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A tutela inibitória diante das afrontas e inverdades divulgadas nas redes sociais

Por Rogério Tadeu Romano*

O que fazer diante de divulgações que falseiam a verdade divulgadas em redes sociais, e que não merecem a necessária checagem por parte de veículos de divulgação?

Aliás, o eminente ministro Celso de Mello pronunciou-se, recentemente, em artigo divulgado no blog Fausto Macedo, no Estadão:

“A anunciada supressão do modelo de “fact-checking” dará ensejo à proliferação da mentira, da fraude, da deturpação infamante da verdade e dos discursos de ódio e de intolerância, comprometendo, seriamente, ante a ausência de moderação de conteúdo, os valores básicos que regem a internet no Brasil

O grave retrocesso recentemente anunciado pelo CEO da META (empresa fundada originalmente como Facebook), Mark Zuckerberg, consistente no encerramento do sistema de verificação de fatos (“fact-checking”), terá como consequência inevitável a irresponsável liberação do discurso de ódio e de intolerância em suas redes sociais (gesto que foi tão infamemente celebrado pela extrema-direita em nosso País).”

Disse ainda o eminente ministro Celso de Mello, de tantas lições, demonstrando sua preocupação com o tema:

“Os ambientes digitais tornar-se-ão locais em que, sob o falso (e enganoso) pretexto de proteção à liberdade de expressão, praticar-se-ão abusos no exercício dessa franquia constitucional e cometer-se-ão fraudes e ilegalidades, fragilizando-se (ou até mesmo suprimindo-se) direitos e liberdades fundamentais que protegem o patrimônio moral das pessoas, a integridade da ordem jurídica do Estado e a defesa de minorias e de grupos vulneráveis!

Afinal, como ainda disse o ministro Celso de Mello, “fragilizar, quando não suprimir, o poder de moderação de conteúdo, com a eliminação da checagem de fatos, importa em favorecer a disseminação do discurso de ódio, em fomentar a intolerância, em comprometer os princípios e diretrizes que regem as redes sociais e, ainda, em frustrar as atividades das plataformas digitais, destinadas, por imperativo legal, a fornecer serviços e espaços seguros e íntegros no âmbito da Internet.”

Mister lembrar da chamada tutela inibitória.

Tem-se do Código de Processo Civil de 2015:

Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.

Art. 499. A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

Observo o artigo 84 do CDC:

  1. 84.Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
  • A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
  • A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil).
  • Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.
  • O juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
  • Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

Tanto o art. 84 do CDC, quanto o art. 497 do CPC, na linha do antigo 461 do CPC revogado, abrem oportunidade para o juiz ordenar sob pena de multa ou decretar medida de execução direta (por exemplo, a busca e apreensão), no curso do procedimento ou na sentença. Portanto ainda a tutela inibitória deve se ligar necessariamente à ordem sob pena de multa, exijindo mecanismos inibitórios ou de remoção de ilícito, como interessam ao direito do consumidor, ao direito ambiental, por exemplo

Trata-se de uma tutela preventiva de cunho mandamental.

A efetividade do processo, com a aplicação da chamada tutela mandamental é visível, aí, sim, com a aplicação do Marco Civil da Internet, princípio da legalidade, diante de suas sanções diante dos evidentes danos trazidos à sociedade por essa atuação que afronta à cidadania por partes de sites que assim atuem.

Ali se vê com relação às sanções que ali são prescritas:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

  • 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
  • 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. da Constituição Federal.
  • 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.
  • 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º , poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

…..

Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.

Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.

Prescreve o marco civil a indispensabilidade de ação judicial ao dizer, repita-se:

“…. o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”

Tal responsabilização deverá se dar por uma ação inibitória.

Disse-nos Marinoni (Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito): “A ação inibitória pode atuar de três maneiras distintas. Em primeiro lugar para impedir a prática de ilícito, ainda que nenhum ilícito anterior tenha sido produzido pelo réu. Essa espécie de ação inibitória foi a que encontrou maior resistência na doutrina italiana. Isso é explicável em razão de que essa modalidade de ação inibitória, por atuar antes de qualquer ilícito ter sido praticado pelo réu, torna mais árdua a tarefa do juiz, uma vez que é muito mais difícil constatar a probabilidade de o ilícito sem poder considerar qualquer ato anterior do que verificar a probabilidade da sua repetição ou da continuação da ação ilícita.

Como se vê, o problema das três formas de ação inibitória é ligado diretamente à prova da ameaça. Enquanto duas delas – a que visa inibir a repetição e a que objetiva inibir a continuação –, ao se voltarem para o futuro, e assim para a probabilidade da repetição ou da continuação, podem considerar o passado, ou seja, o ilícito já ocorrido, a outra não pode enxergar ilícito nenhum no passado, mas apenas atentar para eventuais fatos que constituam indícios de que o ilícito será praticado.

