Categorias
Crônica

Ciência ou crença

Por Marcelo Alves Dias de Souza*

Já faz algum tempo que Rubem Alves, em “Filosofia da ciência: introdução ao jogo e suas regras” (Editora Brasiliense, 1981), nos advertiu: “O cientista virou um mito. E todo mito é perigoso, porque ele induz o comportamento e inibe o pensamento. Este é um resultado engraçado (e trágico) da ciência. Se existe uma classe especializada em pensar de maneira correta (os cientistas), os outros indivíduos são liberados da obrigação de pensar e podem simplesmente fazer o que os cientistas mandam. Quando o médico lhe dá uma receita você faz perguntas? Sabe como os medicamentos funcionam? Será que você se pergunta se o médico sabe como os medicamentos funcionam? Ele manda, a gente compra e toma. Não pensamos. Obedecemos”. E isso vale não só para a medicina e os seus profissionais/“cientistas”. “Os economistas tomam decisões e temos de obedecer. Os engenheiros e urbanistas dizem como devem ser nossas cidades, e assim acontece”, ainda anota o grande educador. E o mesmo se dá com o direito e os seus “juristas”, acrescento eu.

Tendo a concordar em parte com Rubem Alves. Não acredito que o cientista – e, sobretudo, o suposto cientista, que apenas arrota um “conhecimento” sustentado por um diploma – seja uma pessoa que necessariamente pensa melhor do que as outras. Costumo, quando recebo uma receita, fazer algumas perguntinhas. É sempre bom saber como um remédio ou uma vacina funcionam.

Todavia, acredito que hoje estamos vivendo um mundo perigosamente ao contrário, onde se dá palpite, passando bem longe do senso comum disciplinado e refinado, sobre quase tudo que deveria ser tratado “cientificamente”.

Quantas vezes não estamos em uma festa barulhenta, com quatro doses de uísque já animando o juízo, e alguém, invariavelmente leigo em direito, vem com essa: “E o Supremo, hein?”. E começa o rosário de afirmações que não guardam base senão nas crenças da própria pessoa ou da sua “bolha”, para usar a expressão consagrada por Peter Sloterdijk (1947-). Hoje mais do que nunca, como lembra Aécio Cândido em “Conhecimento, conhecimentos – como sabemos o que sabemos” (Edições UERN, 2021), “as pessoas organizam sua percepção e a comunicação desta segundo algumas matrizes de raciocínio, formadas pelo conjunto daquilo em que elas acreditam e têm como assertivas verdadeiras. As pessoas possuem crenças religiosas, políticas e morais; elas estão impregnadas de alguns medos ilógicos e de muitas certezas duvidosas. Ao comunicar um ponto de vista, elas expressam essas convicções. Na interlocução, em razão da empatia criada e por outras razões, nem sempre se analisa criticamente o que é dito”.

Com a Internet, o que era um papo de bêbado chato, tornou-se um problema cósmico. Não se estuda o assunto; não se lê acerca dele, sequer. E “viver sem ler é perigoso. Te obriga a crer no que te dizem”, já alertava a Mafalda do cartunista Quino (1932-2020). Repetem-se as asneiras de bolhas cheias de “idiotas da aldeia”, como dizia Umberto Eco (1932-2016), dando e recebendo mais do mesmo, insuflando crenças e preconceitos que passam longe da verdade. As leis da imitação, de Gabriel Tarde (1843-1904), no que têm de mais negativo, jamais encontraram terreno tão fértil como no esgoto iletrado do Twitter, WhatsApp, Telegram e assemelhados.

Não acredito que o especialista seja infalível. Longe disso. Mas acho que devemos ser mais conscientes nesse ponto. Devemos ser mais “filosóficos” nos sentidos leigo e técnico desse termo. Saber se o raciocínio que estamos recebendo/tendo é mesmo minimamente científico ou não passa de uma crença. José Souto Maior Borges, em “Ciência feliz” (Editora Noeses, 2021), afirma que “nenhum sistema científico – refiro-me às ciências especializadas, ditas naturais e culturais – pode ser construído sem o sustentáculo da Filosofia”. E complementa Inês Lacerda Araújo em “Introdução à Filosofia da Ciência” (Editora UFPR, 1998): “A ciência, o conhecimento científico, seus métodos, suas explicações e, ainda, os resultados da pesquisa aplicada, marcam nossa época. A filosofia, como referencial necessário do pensamento crítico, tem na ciência um tema fundamental. Cabe ao filósofo pensar sobre que tipo de conhecimento é o conhecimento científico, seu alcance e validade”.

