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Definição do substituto de Deltan Dallagnol pode gerar mudança na Assembleia Legislativa do RN

O Supremo Tribunal Federal (STF) está se abrindo um precedente que pode alterar a composição da Assembleia Legislativa: o de que em caso de cassação de registro de candidatura o suplente que teve menos de 20% do quociente eleitoral pode assumir.

O caso está em discussão em julgamento virtual na corte que trata do substituto de Deltan Dallagnol (Podemos/PR), cassado por fraudar a Lei da Ficha Limpa.

Em tese, o substituto dele deveria ser o primeiro suplente do PL, pastor evangélico Itamar Paim, que recebeu 47.052 votos. Foi assim que o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE/PR) definiu.

Mas em um recurso levado ao STF está gerando uma reviravolta. O relator do caso, Dias Toffoli, definiu que a vaga fica com o economista Luiz Carlos Hauly, que teve 11.925 votos e é o primeiro suplente do Podemos, mas que ficou com menos de 10% quociente eleitoral.

Até o momento (11h35) mais dois ministros acompanharam o relator: Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.

A tese é que a inelegibilidade foi decretada após a eleição, o que garantiria ao suplente do partido à sucessão porque os 344.917 votos de Deltan não foram anulados.

O caso é idêntico ao que envolve o PL e o PSDB no Rio Grande do Norte. Após receber a maior votação da história de um candidato a Assembleia Legislativa Wendell Lagartixa (PL) teve o registro de candidatura cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Por estar elegível no dia da eleição, os 88.265 não foram anulados. No entanto, o primeiro suplente do PL, Tenente Cliveland, recebeu apenas 2.219 votos, ficando impedido de assumir porque a votação ficou abaixo de 10% do quociente eleitoral.

Assim a vaga ficou para o deputado estadual Ubaldo Fernandes (PSDB), votado por 34.426 potiguares.

O Blog do Barreto consultou o advogado Daniel Victor, uma das principais referências em direito eleitoral do Rio Grande do Norte, que explicou a decisão em sendo confirmada pode servir como uma prévia da constitucionalidade sobre a questão dos 20%. “Esse julgamento será uma prévia das ADIs que discutem se a limitação dos 20% é constitucional”, disse.

“O TRE do Paraná entendeu que, como foi uma questão de inelegibilidade, teria que ser feita uma nova contagem para distribuição das cadeiras. Toffoli entendeu que é questão de vacância do cargo, como morte, por exemplo. Nesse caso não incide a limitação dos 20%”, explicou.

Daniel explica que em se confirmando a decisão de Toffoli no plenário virtual do STF, Cliveland pode pedir para assumir o mandato. “A reclamação constitucional não tem prazo. O suplente de Lagartixa pode entrar”, explica.

Por outro lado, há o risco de ação não prosperar. “Entretanto, pode ser que não seja aceita pela perda de interesse, já que houve a posse do outro candidato”, complementa.

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Um caso de cassação de registro de candidatura

Por Rogério Tadeu Romano*

Transcrevo parte da reportagem do Consultor Jurídico, em 16 de maio de 2023:

“Ciente de que os 15 procedimentos administrativos dos quais era alvo no Conselho Nacional do Ministério Público poderiam render processo administrativo disciplinar (PAD) e torná-lo inelegível, Deltan Dallagnol antecipou sua exoneração do cargo de procurador da República e, assim, fraudou a lei.

Com esse entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro da candidatura do ex-chefe da finada “lava jato” paranaense e, consequentemente, seu mandato de deputado federal. Ele foi considerado inelegível com base no artigo 1º, inciso I, letra q da Lei Complementar 64/1990. A votação foi unânime.

A norma atinge os membros do Ministério Público que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar. Na visão do ministro Benedito Gonçalves, relator do recurso apreciado, esses PADs só não existiram porque Deltan praticou um ato lícito com desvio de finalidade.”

…..

Para o TSE, Deltan Dallagnol cometeu fraude à lei: a prática de uma conduta que tem amparo legal, mas que configura uma burla com o objetivo de atingir uma finalidade proibida pela norma jurídica.

Em suma, o ex-procurador da República renunciou ao cargo de forma dissimulada, cinco meses antes do prazo exigido por lei e apenas 16 dias depois de um colega seu ser demitido do cargo em virtude de outro PAD, para evitar que os procedimentos dos quais era alvo no CNMP

O julgamento se deu no RO 0601407-70.2022.6.16.0000.

A inelegibilidade revela impedimento à capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado). Obsta a elegibilidade e se afasta da incompatibilidade que é impedimento do exercício do mandato para quem já está eleito.

Considera-se que as inelegibilidades têm por objeto proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso de exercício de função, cargo, ou emprego na administração pública.

Segundo informa José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª edição, pág. 334) as inelegibilidades têm um fundamento ético evidente, tornando-se ilegítimas quando estabelecidas com fundamento político ou para assegurarem o domínio do poder por um grupo que o venha detendo, como ocorreu no sistema constitucional revogado (E.Constitucional nº 1 à Constituição de 1967).

Diante disso a Constituição estabeleceu vários casos de inelegibilidades no artigo 14, §§ 4º e 7º, e para incidirem independem de lei complementar referida no § 9º no mesmo artigo.

