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Os acordos de delação premiada podem ser realizados por delegados de polícia

Por Rogério Tadeu Romano*

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão do dia 20.6.2018, encerrou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5508 e considerou constitucional a possibilidade de delegados de polícia realizarem acordos de colaboração premiada na fase do inquérito policial. Por maioria de votos, os ministros se posicionaram pela improcedência da ação, na qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionava dispositivos da Lei 12.850/2013 (Lei que define organização criminosa e trata da colaboração premiada).

A matéria foi discutida na ADI 5508 / DF.

Anotou outrossim o portal de informações do STF, naquela data:

“Na sessão desta tarde, votaram os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia (presidente), todos acompanhando o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio. Segundo ele, a formulação de proposta de colaboração premiada pela autoridade policial como meio de obtenção de prova não interfere na atribuição constitucional do Ministério Público de ser titular da ação penal e de decidir sobre o oferecimento da denúncia. Os ministros destacaram que, mesmo que o delegado de polícia proponha ao colaborador a redução da pena ou o perdão judicial, a concretização desses benefícios ocorre apenas judicialmente, pois se trata de pronunciamentos privativos do Poder Judiciário.

De acordo com a decisão, embora não seja obrigatória a presença do Ministério Público em todas as fases da elaboração dos acordos entre a autoridade policial e o colaborador, o MP deve obrigatoriamente opinar. No entanto, cabe exclusivamente ao juiz a decisão homologar ou não o acordo, depois de avaliar a proposta e efetuar o controle das cláusulas eventualmente desproporcionais, abusivas ou ilegais.”

Destacou o ministro Marco Aurélio que não era privativa do Ministério Público a iniciativa com relação a delação premiada.

Observo que a delação premiada tem como um dos seus principais objetivos a persecução penal com relação a organizações criminosas.

Destaco daquela importante decisão o que foi dito pelo ministro relator:

“Chego ao diploma que se mostra mais minucioso quanto à delação premiada, revelando parâmetros normativos que precisam ser observados – evidentemente desde que não conflitantes com a Lei Maior do País, a Constituição Federal. Refiro-me à Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, que define organização criminosa e versa a investigação criminal, os meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, tendo sido adotadas providências diversas. E revela a Lei: Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: I – colaboração premiada; […] O artigo 4º, da Seção I, intitulada Da Colaboração Premiada, prevê, na cabeça, efeitos materiais do acordo: “Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado” – porque interessa à sociedade elucidar a prática criminosa – “efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.” A Lei nº 12.850/2013 prossegue no desenvolvimento do tema, aprofundando os desdobramentos do instituto no sentido de dar ao Estado mecanismos eficientes de combate à criminalidade organizada, em consonância com a leitura constitucional da matéria realizada desde 1988, sobretudo no âmbito do Poder Legislativo. A delação premiada nada mais é do que depoimento revelador de indícios de autoria e materialidade criminosa, que, por si só, porquanto originado de um dos envolvidos na prática delitiva, não serve à condenação de quem quer que seja. A Lei é expressa, no artigo 3º, ao defini-la como instrumento de obtenção de provas, assim como o são a ação controlada, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, a interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, o afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, previstos nos incisos do referido artigo. Trata-se de meio extraordinário para chegar a provas, no que diz respeito a delitos praticados.”

Disseram Francisco Sannini Neto e Leopoldo Gomes Moreira(Colaboração premiada e sua aptidão probatória, in Migalhas, em 17 de março de 2021), “a delação premiada não é meio de prova propriamente dito, mas, sim, meio de obtenção de prova, conforme previsão do artigo 3º-A, da lei 12.850/13, razão pela qual, através da delação, as Autoridades devem corroborar, ou seja, fortalecer as palavras do delator junto a outros meios idôneos de prova, como por exemplo, prova documental, testemunhal, pericial, entre outras.”

E ainda disseram Francisco Sannini Neto e Leopoldo Gomes Moreira(Obra citada) que “nesse sentido, Gustavo Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini), ao tratarem de delação premiada no âmbito da lavagem de dinheiro (artigo 1º, § 5º, da lei 9.613/98), afirmam que as declarações do delator, para serem consideradas meios de prova, deverão encontrar amparo em outros elementos de prova existentes nos autos que corroborem seu conteúdo.”