*É Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

 

Categorias
Artigo

A função social das universidades na superação da crise

Por Aldo Fernandes de Sousa Neto*

Inegável a importância das universidades na formação de uma sociedade evoluída, as quais desempenham funções imprescindíveis para o desenvolvimento humano. Com atuação, notadamente, na busca de inovações nas mais variadas áreas, instigam e incentivam estudantes a produzirem novos conhecimentos e aplicá-los à realidade social.

Trazendo para o nosso município, observamos a intenção do Governo da Prefeita Rosalba Ciarlini que, visando a inserção rápida dos novos profissionais no mercado de trabalho, possibilitou, através de suas secretarias, parcerias com intuito de fomentar as atividades acadêmicas nas atividades desenvolvidas pelo município. Como exemplo dessa prática, foram desenvolvidas pesquisas de impacto econômico em eventos culturais, produção e implantação do Processo Eletrônico, através da Secretaria do Planejamento.

Referidas práticas auxiliam na inclusão social da academia, somada ao fato de que as universidades devem ser capazes de retribuir os investimentos recebidos da comunidade, através de estudos, pesquisas e projetos de extensão alinhados com as necessidades da comunidade que abrange.

Neste período de calamidade pública, percebemos as posturas ágeis de várias universidades, rompendo os espaços físicos das salas de aula e desenvolvendo, através de suas técnicas, insumos e produtos visando combater o coronavírus.

Em Mossoró, o Executivo, mais uma vez, através de parceria, teve o auxílio da universidade pública no monitoramento na aplicação das vacinas em suas unidades básicas de saúde.

É possível perceber a solidariedade e sensibilidade da academia que, através da pesquisa científica tem tentado fazer a diferença em várias áreas, tais como: fabricação de máscaras para profissionais da área de saúde, álcool em gel, respiradores artificiais, anticorpos de tre outros, com baixo custo e resultado satisfatório.

A atitude, além de tornar os produtos mais acessíveis à comunidade, fortalece a inclusão social da academia, exercendo verdadeira função social.

Este cenário permite projetar uma inclusão mais efetiva das universidades no contexto do mundo corporativo, à exemplo das startup´s, possibilitando seu comprometimento na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

*É Advogado.

Categorias
Matéria

Mossoroense se torna o primeiro doutor em jornalismo do Nordeste formado no Brasil

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas

Jornalista com passagens marcantes no Jornal De Fato e Gazeta do Oeste onde liderou equipes vitoriosas e premiadas, William Robson Cordeiro conseguiu um feito histórico para Rio Grande do Norte ao se tornar o primeiro doutor em jornalismo do Nordeste com formação em universidade brasileira.

Aluno da segunda turma, do primeiro doutorado em jornalismo do país, PÓSJOR da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), William defendeu a tese “Hiperinfografia: uma proposta para o infográfico de quarta geração”.

William é graduado em comunicação social com habilitação em jornalismo pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e mestre em jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). “Esse é o único doutorado em jornalismo da América Latina e eu fui o primeiro nordestino a entrar no curso”, frisou.

Sobre o trabalho ele disse que foi fruto de muito esforço. “Não foi fácil, teve muita renúncia, muita luta e esperança. Mas tenho orgulho de ser o primeiro doutor em jornalismo do Nordeste, proveniente de uma universidade brasileira. Feliz e disposto a seguir com os desafios da pesquisa no campo”, declarou nas redes sociais.

Ele foi orientado pela professora Raquel Ritter Longhi.

O segundo doutor em jornalismo do Nordeste com formação no Brasil também será do Rio Grande do Norte. Edwin Carvalho está concluindo sua pesquisa sobre o ensino de jornalismo nos países de língua portuguesa na África.

Nota do Blog: a maioria dos jornalistas que buscam uma pós-graduação precisam recorrer a áreas afins. Esse que vos escreve, por exemplo, precisou fazer mestrado em ciência sociais e humanas para dar sequência aos estudos.

Categorias
Artigo

Os saberes não tiram férias

Por Cezar Britto

O Brasil escolheu o mês de janeiro para, tradicionalmente, dedicar um espaço no calendário para as férias escolares. Esses encontros anuais, mesmo quando interrompidos nos desgastantes momentos de garimpagem dos caríssimos livros escolares, são aguardados com certa ansiedade. Viajando ou não, os pais e as mães recebem de volta as suas crias, dando uma pausa na terceirização da transmissão dos saberes. Em tese, os educadores originais reencontram, por livres quereres ou impostos deveres, a filharada e reassumem as tarefas antes, em parte, delegada aos professores e às professoras. E assim, como ocorrera no período letivo, as férias escolares servem de aprendizado coletivo e mudança no patamar de relacionamento.

