Por Rogério Tadeu Romano*
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão do dia 20.6.2018, encerrou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5508 e considerou constitucional a possibilidade de delegados de polícia realizarem acordos de colaboração premiada na fase do inquérito policial. Por maioria de votos, os ministros se posicionaram pela improcedência da ação, na qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionava dispositivos da Lei 12.850/2013 (Lei que define organização criminosa e trata da colaboração premiada).
A matéria foi discutida na ADI 5508 / DF.
Anotou outrossim o portal de informações do STF, naquela data:
“Na sessão desta tarde, votaram os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia (presidente), todos acompanhando o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio. Segundo ele, a formulação de proposta de colaboração premiada pela autoridade policial como meio de obtenção de prova não interfere na atribuição constitucional do Ministério Público de ser titular da ação penal e de decidir sobre o oferecimento da denúncia. Os ministros destacaram que, mesmo que o delegado de polícia proponha ao colaborador a redução da pena ou o perdão judicial, a concretização desses benefícios ocorre apenas judicialmente, pois se trata de pronunciamentos privativos do Poder Judiciário.
De acordo com a decisão, embora não seja obrigatória a presença do Ministério Público em todas as fases da elaboração dos acordos entre a autoridade policial e o colaborador, o MP deve obrigatoriamente opinar. No entanto, cabe exclusivamente ao juiz a decisão homologar ou não o acordo, depois de avaliar a proposta e efetuar o controle das cláusulas eventualmente desproporcionais, abusivas ou ilegais.”
Destacou o ministro Marco Aurélio que não era privativa do Ministério Público a iniciativa com relação a delação premiada.
Observo que a delação premiada tem como um dos seus principais objetivos a persecução penal com relação a organizações criminosas.
Destaco daquela importante decisão o que foi dito pelo ministro relator:
“Chego ao diploma que se mostra mais minucioso quanto à delação premiada, revelando parâmetros normativos que precisam ser observados – evidentemente desde que não conflitantes com a Lei Maior do País, a Constituição Federal. Refiro-me à Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, que define organização criminosa e versa a investigação criminal, os meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, tendo sido adotadas providências diversas. E revela a Lei: Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: I – colaboração premiada; […] O artigo 4º, da Seção I, intitulada Da Colaboração Premiada, prevê, na cabeça, efeitos materiais do acordo: “Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado” – porque interessa à sociedade elucidar a prática criminosa – “efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.” A Lei nº 12.850/2013 prossegue no desenvolvimento do tema, aprofundando os desdobramentos do instituto no sentido de dar ao Estado mecanismos eficientes de combate à criminalidade organizada, em consonância com a leitura constitucional da matéria realizada desde 1988, sobretudo no âmbito do Poder Legislativo. A delação premiada nada mais é do que depoimento revelador de indícios de autoria e materialidade criminosa, que, por si só, porquanto originado de um dos envolvidos na prática delitiva, não serve à condenação de quem quer que seja. A Lei é expressa, no artigo 3º, ao defini-la como instrumento de obtenção de provas, assim como o são a ação controlada, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, a interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, o afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, previstos nos incisos do referido artigo. Trata-se de meio extraordinário para chegar a provas, no que diz respeito a delitos praticados.”
Disseram Francisco Sannini Neto e Leopoldo Gomes Moreira(Colaboração premiada e sua aptidão probatória, in Migalhas, em 17 de março de 2021), “a delação premiada não é meio de prova propriamente dito, mas, sim, meio de obtenção de prova, conforme previsão do artigo 3º-A, da lei 12.850/13, razão pela qual, através da delação, as Autoridades devem corroborar, ou seja, fortalecer as palavras do delator junto a outros meios idôneos de prova, como por exemplo, prova documental, testemunhal, pericial, entre outras.”
E ainda disseram Francisco Sannini Neto e Leopoldo Gomes Moreira(Obra citada) que “nesse sentido, Gustavo Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini), ao tratarem de delação premiada no âmbito da lavagem de dinheiro (artigo 1º, § 5º, da lei 9.613/98), afirmam que as declarações do delator, para serem consideradas meios de prova, deverão encontrar amparo em outros elementos de prova existentes nos autos que corroborem seu conteúdo.”
