão de que fora apenas mais um dos perseguidos pelo regime. Henrique reforça essa meia verdade no artigo, mas não foi bem assim.

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Reportagem

O Golpe de 64 não salvou o país da ameaça comunista porque nunca houve ameaça nenhuma

Por Alexandre Andrada

The Intercept 

Há uma farsa historiográfica que ronda a praça de maneira persistente: a tese de que que a “revolução de 64” teria salvo o Brasil da ameaça comunista.

Conversa para boi dormir.

A renúncia de Jânio Quadros em 1961, e a ascensão do seu vice João Goulart, odiado pelo partido mais conservador da época, a UDN, de Carlos Lacerda, e por parte dos militares, foi o ápice de uma cisão ideológica que perdurava havia quase 20 anos. De agosto de 1961 a março de 1964, Jango foi alvo de uma guerra discursiva que o pintou como corrupto e conspirador de uma ofensiva comunista. Era tudo fantasia.

O rolo começou em 1946 com uma briga política que se estendeu por duas décadas entre os três partidos dominantes da chamada Terceira República (1946-1964), incendiada pela UDN de Lacerda. Os udenistas, derrotados nas urnas por Vargas (1950) e depois por Juscelino Kubistchek (1955), faziam uma guerrilha com notícias e editoriais falando sobre o risco iminente de o país virar comunista sem base nenhuma na realidade.

Na Constituinte de 1946, os comunistas do PCB formavam uma bancada respeitável, com um senador – Luís Carlos Prestes – e 14 deputados. Entre esses, Carlos Marighella.

Marighella, que se tornaria mundialmente conhecido por sua guerrilha urbana e acabaria morto pela Ditadura Militar em 1969, era um congressista como outro qualquer. Fazia discurso, frequentava gabinetes, apresentava moções e tomava cafezinho com seus pares.

 O fracasso nas urnas foi transformando a UDN em uma organização golpista.

Em maio de 1947, a justiça declarou ilegal a existência do PCB e os mandatos dos comunistas foram cassados. Diante do golpe jurídico, os comunistas não apelaram para as armas. Ao longo da Terceira República, eram três os partidos dominantes. O PTB, partido de Vargas e Jango, que ocupava a porção à esquerda do espectro político; o PSD, partido centrista, que abrigava Dutra e JK, e a UDN, partido de viés mais liberal, cujo ponto central era o ódio a Vargas.

A UDN era o partido favorito da grande imprensa, de setores da classe média  e da intelectualidade nacional. Só não era o partido favorito dos eleitores. O fracasso nas urnas foi transformando a UDN em uma organização golpista. Se hoje é o “bolivarianismo” que assusta o “cidadão de bem” brasileiro, nos anos 1950 o fantasma regional era o “peronismo”.

Carlos Lacerda em comemoração pela criação do Estado da Guanabara.

Carlos Lacerda em comemoração pela criação do Estado da Guanabara (Foto: Wikimedia Commons)

Às vésperas das eleições vencidas por Vargas, o jornal do udenista Carlos Lacerda, uma das grandes figuras do partido, publicava declarações de um general, afirmando: “o governo tem conhecimento de um vasto plano subversivo organizado pelos comunistas, cuja eclosão se daria ao mesmo tempo, em todo o território nacional. O governo brasileiro está de posse de dados concretos comprovando que o sr. Getúlio Vargas mantém relações com o general Perón, presidente da Argentina”. Dizia-se que Perón financiaria o movimento “para restaurar a Ditadura” no Brasil.

Apelava-se para o medo, plantava-se a semente da paranoia. Mas Vargas saiu-se vitorioso, com 48,5% dos votos. Quando a derrota ficou evidente, a UDN optou por não reconhecer o resultado. O jornal de Lacerda trazia em letras garrafais: “Getúlio não foi eleito legalmente”. Como Vargas não obteve mais de 50% dos votos, golpistas como Lacerda e Aliomar Baleeiro passaram a insistir na tese de que a maioria do eleitorado o rejeitara. Tentam na Justiça barrar a posse de Vargas.Ficou famosa a frase de Lacerda, repetida à exaustão naqueles tempos: “Vargas não deveria ser eleito. Se eleito, não deveria tomar posse. Se tomasse posse, não poderia governar”.

Ainda que tenha feito um governo algo conservador, segundo percepção de renomados historiadores do país, Vargas não pôde governar. Em 1954, em meio às denúncias de orquestrar um plano secreto junto com Perón e de corrupção no Banco do Brasil, a UDN pede seu impeachment, que é rejeitado no Congresso.