A delação premiada, mecanismo de cooperação penal que beneficia o acusado, foi expressamente prevista no art. 8º da Lei de crimes hediondos:

Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo. Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços

Sob o ponto de vista processual, a delação premiada consiste na afirmação feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido extrajudicialmente, pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação no crime como seu comparsa.

O ato de delação há de ser espontâneo, pois não pode ser um ato provocado por terceiro.

Para que seja considerada, há a necessidade da presença de três requisitos para a delação: a) o corréu ou que fez a delação tenha confessado a sua participação no crime; b) a delação encontre amparo em outros elementos de prova existentes nos autos; c) no caso de delação extrajudicial, que tenha sido confirmada em juízo. Sem esses requisitos e sem que tenha sido respeitado o contraditório, com possibilidade de reperguntas pelas partes, a delação não tem qualquer valor, sendo um ato que é destituído de eficácia jurídica.

Mister fazer a distinção entre fonte de prova, meios de prova e meios de obtenção de prova (Introdução aos meios de obtenção da prova, in Trilhante):

Fonte de prova: Pessoas e coisas das quais se obtêm as provas. Ex.: Arma do crime.

Meios de prova: É a introdução das provas no processo penal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Ex.: Periciar a arma do crime.

Meios de obtenção de prova: Atividade desenvolvida por autoridades diversas do juiz como forma de identificação das fontes de prova. Ex.: Intercepção telefônica. Podem ser ordinários (usados por qualquer crime, como a busca domiciliar) ou extraordinários (exigem sigilo e dissimulação, só realizados mediante autorização legal, como agente infiltrado, por exemplo).

Na lição de e Badaró (Processo Penal. Rio de Janeiro. Campus: Elsevier, 2012, p. 270): “Enquanto os meios de prova são aptos a servir, diretamente, ao convencimento do juiz sobre a veracidade ou não de uma afirmação fática (p. ex., o depoimento de uma testemunha, ou o teor de uma escritura pública), os meios de obtenção de provas (p. ex.: uma busca e apreensão) são instrumentos para a colheita de elementos ou fontes de provas, estes sim, aptos a convencer o julgador (p. ex.: um extrato bancário [documento] encontrado em uma busca e apreensão domiciliar). Ou seja, enquanto o meio de prova se presta ao convencimento direto do julgador, os meios de obtenção de provas somente indiretamente, e dependendo do resultado de sua realização, poderão servir à reconstrução da história dos fatos.”

Conforme legislação vigente em nosso país que trata da delação premiada, há requisitos que devem ser atendidos quando da aplicação do benefício ao delator, seja para a concessão da redução da pena de um terço a dois terços, seja para o perdão judicial. No que diz respeito à redução de pena, o legislador deixou claros os requisitos que, caso sejam atendidos, poderão fazer com o que delator seja agraciado com esse instituto: a) se, além de voluntária, foi espontânea a delação; b) se todos os integrantes envolvidos foram encontrados e, consequentemente, processados; c) se a recuperação do produto foi possível; d) se a vítima foi encontrada.

No que respeita à delação premiada, deve-se atentar para os critérios considerados pelo juiz ao aplicar o perdão judicial e a redução de pena, fundando-se na avaliação do grau de reprovabilidade da conduta do agente.

O ato de delação há de ser espontâneo, pois não pode ser um ato provocado por terceiro.

Disseram Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini (Lavagem de dinheiro, 2ª edição, pág. 172) que a lei não estabeleceu, entre as frações variáveis de 1/3 a 2/3 de redução da pena, qual o critério a ser seguido pelo julgador para aplicar a redução mínima ou mesmo um patamar intermediário. O critério a ser seguido deverá, sem dúvida, ser a eficácia da delação, seja em termos de atingimento das finalidades previstas, na lei, seja em relação ao conjunto de elementos que o delator forneça para confirmar as suas declarações.

Ainda aludem Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini (obra citada, pág. 173), processualmente, a delação – independentemente de ser premiada ou não – ou o chamamento do corréu, consiste na afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia, pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação no crime como seu comparsa.

