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Uma possível afronta à democracia

Por Rogério Tadeu Romano*

Destaco o que foi dito, em síntese, pela revista Veja em excelente reportagem:

“O senador Marcos do Val (Podemos-­ES) confirmou a VEJA que participou da reunião com Jair Bolsonaro e o deputado federal Daniel Silveira no dia 9 de dezembro do ano passado. Na ocasião, o então presidente pediu que ele gravasse conversas do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral. O plano era flagrar o magistrado em alguma inconfidência ou indiscrição  e usar o material como argumento para anular as eleições, impedir a posse de Lula e manter o ex-capitão no poder.”

Disse ainda Marcos do Val à Veja;

“A ideia era que eu gravasse o ministro falando sobre as decisões dele, tentar fazer ele confidenciar que agia sem observar necessariamente a Constituição. Com essa gravação, o presidente iria derrubar a eleição, dizer que ela foi fraudada, prender o Alexandre de Moraes, impedir a posse do Lula e seguir presidente da República. Fiquei muito assustado com o que ouvi.”

Qual a sua reação no momento em que recebeu a proposta de gravar o ministro? Na hora, eu disse que aquilo era ilegal. Que gravações sem autorização judicial poderiam configurar crime. Nunca compactuei com atos radicais ou extremistas.”

Chama-se gravação ambiental aquela realizada no meio ambiente, podendo ser clandestina, quando desconhecida por um ou por todos os interlocutores, ou autorizada, quando com a ciência ou concordância destes ou quando decorrente de ordem judicial.

Dir-se-á que as gravações clandestinas, em princípio, são ilegais, na medida e quando violarem o direito à privacidade e ou a intimidade dos interlocutores, razão pela qual, como regra, configuram provas ilicitamente, pelo que serão inadmissíveis no processo.

Como disse Eugênio Pacelli (Curso de processo penal, 16ª edição, pág. 337) em relação às gravações de conversas feitas por meio de gravadores, de câmaras de vídeo, ou por qualquer outro meio, sem a ciência de algum dos interlocutores, já que, ao menos relação a ele, haverá clandestinidade na captação da comunicação e, assim, violação ao direito.

Quando um dos interlocutores promove a gravação da conversa sem o conhecimento do outro, a ilicitude não ocorrerá, efetivamente, do fato da gravação.

Para que seja válida a revelação da gravação feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, é mister que esteja presente situação de relevância jurídica que chama-se de justa causa, a teor do artigo 153 do Código Penal, que estabelece ser crime a a divulgação do conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor sem justa causa.

A justa causa diz respeito a uma motivação que possa validamente ser reconhecida pelo Direito, como é o caso do estado de necessidade, causa de justificação de conduta tipificada penalmente. Justa causa poderá ocorrer, como ainda ensinou Eugênio Pacelli (obra citada, pág. 339, quando a revelação do conteúdo se destinar a provar o fato cuja existência seja relevante para a defesa do direito daquele que promoveu a gravação.

No acórdão exarado na QO-RG RE 583.937/RJ tem-se que desde que não haja causa legal de sigilo, “é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro” (Tema 237).

Pacificou-se nos Tribunais Superiores o entendimento de que a gravação ambiental feita por um dos interlocutores é valida como prova no processo penal, independentemente de prévia autorização judicial. Precedentes do STJ e do STF.

Assim se tem:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO PENAL. LICITUDE DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA EM REPERCUSSÃO GERAL. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO ART. 5º, INCS. LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE OFENSA CONSTITUCIONAL DIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

(ARE 933530 AgR, Relator (a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 01/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-048 DIVULG 14-03-2016 PUBLIC 15-03-2016).

Falar-se-ia em conspiração que uma combinação entre duas ou mais pessoas físicas com o objetivo de lesar outrem em algum momento futuro, e, em alguns casos, com pelo menos um ato secreto para fomentar essa combinação.