A ação inibitória diz respeito à ação ilícita continuada, e não ao ilícito cujos efeitos perduram no tempo.

Nessa hipótese, há como usar a ação inibitória, pois o juiz pode impedir a continuação do agir.

A postulação de pedido de sentença mandamental (ordem sob pena de multa) é a hipótese que teria a União Federal para definir a grave questão do uso de violência nas redes sociais, desde que atendidos os parâmetros estabelecidos em lei, como visto.

As sentenças proferidas, em ações inibitórias, são aptas a produzir coisa julgada material, ao contrário das ações cautelares, onde nelas o juiz cinge-se pela aparência (fumaça de bom direito). Há cognição exauriente na sentença formulada para a tutela do art. 497 do CPC de 2015, tal qual há, no mandado de segurança.

Na tutela inibitória, hábil a ser utilizada há cognição exauriente, com base em certeza. Adota-se o rito ordinário com intervenção de terceiros, reconvenção ou ação declaratória incidental, incidindo o art. 802, p. único, II, para contestar, combinado com o art. 930, p. único.

A tutela inibitória é imposta, por sentença, ou por tutela antecipada, em que se ordena sob pena de multa, meio de coerção indireta, imposta de acordo com a capacidade econômica do demandado e de forma progressiva (ilícito continuado). Há mandamentalidade quando o juiz manda forçando. Há uso de meios de coerção para forçar o devedor adimplir.

A multa, quando fixada na tutela antecipada, tem eficácia imediata e pode ser imposta de ofício. De toda ordem, não paga, deve ser objeto de execução por quantia certa.

Diversa é a situação com relação às prestações estatais normativas, diante de um não fazer. A tutela antes prevista no art. 461 do CPC de 1973, de forma alguma, substitui a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103 da CRFB), cujos legitimados são outros e o mandado de injunção, cuja medida serviria, a exemplo da primeira ação, para certificar o Poder omisso para que adote providências regulamentadoras, descabendo a fixação de prazo para o suprimento da omissão, quando não for o próprio órgão omisso o sujeito passivo do direito cujo exercício está obstado por falta de norma regulamentadora ( MI n.º 361, v. m, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 08.04.94, em RDA, 1976).

Dir-se-á que o berço das medidas constritivas do art. 461 do CPC está na equity. No entanto, lembro que Ovídio B. da Silva, aduz ser inevitável a comparação entre a concessão de interditos pelo pretor romano e a equity inglesa. Mesmo os writs da common law são fruto da influência dos interditos romanos.

Sobranceiro está o pensamento de Galeno Lacerda, sobre o vínculo entre writs e interditos romanos, aludindo, inclusive, à semelhança das fórmulas latinas, em que claramente se criam remédios sumários. Não resta dúvida, entretanto, que foi, na Inglaterra, em 1830, que se conferiu às cortes de equidade o poder para, em caso de descumprimento da prestação ordenada, autorizar a prestação de fato por terceiro, por conta do réu, nos moldes da estrutura sub-rogatória, que empregamos no art. 461 do CPC. Nesse particular, percebe-se a nítida influência dos interditos com a injunction, ordem do órgão judiciário a alguém para que pratique um ato específico ou deixa de praticar, seja em conflitos públicos ou privados. A eficiência do caráter pessoal da injunction é assegurar através da ameaça de sancionamento por contempt of court, sempre que há desobediência.

A injuction, no direito anglo-americano, decorre da sua possibilidade de ajuste a diversas necessidades, vinculando-se como uma proibitory e uma mandatory. Temos daí, inibitórias positivas, quando se receia a reiteração de omissão e inibitórias negativas, contra prática, repetição de conduta comissiva.

Na forma específica, os artigos 461 do Código de Processo Civil de 1973, do artigo 497 do CPC de 2015 e 84 do CDC permitem a postulação das sentenças mandamental (ordem sob pena de multa) e executiva (determinação de que o fazer seja prestado por um terceiro às custas do réu).

Como ensinou Luiz Guilherme Marinoni (Tutela Inibitória, 2ª edição, pág. 55 e seguintes) a tutela inibitória é corolário de um princípio geral de prevenção e é um aporte da nova tutela jurisdicional preventiva.

Aliás, como ensinou Marinoni, a efetividade da tutela preventiva está na dependência da possibilidade de impedir o ilícito (ou sua continuação ou repetição). Assim torna-se imprescindível a possibilidade do uso da multa, como meio de coerção capaz de convencer o réu a não fazer ou a fazer, conforme se tenha a ação ou a omissão.

Aliás, o tempo necessário ao término do processo de conhecimento é complemente incompatível com as situações de direito material que exigem tutela preventiva. Tal é o caso de atuações pela web que tragam graves riscos à formação educacional dos jovens, por exemplo, ou afrontem a verdade dos fatos, sob o pretexto de um exercício de uma liberdade inexistente e que repugna a ordem social.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

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