“Nós somos realmente contrários a qualquer tipo de abertura no Rio Grande do Norte”. A afirmação é do neurocientista e um dos coordenadores do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, professor Miguel Nicolelis, e foi feita durante coletiva de imprensa realizada nesta sexta-feira, 3, por videoconferência.
A entrevista teve como objetivo a apresentação do Boletim nº 9, publicado ontem, 2, pela Comissão, e contou ainda com a participação de Sérgio Rezende, que também é coordenador.
Durante a coletiva, Miguel Nicolelis respondeu que o Comitê não recomenda liberação no RN. “O Estado ainda tem uma sobrecarga do sistema de saúde importante acima de 90%, quase 100%. Os índices ainda são muito altos”, disse.
“Nós temos clara determinação de que esta abertura é injustificável”, acrescentou.
O posicionamento do Comitê vai, justamente, na contramão da abertura econômica. “Pelo contrário, nós reenfatizamos a necessidade de ampliar o isolamento social, bloqueios na BR-101, bloqueios de barreira sanitária, estudos de controle de fluxo, principalmente de Natal, para a grande Natal e para Mossoró. Nós reiteramos que as cidades da Grande Natal, como por exemplo, Macaíba, São Gonçalo do Amarante, Parnamirim, ainda tem índices de crescimento muito importantes do vírus e crescimento de pacientes graves. Então, ainda não há justificativa alguma para abertura no Estado do Rio Grande do Norte”, ressaltou o coordenador
Esse ponto de vista já estava explícito no boletim publicado ontem, que mencionou o crescimento de casos e a taxa de ocupação de leitos de UTI, afirmando não entender quais critérios epidemiológicos e clínicos têm sido usados pelo para justificar uma reabertura, mesmo que gradual, de lojas e outras atividades econômicas na capital do Estado.
A análise faz ainda um paralelo com o estado norte-americano do Texas, para exemplificar que qualquer relaxamento prematuro do isolamento social nos municípios onde a pandemia ainda não está controlada, como em Natal e Mossoró, citados no documento, pode ocasionar, invariavelmente, efeitos desastrosos.
“No caso específico de Natal, a ocorrência de um fluxo de casos graves, provenientes do interior do estado, pode gerar um colapso completo do sistema hospitalar da cidade. Vale ressaltar também que pelo menos um município da região metropolitana de Natal, São Gonçalo do Amarante, ultrapassou o nível crítico de 1.000 casos por cem mil habitantes”, afirma o boletim.
No diagnóstico sobre o RN, o Comitê afirma que é necessária uma completa reversão do plano de flexibilização tanto por parte do Governo do RN, quanto pela Prefeitura de Natal, para evitar o agravamento considerável da situação. “Com ocupação máxima de leitos de UTI em Natal e Mossoró (e provavelmente em outras cidades cujos dados não chegaram a este comitê) por várias semanas, não é concebível que qualquer tipo de afrouxamento do isolamento seja sequer considerado, muito menos implementado”, diz trecho do documento.
No diagnóstico, o Comitê defende ainda medidas mais rígidas de isolamento, testagem e rastreamento de contatos de pacientes infectados. “A possibilidade de se estabelecer um lockdown de todo o estado, bem como o fechamento intermitente das fronteiras do estado com o Ceará e a Paraíba também deveria ser considerada imediatamente”, finaliza o diagnóstico.
Interiorização da pandemia pode causar ‘efeito bumerangue’ no Nordeste
O Boletim divulgado ontem pelo Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste chama a atenção para o processo de interiorização dos casos de Covid-19.
De acordo com o documento, em 15 de abril havia 112 microrregiões do Nordeste com menos de 50 casos confirmados. Pouco mais de dois meses depois, em 20 de junho, somente seis microrregiões apresentavam esse cenário. “Esta interiorização crescente se manifesta também nos valores do fator de reprodução (Rt) calculados para cada estado nordestino, uma vez que na maioria dos casos estes valores se apresentam muito mais altos em cidades interioranas do que nas capitais.”
Além disso, segundo as informações, as análises das curvas de crescimento de casos e óbitos das áreas metropolitanas de cada capital e do interior de cada unidade federativa do Nordeste revela um crescimento maior desses indicadores nas regiões do interior.
A combinação desses fatores, entre outros mencionados no documento “indicam que tanto a região Nordeste, bem como todo o Brasil, pode estar à beira de experimentar o que foi designado como ‘efeito bumerangue’”, menciona o boletim.
“Nesta condição, o aumento de casos no interior dos estados resulta num fluxo de pacientes em estado grave para as capitais dos estados, uma vez que estas são as únicas que dispõem da infraestrutura hospitalar adequada (como leitos de UTI) para tratar destes casos. Apesar de terem experimentado uma redução temporária nas taxas de ocupação de leitos de enfermaria e UTI recentemente, todas as capitais brasileiras podem se deparar com o cenário no qual uma verdadeira avalanche de casos graves, advindos do interior, voltariam a produzir uma sobrecarga dos seus sistemas hospitalares, ameaçando-os com um colapso em um intervalo de tempo muito curto”, alerta o Comitê Científico sobre o Nordeste de modo geral.
Comitê orienta estados sobre medidas de enfrentamento à pandemia
Entre as iniciativas citadas para atenuar o cenário de risco, o órgão orienta instituição imediata de medidas mais rígidas de isolamento social (lockdown) e/ou reversão de planos de flexibilização do isolamento em localidades que apresentem curvas crescentes ou em platô com patamares elevados de casos e óbitos, com fator de reprodução (Rt) acima de 1 e que tenha excedido a taxa de ocupação de 80% de leitos (enfermaria e/ou UTI).
“O afrouxamento só pode ser cientificamente justificado por um Rt sensivelmente abaixo de 1, com curvas de casos e óbitos apresentando quedas consistentes e de grande monta por mais de 14 dias, e com uma taxa de ocupação de leitos (enfermaria e/ou UTI) ao redor de 70%, como preconizado por este comitê”, reforça.
Outras medidas indicadas são instituição de barreiras sanitárias ou de bloqueios temporários do tráfego não essencial e a implementação imediata de Brigadas Emergenciais de Saúde em todos os estados do Nordeste, que permitiria a busca ativa dos casos nas fases iniciais, nos locais onde o vírus ataca – residências, locais de trabalho – em todos os municípios e em todos os bairros.
O Comitê orienta ainda a adesão dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco ao aplicativo Monitora Covid19 e à Matriz de Risco proposta pelo órgão, a fim de que haja uma estratégia sincronizada regionalmente no combate à pandemia o mais rápido possível.
O documento contém uma análise detalhada da situação atual. Leia o boletim na íntegra:
https://drive.google.com/file/d/1IsrwNcmKWdouXAX8uYZmI6-Dyt1rDg9t/view