Ora,a lei brasileira não tipifica o crime de conspiração (exceto no caso específico de militares que planejam armar motim ou revolta).

Aliás, Projeto de Lei 500/19 pretende incluir no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) o crime de conspiração, quando duas ou mais pessoas se articulam para a prática de delitos e iniciam tarefas com este objetivo. Segundo o texto, a pena será a mesma do crime conspirado, reduzida de 1/(Agência Cãmara de Notícias).

É dever do estado brasieiro investigar esse fato em todas as suas circuntãncias de materialidade e autoria.

Além de colocar o Brasil como um pária internacional o que se quis foi manter-se no poder através de ato gravíssimo.

Tem-se para o caso o crime contra ordem democrática  consubstanciado na tentativa de golpe de Estado.

O crime mais adequado é o do artigo 359-L, incluído no Código Penal pela Lei nº 14.197/21, que descreve a conduta de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, com pena é de 4 a 8 anos, “além da pena correspondente à violência. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, caracterizando o crime comum. O sujeito passivo é a sociedade e o Estado.

Quanto à tipicidade objetiva, trata-se de delito de forma livre de mera conduta. Incrimina-se a conduta de tentar depor governo legitimamente constituído, o que significa governo eleito democraticamente, conforme as regras constitucionais, e devidamente diplomado.

Este crime não admite forma tentada.

A ação pode vir por violência ou ameaça, que há de ser séria, objetivando, inclusive, restringir o exercício de um poderes da República, para o caso o Judiciário.

A ameaça deve ser realizável, verossímil, não fantástica ou impossível. O mal prometido, segundo forte corrente, entende que o mal deve ser futuro, mas até iminente, e não atual. Só a ameaça séria e idônea configura esse crime.

O crime é de perigo presumido.

Mas, seria mister comprovar que o ex-presidente tinha o dominio do fato a fim de ser tratado como coautor e grande beneficiário do ato em tela nocivo á democracia.

Caso o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro continue no exterior a alternativa do atual governo é pedir sua extradição no país em que estiver.

A extradição é um processo pelo qual um Estado solicita e obtém de outro a entrega de uma pessoa condenada por infração criminal ou ainda suspeita de sua prática.

Atento a lição de Gilda Maciel Corrêa Meyer Russomano(Aspectos da extradição no direito internacional público, Rio de Janeiro, José Konfino Editor, 1960, pág. 10) registro cinco elementos para caracterizar a extradição: a) o Estado que a requer; b) o Estado requerido; c) o individuo procurado ou já julgado no Estado requerente; d) a presença física desse indivíduo no território do Estado requerido; e) a entrega efetiva do reclamado.

Não se descarta, à luz do artigo 312 do CPP, para a garantia da ordem pública e correta investigação de solicitação de pedido de prisão preventiva à autoridade competente.

Ali das pessoas ali mencionadas na reportagem, enfim, será caso de investigar possível envolvimento seja de civis ou militares ali envolvidos nessa grave ameaça à democracia brasileira

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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A graça presidencial não é remédio rescisório: um caso concreto

Por Rogério Tadeu Romano

Está sendo por demais debatida nos meios jurídicos a graça, indulto individual, concedido pelo presidente da República a um deputado federal.

A graça é instituto próprio da execução penal e se caracteriza por ser uma forma de extinção de punibilidade.

Como disse Hélio Tornagh(Curso de Processo Penal, 1980, volume II, pág. 445) “ a graça se recomenda por ato de heroísmo, por serviço de alto valor, pela necessidade de amparar a família do condenado, por alguma razão de Estado e por inúmeros outros motivos de grande valor social”.

Fala-se então em condenado, apenado, o que leva em conta que a decisão condenatória tenha trânsito em julgado, pelo menos, para a acusação.

Sem a existência de uma pena, em processo penal, transitada em julgado não se pode falar em graça, perdão individual, que se distancia do indulto coletivo.