Prevalece o entendimento de que, na delação ou chamamento do corréu, na parte em que o acusado reconhece que praticou o delito, há simples confissão; já ao atribuir o cometimento do crime a outra pessoa, o delator age como se fosse testemunha, tendo o ato nessa parte, natureza de prova testemunhal, como afirmou Adauto Alonso Suannes (O interrogatório judicial e o artigo 153, §§ 15 e 16 da Constituição Federal, Revista dos Tribunais, n. 572, junho de 1983, pág. 289).

Deverá a delação ser produzida em contraditório (artigo 5º, LC, combinado com o artigo 155, caput, CPP).

As declarações feitas pelo acusado devem ser reiteradas no curso do processo, a fim de se preservar o contraditório, considerando-se que aquele tem direito aos benefícios estabelecidos em lei.

O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do habeas corpus nº 127.483, relator o ministro Dias Toffoli, firmou entendimento no sentido de que a colaboração premiada é veículo de produção probatória, uma vez que, a partir das informações disponibilizadas, deflagram-se diligências em busca de dados que as endossem.

Disse então o ministro Marco Aurélio, relator daquele julgado ( ADI 5508 / DF).

“Em síntese, o que é a delação premiada? É simples depoimento, prestado à autoridade, que será considerado, inclusive sob o ângulo das consequências, na hora devida, pelo órgão julgador, para fins de reconhecimento de benefícios, descritos na Lei. Transparece como confissão qualificada pelas informações que podem levar a resultados, também previstos na Lei – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; a revelação da estrutura e da divisão de tarefas do grupo; a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades; a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito dos delitos cometidos; e a localização de eventual vítima com a integridade física preservada.”

….

“A Lei nº 12.850/2013 tem como objetivo o combate às organizações criminosas, havendo íntima conexão com os postulados constitucionais da eficiência e do resguardo da segurança pública. Dispõe o § 2º, no qual inserido parte do texto atacado nesta ação direta de inconstitucionalidade: § 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. No § 6º do mesmo artigo, relativo ao segundo trecho impugnado, tem-se: § 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor. Os preceitos asseguram ao delegado de polícia a legitimidade para a proposição do acordo de colaboração premiada – instrumento de obtenção de prova – na fase de investigação, quando desenvolvida no âmbito do inquérito policial. Sendo a investigação o principal alvo da polícia judiciária, ante a conformação constitucional conferida pelo artigo 144, meios previstos na legislação encontram-se inseridos nas prerrogativas da autoridade policial. Sendo a polícia a única instituição que tem como função principal o dever de investigar, surge paradoxal promover restrição das atribuições previstas em lei. Retirar a possibilidade de utilizar, de forma oportuna e célere, o meio de obtenção de prova denominado colaboração premiada é, na verdade, enfraquecer o sistema de persecução criminal, inobservando-se o princípio da vedação de proteção insuficiente. A Lei é clara ao definir o momento em que pode ocorrer o procedimento de delação. O artigo 3º, ao versar os meios de obtenção da prova relacionada às organizações criminosas, entre eles a colaboração premiada, dispõe ser a celebração do acordo permitida em qualquer fase da persecução penal. Abre-se a oportunidade de colaboração premiada na fase de investigações – no curso do inquérito policial ou outro procedimento de investigação equivalente – ou no transcorrer da ação penal, inclusive, após o trânsito em julgado de decisão.”

Durante as investigações compete à autoridade policial, em atividade concorrente e com supervisão do membro do Ministério Público; instaurada a ação penal, tem-se a exclusividade do Órgão acusador.

Para o relator, o delegado de polícia é o agente público que está em contato direto com os fatos e com as necessidades da investigação criminal.

“Os preceitos asseguram ao delegado de polícia a legitimidade para a proposição do acordo de colaboração na fase de investigação, quando desenvolvida no âmbito do inquérito policial”, afirmou.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Confissão e delação premiada

Por Rogério Tadeu Romano* 

I – O FATO

Segundo o site Antagonista, em 29.8.23, o tenente-coronel Mauro Cid indicou ontem a agentes da Polícia Federal que pretende de fato colaborar com as investigações e que vai confessar sua participação no esquema de venda de joias destinadas à Presidência da República.

Agora, os integrantes da PF trabalham para que Cid faça uma delação premiada.

Ainda nos informa o blog da Andrea Sadi, em 30.8.23, que Mauro Cid, braço direito do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nos últimos quatro anos, deve apresentar à Polícia Federal detalhes sobre reuniões e conversas para efetivar um golpe de estado que visava manter o ex-presidente no poder após a derrota nas eleições.