Após o episódio da rua Toneleros – quando morreu o oficial da Aeronáutica Rubens Vaz, e Lacerda é alvejado –, Vargas é instado pela cúpula militar a renunciar à presidência. Naquela noite, mata-se com um tiro no peito. Aos se aproximarem as eleições de 1955, temendo a derrota, a UDN volta a pregar o golpe. Primeiro são denúncias contra Juscelino Kubistchek, acusando-o de corrupto. Adiante, a defesa desavergonhada da não realização das eleições naquele ano.

Em editorial de junho de 1955, Lacerda afirmava:

“Não há mais a menor dúvida: a eleição, nas atuais circunstâncias, significa a vitória dos que há longo tempo se prepararam. […] Em nome de que se pretende que toleremos a volta da oligarquia, com o seu cortejo de corrupção e violência? Sustentamos que existe, ainda, uma saída ‘legal, para a falsa legalidade que se pretende manter… A saída que existe… é a concessão de plenos poderes a um Executivo responsável, capaz de realizar as reformas preliminares de que carece a nação…”

Com a chapa JK-Jango eleita, a UDN tenta o golpe na justiça. Afonso Arinos tenta barrar a diplomação dos vencedores, argumentando que teria havido participação do PCB (ainda ilegal) na campanha dos eleitos.

Em novembro de 1955, percebendo as movimentações de um golpe orquestrado por setores civis (leia-se UDN) e militares, o general Henrique Lott põe em marcha o chamado “golpe preventivo”, garantindo a continuidade da legalidade no país.

JK consegue tomar posse e chegar ao final de seu governo, feito raro para a época. Nas eleições de 1960, a UDN decide apoiar Jânio Quadros, fenômeno político e então governador de São Paulo, mas que não fazia parte do partido.

Jânio, porém, renuncia à Presidência em agosto de 1961, jogando o país no caos. É nesse cenário que João Goulart (PTB), seu vice, torna-se presidente. Iria se tornar, na verdade. É declarado persona non grata para a segurança nacional por parte do Congresso, que se articula para impedir que o herdeiro de Vargas tome posse. Setores civis e militares quiseram impedir o cumprimento do texto constitucional. Havia o que se chamava de “veto militar” ao nome de Goulart.

No Rio Grande do Sul, começava a campanha pela legalidade, liderada por Leonel Brizola. Entre os legalistas, estavam o chefe do Exército naquela região, o general Machado Lopes. Circula a notícia que o II Exército, com sede em São Paulo, se encaminharia para o sul, de forma a desbaratar a resistência.

Havia o que se chamava de “veto militar” ao nome de Goulart.

A ameaça passa a ser não de um golpe civil-militar, mas de guerra civil. O Jornal do Brasil em editorial afirmava: “a expressão guerra civil é a única que cabe para definir o que pode acontecer, a qualquer momento, no Brasil”. Até o The New York Times alertava: “os oficiais do Exército brasileiro, que desafiaram sua Constituição e a vontade dos eleitores ao se recusarem a deixar João Goulart assumir a presidência, trouxeram seu país à iminência de uma guerra civil.”

O jornal Correio da Manhã se manifestou em editorial intitulado “Ditadura”, no qual dizia: “o manifesto dos ministros militares, coagindo o Congresso… é o golpe abolindo o regime republicano no Brasil. É a ditadura militar.”

O meio-termo encontrado foi deixar Jango assumir, mas castrado dos poderes presidenciais, graças a um parlamentarismo de ocasião. Era o golpe envergonhado. Voltavam-se a utilizar as velhas armas contra Jango: uma suposta conspiração internacional de caráter peronista, as supostas tendências comunistas do latifundiário e as alegações de corrupção.

O golpe ocorreu quase sem resistência, pois resistência não havia.

Em 1964, o deputado udenista Bilac Pinto afirmava, sem qualquer prova concreta, que Goulart preparava uma revolução, que o presidente organizava uma guerrilha armada no país. Aproveitando-se do ambiente caótico de 1964, em que se somavam a crise econômica e alta polarização política, fez-se o golpe civil-militar de 31 de março.
A suposta guerrilha de Jango, o suposto armamento em posse das Ligas Camponesas (o MST da época), a suposta infiltração comunista nas Forças Armadas, era tudo fantasia.

O golpe ocorreu quase sem resistência, pois resistência não havia. Deu-se um golpe, pois um golpe se queria dar desde 1951, pelo menos. A luta armada comunista, que jamais colocou em risco o governo brasileiro, só emergiu após a implementação da ditadura, não antes. Enfim.

Houve um tempo no Brasil no qual políticos civis não reconheciam o resultado das eleições, que não se conformavam com uma democracia na qual os eleitores elegem seus adversários.

Houve um tempo no Brasil no qual militares de alta patente se arvoravam o direito de falar de política. Tempo em que generais ameaçavam não reconhecer o resultado das urnas, caso o eleito não fosse do seu agrado.

Às vésperas das eleições de 2018, o cenário se repete.