Como disse o ministro Moraes em despacho proferido no âmbito da AP 1.044: “A análise da possibilidade ou não de extinção de punibilidade pela concessão de indulto individual, antes da publicação do necessário Acórdão condenatório, ou mesmo, antes do trânsito em julgado é necessária, pois, em que pese a doutrina ser amplamente majoritária quanto ao cabimento da graça e do indulto somente após o trânsito em julgado da sentença condenatória (DAMÁSIO DE JESUS. Código Penal anotado, 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, fls. 406-408; CEZAR ROBERTO BITENCOURT. Tratado de Direito Penal : Parte Geral. 16 ed. Fls. 804/805; EUGENIO RAÚL ZAFFARONI e JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI. Manual de Direito Penal Brasileiro [livro eletrônico] : Parte Geral/4. ed. –São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2020; RENÉ ARIEL DOTTI. Curso de direito penal [livro eletrônico]:parte. Geral/2. ed. colaboração de Alexandre Knopfholz e Gustavo Britta Scandelari. — São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018; CRISTIANO RODRIGUES. Manual de Direito Penal.Indaiatuba/SP. Editora Foco. 2019, fl. 414; NORBERTO AVENA. Execução Penal – 5. ed., rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método. 2018, fls. 451-452; LUIZ REGIS PRADO. Curso de direito penal brasileiro, volume 1 [livro eletrônico] / 6. ed. – São Paulo:Mastersaf, 2018.e Execução Penal [livro eletrônico] – 2. Ed. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2017; RODRIGO DUQUE ESTRADA ROIG. Execução penal [livro eletrônico] : teoria crítica — 2. ed. — São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2022), há decisões do próprio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL entendendo possível a concessão de indulto, desde que, após a publicação da sentença condenatória, haja somente recurso da defesa pendente, tendo ocorrido trânsito em julgado para a acusação, como bem destacado pelo Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE:

“A apelação exclusivamente da defesa – e de nossa jurisprudência constante – não impede o indulto, nem é prejudicada pela concessão deste (v.g. RHC 50.871, 6.4.73, Bilac, RTJ 56/68; RE 87.819, 5.5.78, Moreira, RTJ 88/1038; HC 71.691, 9.8.94, Pertence, RTJ 156/152; HC 74.038, 3.9.96; Moreira, DJ 29.11.96); sendo “admissível, em tese, a aplicação do decreto de indulto coletivo, quando a condenação – embora pendente de recursos de defesa – , já não pode ser exasperada, à falta de recurso de acusação” ( HC 71.691-1/RJ, 1ª TURMA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, 9.08.94).”

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 2.795, o ministro Maurício Corrêa, em voto acolhido pelos seus pares, conceituou o indulto como “instrumento de política criminal colocado à disposição do Estado para a reinserção e ressocialização dos condenados que a ele façam jus, segundo a conveniência e oportunidade das autoridades competentes”.

O indulto, como perdão da pena, existe nos países civilizados, como, entre outros, Alemanha, França, Estados Unidos, Argentina, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Holanda, França, Portugal, Suécia e a Suíça.

Não servirá para ser um meio rescindendo, desconstitutivo, de decisões judiciais.

Como bem acentuou o ministro Carlos Mário Velloso, em artigo para o Estadão, em 24 de abril do corrente ano:

“No caso, o presidente da República tem competência para conceder indulto e comutar penas. Nessa atividade, entretanto, não pode desviar-se da lei, porque não vale a vontade do governante, vale a vontade da lei. Acresce que, sem a existência de uma pena legalmente fixada (a decisão pende de recursos), estaria perdoando uma pena inexistente, formalmente. E vai além, desviando-se da finalidade do ato, pratica abuso de poder, dado que o decreto presidencial constitui, simplesmente, tentativa – ao arrepio da cláusula pétrea da separação dos Poderes – de anular a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Ora, o que a Constituição outorgou ao presidente da República foi competência para conceder indulto. E o indulto nada mais é do que o perdão da pena formalmente imposta. É perdão que se concede para a realização de uma finalidade de interesse público, jamais para confrontar o Judiciário, jamais para corrigir a justiça ou injustiça da decisão judicial.”