O depoimento de Mauro Cid à polícia federal durou dez horas. Certamente não foi durante esse tempo para dizer “que não iria falar”.

Como investigado ele pode alegar que não pode produzir prova contra si mesmo, mas como testemunha não pode se eximir de dizer a verdade.

Fontes ouvidas por aquele blog afirmam desconhecer, por ora, um acordo de delação premiada de Cid. Além disso, como o blog já revelou, ao confessar episódios, Cid relata reuniões e conversas que testemunhou. No entanto, ele não necessariamente acusa ninguém.

Agora, à PF, ele deve detalhar quem são os militares e outros ex-ministros e funcionários do governo Bolsonaro que participaram das tratativas que se deram, entre outras localidades, no Palácio da Alvorada em dezembro passado.

II – A CONFISSÃO

Sabe-se que na matéria há a Súmula 545 do STJ:

Súmula 545-STJ: Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 14/10/2015, DJe 19/10/2015.

Como disseram Celso Delmanto e outros (Código Penal Comentado, 6ª edição, pág. 131) “antes da reforma penal de 84, esta atenuante exigia, como requisito, que a confissão fosse referente a delito cuja autoria era ignorada ou atribuída a outrem. A partir de então, foi dispensado esse requisito.”

A lei requer que a atenuante de confissão seja espontânea.

Não importa o motivo que levou o agente a confessar a autoria. A confissão que vale deve ser feita em juízo, pois se feita na fase do inquérito e desfeita na fase do processo, não se sustentará (STF, RTJ 146/210).

É certo que Luiz Carlos Betanho (RT 683/281) nos ensinou que “confessar a autoria não é a mesma coisa que confessar o crime. Para a atenuante basta a confissão da autoria”.

Para Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 424) “confessar, no âmbito do processo penal, é admitir contra si por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento voluntária, expressa e pessoalmente diante da autoridade competente, em ato solene e púbico, reduzido a termo, a prática de um ato criminoso”. Nesse sentido ainda disse Guilherme de Souza Nucci (O valor da Confissão como Meio de Prova no Processo Penal, pág. 76).

Repita-se que a confissão deve ser voluntária, ou seja, livremente praticada e sem qualquer coação. Entretanto, para servir de atenuante, deve ser ainda espontânea, vale dizer sinceramente desejada, de acordo com o íntimo do agente.

Ainda na lição de Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 425): “Acrescentamos, ainda, que confundir a espontaneidade com mera iniciativa do agente, enquanto voluntariedade seria agir livre de qualquer coação, embora sem iniciativa próprias, mas sob sugestão de terceiros, ao que nos parece, é dilapidar a diferenciação entre os dois termos, construída ao longo de muito tempo, pela doutrina pátria.”

Trata-se de uma admissão incondicionada da prática do delito.

Para Roberto Reynoso D’ Avila (Teoria general del delito, pág. 312) sobre o instituto: “voluntário é ato que, nascido ou no interior do sujeito, é aceito por ele”.

Já se entendeu que a confissão espontânea da autoria do crime, pronunciada voluntariamente ou não pelo réu, atua como circunstância que sempre atenua a pena, mas não pode conduzir à redução da pena já fixada no mínimo legal (STF, RT 690/390). É de aplicação obrigatória, desde que a pena-base, fixada acima do mínimo, permita a redução (STF, HC 69.328, DJU de 5 de junho de 1992, pág. 8430).

Já se disse, outrossim, que a atenuante de confissão servindo, de forma destacada, para o deslinde do feito, alicerçando o decreto condenatório, pois, deve ser reconhecida (STJ, RT 779/544).

Ensinou Julio Fabbrini Mirabete (Manual de Direito Penal, volume I, 7ª edição, pág. 293) que “para o reconhecimento da atenuante é necessário que a confissão seja completa, não ocorrendo quando o acusado, admitindo a prática do fato, alega, por exemplo, uma discriminante ou dirimente. Embora a confissão seja cindível, a existência da atenuante depende não de mera conduta objetiva, mas de um motivo moral, altruístico, demonstrando arrependimento etc. (RT 608/301. Mas o STJ já decidiu em contrário, aceitando a atenuante na hipótese: RT 699/377).”