A delação premiada, mecanismo de cooperação penal que beneficia o acusado, foi expressamente prevista no art. 8º da Lei de crimes hediondos:
Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo. Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços
Sob o ponto de vista processual, a delação premiada consiste na afirmação feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido extrajudicialmente, pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação no crime como seu comparsa.
O ato de delação há de ser espontâneo, pois não pode ser um ato provocado por terceiro.
Para que seja considerada, há a necessidade da presença de três requisitos para a delação: a) o corréu ou que fez a delação tenha confessado a sua participação no crime; b) a delação encontre amparo em outros elementos de prova existentes nos autos; c) no caso de delação extrajudicial, que tenha sido confirmada em juízo. Sem esses requisitos e sem que tenha sido respeitado o contraditório, com possibilidade de reperguntas pelas partes, a delação não tem qualquer valor, sendo um ato que é destituído de eficácia jurídica.
Mister fazer a distinção entre fonte de prova, meios de prova e meios de obtenção de prova (Introdução aos meios de obtenção da prova, in Trilhante):
Fonte de prova: Pessoas e coisas das quais se obtêm as provas. Ex.: Arma do crime.
Meios de prova: É a introdução das provas no processo penal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Ex.: Periciar a arma do crime.
Meios de obtenção de prova: Atividade desenvolvida por autoridades diversas do juiz como forma de identificação das fontes de prova. Ex.: Intercepção telefônica. Podem ser ordinários (usados por qualquer crime, como a busca domiciliar) ou extraordinários (exigem sigilo e dissimulação, só realizados mediante autorização legal, como agente infiltrado, por exemplo).
Na lição de e Badaró (Processo Penal. Rio de Janeiro. Campus: Elsevier, 2012, p. 270): “Enquanto os meios de prova são aptos a servir, diretamente, ao convencimento do juiz sobre a veracidade ou não de uma afirmação fática (p. ex., o depoimento de uma testemunha, ou o teor de uma escritura pública), os meios de obtenção de provas (p. ex.: uma busca e apreensão) são instrumentos para a colheita de elementos ou fontes de provas, estes sim, aptos a convencer o julgador (p. ex.: um extrato bancário [documento] encontrado em uma busca e apreensão domiciliar). Ou seja, enquanto o meio de prova se presta ao convencimento direto do julgador, os meios de obtenção de provas somente indiretamente, e dependendo do resultado de sua realização, poderão servir à reconstrução da história dos fatos.”
Conforme legislação vigente em nosso país que trata da delação premiada, há requisitos que devem ser atendidos quando da aplicação do benefício ao delator, seja para a concessão da redução da pena de um terço a dois terços, seja para o perdão judicial. No que diz respeito à redução de pena, o legislador deixou claros os requisitos que, caso sejam atendidos, poderão fazer com o que delator seja agraciado com esse instituto: a) se, além de voluntária, foi espontânea a delação; b) se todos os integrantes envolvidos foram encontrados e, consequentemente, processados; c) se a recuperação do produto foi possível; d) se a vítima foi encontrada.
No que respeita à delação premiada, deve-se atentar para os critérios considerados pelo juiz ao aplicar o perdão judicial e a redução de pena, fundando-se na avaliação do grau de reprovabilidade da conduta do agente.
O ato de delação há de ser espontâneo, pois não pode ser um ato provocado por terceiro.
Disseram Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini (Lavagem de dinheiro, 2ª edição, pág. 172) que a lei não estabeleceu, entre as frações variáveis de 1/3 a 2/3 de redução da pena, qual o critério a ser seguido pelo julgador para aplicar a redução mínima ou mesmo um patamar intermediário. O critério a ser seguido deverá, sem dúvida, ser a eficácia da delação, seja em termos de atingimento das finalidades previstas, na lei, seja em relação ao conjunto de elementos que o delator forneça para confirmar as suas declarações.