Somente o Judiciário pode sustar ou desconstituir suas próprias decisões.

A graça, como indulto individual, não é forma de correção de decisões do Judiciário.

Para o caso, debruço-me com relação a chamada “correção” de decisões judiciais pelo que acabou sendo pelo Poder Executivo, nas mãos de um ditador.

Isso ocorreu sob a Constituição de 1937, que criou a possibilidade de se suspender mediante ato legislativo, decisão judicial que declarasse inconstitucionalidade de ato normativo. Isso deveria ocorrer através de uma resolução do Parlamento, aprovada por uma maioria qualificada de 2/3 dos votos (artigo 96).

Segundo Francisco Luiz da Silva (Diretrizes constitucionais do novo Estado Brasileiro, RF v. 72, n. 415/417, pág. 229, janeiro/março de 1938), tal necessidade se justificava com o caráter pretensamente antidemocrático da jurisdição, o que acabava por permitir a utilização do controle das normas como instrumento aristocrático de preservação do poder ou como expressão de um Poder Moderador.

Ora, como é sabido, a chamada faculdade confiada pela Constituição ditatorial de 1937, ao Parlamento, acabou sendo dada ao “ditador”, mediante a edição de decretos-leis (Constituição de 1937, artigo 180). Confirmada a sua inconstitucionalidade passaria o Supremo Tribunal Federal a reconhecer ipso iure a sua validade.

Isso estava previsto na chamada Constituição da Polônia, de 23 de abril de 1935.

Sobre isso, ensinou Karl Loewenstein sobre o direito americano (Verfassungsrecht und Verfassungspraxis der Vereinigten Staten, 1959, pág. 429), quando disse:

“Um outro mecanismo de limitação do poder da Corte Suprema assenta-se na possibilidade de nulificação dos efeitos da decisão mediante lei de alcance corretivo. Trata-se apenas de casos em que o Congresso manifesta divergência com interpretação conferida à norma pela Corte Suprema. Esse mecanismo não se aplica às hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de índole formal ou material. Nesses casos, apenas uma reforma constitucional mostra-se apta a solver o conflito…”

Contudo, como disse Karl Loewenstein, não se cuidou propriamente de “rejeição” da decisão da Corte Suprema(o que representaria a supressão da independência do Poder Judiciário), mas de posterior reforma constitucional resguardando-se íntegra a decisão da Corte Suprema.

Aliás, tem-se como exemplo que, em 1989, relativamente ao caso Texas vs. Jonhson, onde se apreciava o episódio de queima da bandeira nacional, deu-se a tentativa de nulificação da decisão da Corte Suprema pela edição de lei pelo Congresso. Posteriormente, como nos disse o ministro Gilmar Mendes, o próprio diploma congressual veio a ser impugnado pela Suprema Corte.

O presidente da República pode vetar projetos de lei, apresentar ao STF ações constitucionais para declarar normas inconstitucionais. Não pode é, por sua vontade, sustar uma decisão judicial.

No Brasil, como se observou, isso só se viu na concretude de uma Constituição antidemocrática.

Não se pode conceber um presidente da República querer anular, desconstituir, decisão judicial emanada da própria corte, sem que seja por via de habeas corpus ou recurso, por via própria, mas por uma ação de controle abstrato da inconstitucionalidade. Não se concebe um presidente da República, sob a Constituição de 1988, mediante ato de controle corretivo, anular decisão judicial.

Ensinou-nos o ministro Gilmar Mendes(Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, 2ª edição, pág. 321) que “embora a doutrina não tenha logrado explicitar a origem ou a fonte de inspiração imediata desse instituto, é certo que ele não estava previsto, nem implicitamente, na Constituição polonesa de 23-04-1935, uma vez que este texto sequer previa o controle de constitucionalidade. Parece mais correto que esse instituto possui referência na própria experiência constitucional norte-americana.”