Disse Julio Fabbrini Mirabete (Obra citada, pág. 293); “Atenua a pena, também, ter o agente confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime(art. 65, III, d). Beneficia-se, como estímulo à verdade processual, o agente que confessa espontaneamente o crime, não se exigindo, como na lei anterior, que o ilícito seja de autoria ignorada ou imputada a outrem. Não basta a confissão para a configuração da atenuante, é necessário que o agente, arrependido, procure a autoridade para a confissão já que a lei não fala em ato voluntário, mas em confissão espontânea. “

Ainda para Mirabete (obra citada) “não basta a confissão para a configuração da atenuante; é necessário que o agente, arrependido, procure a autoridade para a confissão já que a lei não fala em ato voluntário, mas em confissão espontânea (RT 634/333, 654/306).”

Enio Luiz Rosseto (Teoria e aplicação da pena. São Paulo: Atlas, 2014, p. 159-160) disse:

“O fundamento da atenuante é que o agente revela arrependimento do ato criminoso que praticou e há necessidade de valorar positivamente a conduta do agente que toma a iniciativa de procurar, por conta própria, as autoridades poupando-as de complexas e às vezes difíceis investigações para chegar à autoria e abreviando desse modo, em benefício da administração da Justiça, a celeridade dos respectivos procedimentos”.

Cezar Roberto Bitencourt (Tratado de direito penal: parte geral. 27. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 386) nos ensinou: “A confissão, antes da Reforma de 1984, era admitida somente quando se referisse a crime cuja autoria fosse ignorada ou atribuída a outrem. Agora, essa exigência desapareceu, sendo suficiente a confissão da autoria. Confissão é fato, valorada como fato, enquanto fato, e tem caráter objetivo, não estando condicionada a nenhuma exigência formal ou processual, ao contrário do que começou a entender a jurisprudência dos tribunais superiores. Ademais, é irrelevante que a confissão seja incompleta ou completa, espontânea ou voluntária. A confissão pode ocorrer perante a autoridade policial ou judicial, indiferentemente. Embora a lei fale em confissão espontânea, doutrina e jurisprudência têm admitido como suficiente sua voluntariedade”.

A Terceira Seção do STJ fixou a tese de que a confissão é uma das circunstâncias legais preponderantes, por se relacionar à personalidade do réu, compensando inclusive a reincidência.

III – A DELAÇÃO PREMIADA

É diversa a delação premiada.

A delação premiada foi instituída como forma de estímulo à elucidação e punição de crimes praticados em concurso de agentes, de forma eventual ou organizada, como se lê do artigo 4º do artigo 159 do Código Penal, na redação que lhe foi dada pelas Leis nºs 8.072/90 e 9.269/96, § 2º, do artigo 24, da Lei nº 7.492/86, acrescentado pela Lei nº 9.080/95, parágrafo único, do artigo 16 da Lei nº 8.137/90, acrescentado pela Lei nº 9.080/95; artigo 6º, da Lei nº 9.034/95 e § 5º, do artigo 1º, da Lei nº 9.613/98. Mais, recentemente, a matéria foi tratada na Lei que trata do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, Lei nº 12.529/2011, no artigo 86. A delação premiada foi objeto ainda da Lei nº 9.807/99 (artigo 14) e da Lei de Drogas, Lei nº 11.343/06, artigo 41.

Como disse Marcella Sanguinetti Soares Mendes (A delação premiada com o advento da Lei nº 9.807/99, in Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n.98, março 2012), “o instituto da delação premiada ocorre, portanto, quando o indiciado/acusado imputa a autoria do crime a um terceiro, coautor ou partícipe. E não só isso. Também é possível a sua ocorrência quando o sujeito investigado ou processado, de maneira voluntária, fornece às autoridades informações a respeito das práticas delituosas promovidas pelo grupo criminoso, permitindo a localização da vítima ou a recuperação do produto do crime”.

Pode ocorrer durante a fase de inquérito policial ou mesmo na fase processual, quando já está em curso a ação penal. Mas, na prática, será mais comum ocorrer na fase inquisitiva, do inquérito policial.

A delação premiada, ainda chamada de confissão delatória, se difere da confissão em razão desta se referir à autoincriminação, enquanto aquela representa a imputação de um fato criminoso a terceiros.