As atuais férias têm sido especiais fontes de conhecimento e mudança. O Brasil, entre discursos, multidões, soltados, armas, gestos e ameaças de sangrar o verde-oliva da bandeira, anotou no Livro de Posses o nome do seu 38º presidente. Neste ato, sob o pesado esquema de segurança, entre gestos de mãos simbolizando tiros, a cidadania brasileira aprendeu, via delicados movimentos emanados da tradicionalíssima figura da primeira-dama, a importância educacional e inclusiva da Linguagem Brasileira de Sinais – Libras. Michelle Bolsonaro divulgara, de forma inédita, a Lei 10.436/2002 e o Decreto 5.626/2005, assinados pelos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, subscritos pelos seus respectivos ministros da Educação Paulo Renato e Fernando Haddad.

A surdez governamental que se prendia modificada, entretanto, não entrou em férias. A notícia da extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, uns dos primeiros atos anunciados pelo atual encarregado da política educacional brasileira, exemplifica o que a estudantada encontrará na volta às aulas. Estranhará, certamente, que os novos livros didáticos não terão mais compromisso com a pluralidade que integra a alma brasileira em suas diversas manifestações culturais, sociais, éticas, étnicas e regionais, tampouco com o combate à violência contra as pessoas vulneráveis. A linha educacional será única: a imposição ideológica do pensamento de que todas ideologias são pecaminosas, salvo a própria ideologia dos governantes.

Daí a razão da verberação contra os livros de História e de Ciência. Afinal, para os “novos ideólogos” não há sentido ensinar que a “terra gira em torno do sol”, que “São Jorge não mora na lua”, que a ciência descobre ou que a evolução da espécie é fenômeno científico natural. Pregam a morte de Caio Prado, Capistrano, Carlos Chagas, Copérnico, Celso Furtado, Oswaldo Cruz, Dante de Alighieri, Darcy Ribeiro, Darwin, Descartes, Diderot, Erasmo de Roterdã, Galileu, Giordano Bruno, Hobbes, Kant, Kepler, Lattes, Locke, Lutz, Milton Santos, Pascal, Paulo Freire, Rousseau, Sêneca, Sócrates, Voltaire, Zerbinie, todos aqueles que têm no saber a melhor forma de ensinar a vida. Pretendem, ao que se percebe, um remasterizado Index Librorum Prohibitorum, Edição MEC 2019.

Mas não apenas no campo dos livros e das disciplinas os estudantes poderão encontrar mudanças no retorno às aulas. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos advertiu que prefere as vestimentas azuis ou rosas, pois entende que deve ser banido para o “Mármore do Inferno” o “pecaminoso pensamento colorido, plural ou simplesmente diferente”. Lembrei-me, entristecido, de Catarina, filha da minha amiga Ana Paula Barreto, que poderá ser convidada a “jogar” na medieval fogueira da “nova ideologia” a camiseta vermelha, o short colorido e a bola de futebol que, orgulhosamente e em pose campeã, exibia em pura força feminina e feminista na foto enviada a mim pela mãe. Aliás, a bola que exibia na foto, mesmo rosinha, será um objeto de museu, pois, segundo os “novos ditames educacionais”, os únicos passatempos permitidos às meninas serão os famosos fogõezinhos, panelinhas, bonequinhas e outros brinquedinhos bonitinhos destinados a transformá-la em uma eficiente dona do lar.

Paulo Freire, um dos condenados a padecer no fogo ministerial, certa vez disse que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. O mês de janeiro de 2019 começou criando várias dessas possibilidades de ensino, desde aquelas repassadas em família, reveladas nos livros não proibidos, adquiridas dos mestres, vividas em aprendizados próprios ou as conquistadas nos saberes mediatizados pelo mundo. Também trouxe dessaberes já impostos em trevas, destruições de histórias produzidas e desconstruções de conceitos evolutivos. Mas nesta equação de avanços e recuos já esparramada na prancheta do tempo, já aprendemos, precocemente, que quando cessarem as folgas escolares, ressurgindo os matulões estudantis, os saberes seguirão e estarão em disputa, até porque eles nunca tiraram férias.