Na verdade, a cassação da decisão judicial com eficácia retroativa outorga ao modelo de 1937 uma configuração realmente peculiar.

Disse então o ministro Gilmar Mendes, naquela obra, pág. 325:

“Parece que, diante de um modelo constitucional que consagra as chamadas “garantias de eternidade”, tal fórmula não poderia jamais ser estabelecida”.

Isso parece um absurdo.

Em sendo assim o decreto de graça presidencial, como ato administrativo, é suscetível de exame pelo Poder Judiciário, no intuito de verificar se houve desvio de finalidade, uma vez que o mérito(conveniência e oportunidade) pode ser avaliado, no sentido de saber se os motivos e o objeto do ato estão dentro da devida compatibilidade, proporcionalidade, moderação.

Em linhas gerais, o decreto de graça não susta os efeitos da decisão do Judiciário, pois não é uma “rescisória às avessas”, cujo objetivo seria desconstruir decisão judicial, algo que somente o Judiciário pode fazê-lo. É providência que visa a extinguir a punibilidade sem vinculação com os efeitos secundários da decisão, como a inelegibilidade.

Segundo o ministro Moraes, a jurisprudência do STF é no sentido de que o indulto e a graça ‘não apagam o ilícito nem suprimem as consequências de ordem penal, inclusive os efeitos penais secundários da sentença condenatória’.

“Ressalte-se, ainda, que, dentre os efeitos não alcançados por qualquer decreto de indulto está a inelegibilidade decorrente de condenação criminal em decisão proferida por órgão judicial colegiado, prevista no artigo 1º, inciso I, e da LC 64/90, com a redação dada pela Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, uma vez que, conforme pacificado pelo Tribunal Superior Eleitoral, ‘o indulto presidencial não equivale à reabilitação para afastar a inelegibilidade decorrente de condenação criminal, o qual atinge apenas os efeitos primários da condenação – a pena, sendo mantidos os efeitos secundários’”, registra trecho do despacho do ministro Alexandre de Moraes.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

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Uma concessão de graça inconstitucional 

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO

Noticiou o jornal O Globo, em 21 de abril do corrente ano, O presidente Jair Bolsonaro editou nesta quinta-feira um decreto que concede o instituto da graça ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a oito anos e nove meses de prisão.

Daniel Silveira foi condenado por ameaças e incitação à violência contra ministros do STF. A decisão foi tomada por dez votos a um.

“A graça de que trata este Decreto é incondicionada e será concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, diz o texto assinado por Bolsonaro. A medida “inclui as penas privativas de liberdade, a multa, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, e as penas restritivas de direitos”.

Ainda relatou o jornal O Globo, naquela notícia:

“O decreto afirma que a medida foi tomada considerando, entre outros pontos, “que a sociedade encontra-se em legítima comoção, em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão”.

— É uma notícia de extrema importância para a nossa democracia e a nossa liberdade. É um documento que eu comecei a trabalhar desde ontem, quando foi anunciada a prisão de oito anos e 10 meses (nove meses) ao deputado federal Daniel Silveira — declarou o presidente.”

II – A GRAÇA

Como revelou Guilherme de Souza Nucci(Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 532) graça ou indulto individuais é a clemência destinada a uma pessoa determinada, não dizendo respeito a fatos criminosos. A Lei de Execuções Penais passou a chama-la de indulto individual, como se lê dos artigos 188 a 193 .

É certo que o texto da Constituição, no artigo 5º, XLIII, utiliza o termo graça e no artigo 84, XII, refere-se a indulto.

A graça é um perdão concedido pelo presidente da República, dentro de sua avaliação de discricionariedade.

A graça é forma de extinção da pena e não do crime.