A demasiada valoração da confissão do acusado, remonta aos modelos processuais penais autoritários, que conduzem um processo visando tão somente à condenação dos acusados.

De toda sorte, vale como meio de prova durante a instrução processual em que, através do devido contraditório, deve ser objeto de avaliação com os demais meios de instrução.

É nítida a importância da colaboração premiada: a uma, na identificação dos demais coautores ou partícipes da organização criminosa e das infrações penais práticas; a duas, na revelação da estrutura hierárquica e sua divisão de tarefas na organização criminosa; a três, na recuperação total ou parcial do produto ou proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; a quatro, na localização de eventual vítima com sua identidade física preservada.

Pode o Ministério Público deixar de apresentar denúncia se o colaborador não for o líder da organização criminosa ou ainda for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos da lei.

Porém, nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador.

O artigo 5º da Lei 12.850 enumera alguns direitos do colaborador, que não são taxativos, destacando-se o direito a proteção pelas autoridades e ainda não ter a sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografo ou filmado sem sua autorização por escrito, e participar de audiências sem contato visual com os outros acusados.

Observa-se também uma inclinação do processo penal brasileiro em tratar o acusado como objeto da investigação e não como sujeito de direitos, incentivando para que o acusado abra mão de um dos seus principais direitos, o de permanecer em silêncio.

O parágrafo quinto do artigo 1º da Lei 9.613/98 foi alterado pela Lei 12.683/12, com o objetivo de ampliar as hipóteses de ocorrência da chamada delação premiada. Àquele que colaborar espontaneamente com as investigações e prestar esclarecimentos que auxiliem na apuração dos fatos, na identificação dos agentes da lavagem do dinheiro ou na localização dos bens, será beneficiado com a redução da pena, sua extinção ou substituição por restritiva de direitos.

O dispositivo, como se sabe, trata da colaboração espontânea nos crimes de lavagem de dinheiro. Estabelece os seus requisitos e consequências jurídicas, com relação a pena a ser aplicada, até admitindo a não aplicação da pena.

O ato de delação há de ser espontâneo, pois não pode ser um ato provocado por terceiro.

O ato de delação há de ser espontâneo, pois não pode ser um ato provocado por terceiro.

Disseram Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini (Lavagem de dinheiro, 2ª edição, pág. 172) que a lei não estabeleceu, entre as frações variáveis de 1/3 a 2/3 de redução da pena, qual o critério a ser seguido pelo julgador para aplicar a redução mínima ou mesmo um patamar intermediário. O critério a ser seguido deverá, sem dúvida, ser a eficácia da delação, seja em termos de atingimento das finalidades previstas, na lei, seja em relação ao conjunto de elementos que o delator forneça para confirmar as suas declarações. O juiz não deve participar ou presenciar a delação, sob pena de colocar em risco a sua imparcialidade objetiva.

De toda sorte aquele que faz a delação premiada (meio de prova) deve provar o que diz, sob pena de não ter os benefícios previstos pela lei penal e ainda responder por eventuais denunciações caluniosas.

IV – CONCLUSÕES

Acompanhemos essas revelações do tenente-coronel Mauro Cid que são vitais para o entendimento dessa página tenebrosa que se passou na história do Brasil.

Afinal, quem estava à frente da tentativa de golpe contra as instituições democráticas no Brasil? Quem comandou e ainda estava no concurso de agentes na criminosa falsificação de atestados de vacinação para favorecer o ex-presidente e outras pessoas? Quem participou do chamado “escândalo das joias”, em conduta que se insere nos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa?

É competente a Justiça Comum, para o caso o STF, para decidir com relação a condenação de militares com relação a crimes comuns ou ainda políticos e conexos (conexão instrumental).

A Justiça Militar, onde houver, ou o Tribunal de Justiça são competentes para decidir sobre a perda do posto e da patente ou da graduação da praça militar em casos de oficiais com sentença condenatória, independentemente da natureza do crime cometido.

O entendimento é do Supremo Tribunal Federal. O julgamento do plenário virtual, que tem repercussão geral reconhecida (Tema 1.200) ocorreu de 16 a 23 de junho. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, foi acompanhado por todos os demais integrantes da corte.