Ainda aludem Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini (obra citada, pág. 173), processualmente, a delação – independentemente de ser premiada ou não – ou o chamamento do corréu, consiste na afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia, pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação no crime como seu comparsa.
Prevalece o entendimento de que, na delação ou chamamento do corréu, na parte em que o acusado reconhece que praticou o delito, há simples confissão; já ao atribuir o cometimento do crime a outra pessoa, o delator age como se fosse testemunha, tendo o ato nessa parte, natureza de prova testemunhal, como afirmou Adauto Alonso Suannes (O interrogatório judicial e o artigo 153, §§ 15 e 16 da Constituição Federal, Revista dos Tribunais, n. 572, junho de 1983, pág. 289).
Deverá a delação ser produzida em contraditório (artigo 5º, LC, combinado com o artigo 155, caput, CPP).
As declarações feitas pelo acusado devem ser reiteradas no curso do processo, a fim de se preservar o contraditório, considerando-se que aquele tem direito aos benefícios estabelecidos em lei.
O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do habeas corpus nº 127.483, relator o ministro Dias Toffoli, firmou entendimento no sentido de que a colaboração premiada é veículo de produção probatória, uma vez que, a partir das informações disponibilizadas, deflagram-se diligências em busca de dados que as endossem.
Disse então o ministro Marco Aurélio, relator daquele julgado ( ADI 5508 / DF).
“Em síntese, o que é a delação premiada? É simples depoimento, prestado à autoridade, que será considerado, inclusive sob o ângulo das consequências, na hora devida, pelo órgão julgador, para fins de reconhecimento de benefícios, descritos na Lei. Transparece como confissão qualificada pelas informações que podem levar a resultados, também previstos na Lei – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; a revelação da estrutura e da divisão de tarefas do grupo; a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades; a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito dos delitos cometidos; e a localização de eventual vítima com a integridade física preservada.”
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“A Lei nº 12.850/2013 tem como objetivo o combate às organizações criminosas, havendo íntima conexão com os postulados constitucionais da eficiência e do resguardo da segurança pública. Dispõe o § 2º, no qual inserido parte do texto atacado nesta ação direta de inconstitucionalidade: § 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. No § 6º do mesmo artigo, relativo ao segundo trecho impugnado, tem-se: § 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor. Os preceitos asseguram ao delegado de polícia a legitimidade para a proposição do acordo de colaboração premiada – instrumento de obtenção de prova – na fase de investigação, quando desenvolvida no âmbito do inquérito policial. Sendo a investigação o principal alvo da polícia judiciária, ante a conformação constitucional conferida pelo artigo 144, meios previstos na legislação encontram-se inseridos nas prerrogativas da autoridade policial. Sendo a polícia a única instituição que tem como função principal o dever de investigar, surge paradoxal promover restrição das atribuições previstas em lei. Retirar a possibilidade de utilizar, de forma oportuna e célere, o meio de obtenção de prova denominado colaboração premiada é, na verdade, enfraquecer o sistema de persecução criminal, inobservando-se o princípio da vedação de proteção insuficiente. A Lei é clara ao definir o momento em que pode ocorrer o procedimento de delação. O artigo 3º, ao versar os meios de obtenção da prova relacionada às organizações criminosas, entre eles a colaboração premiada, dispõe ser a celebração do acordo permitida em qualquer fase da persecução penal. Abre-se a oportunidade de colaboração premiada na fase de investigações – no curso do inquérito policial ou outro procedimento de investigação equivalente – ou no transcorrer da ação penal, inclusive, após o trânsito em julgado de decisão.”
Durante as investigações compete à autoridade policial, em atividade concorrente e com supervisão do membro do Ministério Público; instaurada a ação penal, tem-se a exclusividade do Órgão acusador.
Para o relator, o delegado de polícia é o agente público que está em contato direto com os fatos e com as necessidades da investigação criminal.
“Os preceitos asseguram ao delegado de polícia a legitimidade para a proposição do acordo de colaboração na fase de investigação, quando desenvolvida no âmbito do inquérito policial”, afirmou.
*É procurador da república aposentado com atuação no RN.
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