Ela pode ser total ou parcial conforme alcance todas as sanções impostas ao condenado (total) ou apenas alguns aspectos da condenação, quer reduzindo, quer substituindo a sanção. Nesse último caso será comutação, não extinguindo a punibilidade.

A graça é forma de extinção da punibilidade e instituto apropriado á execução da pena.

A graça, seja plena ou parcial, é medida de caráter excepcional, destinada a premiar atos meritórios e extraordinários praticados pelo sentenciado no cumprimento de sua reprimenda ou ainda atender a condições de natureza especial, bem como corrigir equívocos na aplicação da pena ou eventuais erros judiciários.

A graça pode ser provocada por petição do apenado (artigo 188 da LEP), por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa. È mister o parecer do Conselho Penitenciário, seguindo, após ao Ministério da Justiça.  A graça é individual e solicitada e não restitui a primariedade.

Assim como o indulto coletivo o indulto individual pressupõe sentença condenatória com trânsito em julgado, servindo para apagar somente os efeitos executórios da condenação, mas não os secundários (reincidência, lançamento do réu no rol dos culpados).

Portanto, condição sine qua para a adoção dessa causa de extinção de punibilidade é o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Será o decreto levado, se for o caso, ao Judiciário, através da via própria para que se aprecie se o sentenciado (condenado, apenado) para merecimento ao indulto pessoal, graça. A declaração de extinção da punibilidade deverá ser lavrada pelo Juízo das Execuções Penais

Como forma de indulto, repita-se, pressupõe penas impostas. Assim discute-se se é possível a sua incidência nos casos de sentenças recorríveis. Para Mirabete (Manual de Direito Penal, volume I, 21ª edição, pág. 388) a melhor solução é a de que está indultado o sentenciado quando a decisão tiver transitado em julgado para a acusação, hipótese em que não seria possível o aumento da pena e a consequente exclusão dessa causa de extinção da punibilidade.

 O indulto pessoal (graça) é um ato de clemência do Presidente da República e não forma de rescindir decisão oriunda do Poder Judiciário.

Como ensinou Hélio Tornaghi (Curso de Processo Penal, 1980, volume II, 1980, pág. 445), “ a graça se recomenda por ato e heroísmo, por serviço de alto valor, pela necessidade de amparar a família do condenado, por alguma razão de Estado e por inúmeros motivos de grande valor social”.

São motivos relevantes que os fundamentam.

III – A NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE MEDIDA PERANTE O STF

No caso concreto, há esses motivos relevantes?

Claro que não.

Segundo divulgado pelo Estadão, em seu site de notícias em 20 de abril do corrente ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quarta-feira, 20, o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ) a oito anos e nove meses de prisão por incitar agressões a ministros e atentar contra a democracia ao defender, em vídeos, o fechamento da Corte. Foram dez votos pela punição e um pela absolvição.

O STF decidiu ainda que seja declarada a perda de mandato do parlamentar, ato que ainda precisa passar pela chancela da Câmara.

A maioria do STF entendeu que a conduta do deputado foi criminosa e não estava protegida pela imunidade parlamentar, o instituto que dá direito ao congressista de não ser processado por discursos. Para os ministros, o que Silveira fez foi incitar a violência, estimular seguidores a invadir o Supremo e ainda agredir ministros.

“A liberdade de expressão existe para a manifestação de opiniões contrárias, para opiniões jocosas, para sátiras, para opiniões inclusive errôneas, mas não para imputações criminosas, para discurso de ódio, para atentados contra o estado de direito e a democracia”, afirmou o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação. “Não há dúvidas de que o réu agiu com dolo, em plena consciência de suas ações”, completou ao citar que Silveira confirmou as declarações em depoimento à Polícia Federal (PF).

“O que estamos aqui é julgando a defesa da democracia”, disse Dias Toffoli. “A engenharia do caos não vai parar, mas temos de atuar na defesa da Constituição”, completou.