O tribunal fixou a seguinte tese:

1) A perda da graduação da praça pode ser declarada como efeito secundário da sentença condenatória pela prática de crime militar ou comum, nos termos do art. 102 do Código Penal Militar e do art. 92, I, “b”, do Código Penal, respectivamente.

2) Nos termos do artigo 125, §4º, da Constituição Federal, o Tribunal de Justiça Militar, onde houver, ou o Tribunal de Justiça são competentes para decidir, em processo autônomo decorrente de representação do Ministério Público, sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças que teve contra si uma sentença condenatória, independentemente da natureza do crime por ele cometido.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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Foro de Moscow 11 mai 2023 – Mauro Cid vai falar tudo?

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Delação da OAS aponta R$ 16 milhões em caixa dois para Rosalba

Rosalba é citada em delação (Imagem: reprodução/O Globo)

Hoje o Jornal O Globo trouxe uma matéria informando que a OAS pagou R$ 125 milhões em propinas e caixa dois em troca de apoio para obras entre 2010 e 2014 para 21 políticos.

A prefeita de Mossoró Rosalba Ciarlini (PP) é apontada pela matéria como tendo recebido R$ 16 milhões em caixa dois da empreiteira quando era governadora do Rio Grande do Norte.

O pagamento estaria relacionado a obras da Arena das Dunas.

A delação foi feita por oito ex-funcionários que atuavam na “Controladoria de Projetos Estruturados”, o departamento clandestino da empreiteira, em delação homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado e que era mantida até agora em sigilo.

À reportagem de O Globo, Rosalba disse desconhecer nesse sentido com a OAS.

Nota do Blog: esse assunto precisa ser visto com bastante cautela. Delação sem provas só produz fumaça.

 

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Delator revela R$ 9 milhões em caixa 2 para Henrique e “compra de apoio político”

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Texto e Foto: Agora RN

O empresário Fred Queiroz confirmou em depoimento à Justiça Federal nesta quarta-feira, 4, que recebeu R$ 9.031.500,00 (destes, R$ 5 milhões em espécie) via caixa 2 para a campanha do, então, candidato ao governo do Rio Grande do Norte, Henrique Eduardo Alves. Também ex-secretário de Obras de Natal, Queiroz citou que houve ainda “compra de apoio político” para juntar votos em benefício de Henrique.

Queiroz, todavia, afirmou desconhecer a origem do dinheiro até o momento em que o Ministério Público Federal deflagrou a Operação Manus, em junho de 2017. Ele explicou ainda que, do dinheiro recebido em espécie, R$ 1 milhão foi entregue em uma mala por Norton Domingos, assessor pessoal de Henrique, e outros R$ 500 mil foram depositados na conta da empresa do ex-secretário de Obras de Natal, a Pratika. O restante, conforme depoimento de Queiroz, foi repassado a pessoas indicadas por Arturo Arruda e ao próprio publicitário (R$ 100 mil) em São Paulo.

O resto do dinheiro pago em espécie (R$ 4 milhões), segundo Queiroz, teria sido sacado do Banco do Brasil do Centro Administrativo e viabilizado pelo assessor Aluízio Dutra. O intuito era “mobilizar” municípios potiguares a favor de Henrique em 2014.

Fred Queiroz, o primeiro a ser ouvido nesta quarta-feira, foi parte da oitiva envolvendo os réus da “Operação Manus”, que apura desvios na construção da Arena das Dunas, bem como movimentação de propinas envolvendo empreiteras para auxiliar na campanha do ex-ministro do Turismo. Ele negou que houvesse sido coagido a firmar acordo de delação premiada com Ministério Público Federal.

Além do próprio Queiroz, são réus na ação, Henrique Alves; Eduardo Cunha; o publicitário Arturo Arruda; o ex-presidente da Odebrecht, Fernando Ayres e José Aldemário Pinheiro (Léo Pinheiro), da OAS. Ele foi ouvido pelo juiz Francisco Eduardo Guimarães, titular da 14ª Vara Federal.

Palavra de Ayres

Ex-presidente da Odebrecht, Fernando Ayres afirmou em seu depoimento que a intenção da empresa era apoiar um candidato ao governo do Rio Grande do Norte que estivesse de acordo com os ideais da Odebrecht, bem como maleável a participar de iniciativas de privatizações, como a Caern – este nome seria o de Henrique Alves.