O crime foi deveras grave. Onde estão as razões de heroísmo, por serviço de alto valor, motivos de grande valor social para a concessão da clemência, concedida, ao que parece, de oficio pelo presidente da República?

Será caso de ajuizamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional por parte dos legitimados pela Constituição Federal.

O ato do presidente da República foge ao rigores da proporcionalidade, foge à razoabilidade. Beneficia um correligionário do presidente da República, que afrontou o Judiciário, é clara agressão aos princípios da legalidade, da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa

Ademais, o ato do presidente da República é um desrespeito ao Supremo Tribunal Federal e por sua forma e conteúdo deve ser objeto de desconstituição, por ferir motivos e objeto do ato administrativo, permitindo ao Judiciário rever as razões de mérito que o impulsionaram.

Trata-se de um ato de enfrentamento ao Poder Judiciário que poderá trazer graves problemas institucionais. É uma afronta à ordem democrática.

*É procurador da república aposentado.

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Parlamentares do RN comentam sobre indulto a Daniel Silveira

Tribuna do Norte

Parlamentares antibolsonaristas e bolsonaristas do Rio Grande do Norte se posicionaram em redes sociais sobre o indulto concedido ao deputado Daniel Silveira (PL-RJ). O senador Jean Paul Prates (PT) disse que “governos autoritários alimentam sempre o germe da corrupção. Bolsonaro acha que pode tudo enquanto estiver no cargo que ocupa, mas há limites!”

Para Jean Paul “esconder os mal feitos da parentalha e dos aliados já estávamos acostumados, infelizmente, e para isso ele emporcalhou as instituições que deram guarida a seus desejos”.

Jean Paul ainda disse: “Como já alertava Tancredo Neves, o desfiguramento das instituições termina por desfigurar o caráter do cidadão.”

Jean Paul acrescentou: “Mas tenho a certeza de que o povo brasileiro ainda não foi atingido por esse processo e deve repudiar com veemência mais essa atitude de um homem incapaz de honrar a cadeira de presidente da República.”

Já a deputada federal Natália Bonavides (PT) declarou que “o chefão da quadrilha que faz de tudo para salvar os filhotes delinquentes, agora avança no golpismo e anula a prisão de um dos seus capangas que atentou contra a democracia”.

Natália Bonavides continuou: “É isso, ou derrotamos o bolsonarismo agora, ou não restará mais nada desse país.”

Segundo a deputada, “primeiro ele (Bolsonaro) impediu que sua família fosse punida pelos crimes cometidos. Depois ele anulou a pena de um bandido que ameaçou a democracia – uma forma burocrática de fechar o STF sem ajuda de cabos e soldados. Vamos esperar ele fechar o TSE e acabar com as eleições?”

A deputada Carla Dickson (União Brasil) apoiou o decreto presidencial: “Parabéns, meu presidente Jair Bolsonaro, pelo perdão concedido ao colega deputado federal Daniel Silveira, condenado pelo STF.”

“Junto-me à sociedade com profunda indignação por essa condenação tão injusta”, afirmou C. Dickson, que finalizou: “O Congresso é um poder independente  e não pode ser violado!”

O deputado federal General Girão (PL) também apoiou a decisão do presidente da República: “Não duvidem do nosso presidente “.

O General Girão afirmou “querer compartilhar alegria e satisfação em ser patriota junto com vocês. Orgulho do nosso presidente por fazer justiça dentro das quatro linhas da Constituição.”

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Foro de Moscow

Foro de Moscow 22 abr 2022 – O perdão de Bolsonaro

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Como votaram os deputados do RN em relação a prisão de Daniel Silveira?

Dos oito deputados federais do Rio Grande do Norte somente dois votaram contra a manutenção da prisão de Daniel Silveira (PSL/RJ) acusado de pregar a morte de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Foram eles General Girão (PSL) e Carla Dickson (PROS).

Os demais votaram para que o deputado fluminense siga preso.

No total foram 364 votos favoráveis à prisão, 130 contra e três abstenções.