O que é certo é que a Lei Complementar é autorizada pela Constituição a estabelecer outros casos de inelegibilidades e os prazos de sua cassação, a fim de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício da função, cargo ou emprego na Administração Pública.

Há inelegibilidades absolutas que implicam impedimento eleitoral para qualquer cargo eletivo. Sendo assim que assim se encontre não pode concorrer a eleição alguma, não pode pleitear a eleição para qualquer mandato. É o que ocorre com relação ao artigo 14, § 4º, da Constituição.

Por sua vez, há inelegibilidades relativas que se constituem restrições à elegibilidade para determinados mandatos em razão de situações especiais, em que no momento da eleição, se encontra o cidadão. Isso porque o relativamente inelegível é titular de elegibilidade, que, apenas, não pode ser exercida em relação a algum cargo ou função eletiva, mas o poderá relativamente a outros.

Mas inelegibilidade não é cassação. Esta última é perda de mandato, perda do cargo, por decisão condenatória, que vier a ser imposta em representação eleitoral, onde outras penas podem ser impostas ou ainda em ação penal (artigo 92,I), sempre que se pratique crime com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração quando a pena privativa de liberdade é por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso do poder ou violação do dever para com a Administração Pública (LEI 9.268, de 1º de abril de 1984).

A inelegibilidade não é pena e se aplica para o futuro, para as próximas eleições, ao contrário da cassação, que se aplica de imediato, tão logo haja o trânsito em julgado da decisão condenatória, no civil ou no crime ou ainda em representação eleitoral quando o réu é candidato.

A decisão sobre inelegibilidade não teria para jurisprudência conteúdo de decisão final condenatória. Observo, para tanto, a lição do Ministro Carlos Velloso, no julgamento do MS 22.087/DF, DJ de 10 de maio de 1996, onde se diz que a inelegibilidade não constitui pena. Tal entendimento tem plena consonância com outro da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence, no Rec. 9.797 – PR, do Tribunal Superior Eleitoral, onde se deixou expresso que a inelegibilidade não é pena.

Para o caso em que foi cassado o registro à candidato federal o Tribunal Superior Eleitoral entendeu que houve fraude à lei.

“O recorrido agiu para fraudar a lei, uma vez que praticou, de forma capciosa e deliberada, uma série de atos para obstar os procedimentos administrativos disciplinares contra si e, portanto, elidir sua inelegibilidade”, concluiu o ministro Benedito Gonçalves.

“O candidato, para impedir a aplicação do artigo 1, inciso I, letra ‘q’ da Lei Complementar 64, antecipou sua exoneração em fraude à lei”, continuou. “Em fraude à lei, usou-se de subterfugio na tentativa de se esquivar nos termos da lei”, acrescentou.

“Pelo conjunto de elementos, o recorrido estava ciente de que a eventual instalação de procedimentos administrativos disciplinares poderia colimar em eventual demissão. Não era uma hipótese remota, mas uma possibilidade concreta”, explicou o relator.

Eram ao todo 15 procedimentos, decorrentes de reclamações disciplinares, pedidos de providência e sindicâncias, visando apurar condutas graves como compartilhamento de informações sigilosas com agências estrangeiras, improbidade administrativa e lesão aos cofres públicos.

Todos os 15 procedimentos foram extintos, arquivados ou paralisados pelo CNMP em decorrência da exoneração do cargo. Restaram apenas dois PADs em que Dallagnol foi efetivamente punido com as penas de censura e advertência, contra os quais recorreu ao STF sem sucesso.

Colho, outrossim, o que foi trazido pelo site Migalhas, em 17.5.2023, em reportagem sobre o tema:

“Referida manobra impediu que os 15 procedimentos administrativos em trâmite no CNMP viessem a gerar processos administrativos disciplinares que pudessem gerar pena de aposentadoria compulsória ou perda de cargo, o que provoca inelegibilidade.”

…..

“Para o relator, o pedido de exoneração, efetuado antes que os 15 procedimentos pudessem gerar, ou ser convertidos, em processos administrativos-disciplinares, visou contornar a inelegibilidade, frustrando por completo sua incidência.

“Embora, via de regra, essa causa de inelegibilidade pressuponha a existência de processo administrativo disciplinar (PAD) que possa acarretar aposentadoria compulsória ou perda do cargo, aduz-se que o recorrido antecipou seu pedido de exoneração de forma proposital exatamente para evitar que os outros 15 procedimentos diversos que tramitavam contra ele fossem convertidos ou dessem origem aos PADs.”

Dir-se-ia que foi dado interpretação ampliativa a norma restritiva de direito, que possui o caráter de norma de ordem pública.

Ora, afinal, como se tem das lições de Carlos Maximiliano (Hermenêutica e aplicação do direito), as normas de ordem pública têm aplicação restrita.

Não respondia o então procurador da República a processos administrativos disciplinares, mas a procedimentos outros, de cunho preliminar, objetivando colher elementos, se existentes, para a comprovação de culpa. A lei fala claramente em processo administrativo.

Em síntese: Ex-magistrados ou procuradores podem se candidatar a menos que tenham sido demitidos em decorrência de processo administrativo ou judicial, ou se exonerado na pendência de processos administrativos disciplinares (PADs). No caso do ex-procurador não havia nem uma coisa nem outra.

A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que determina a cassação do registro tem efeito imediato. Caberá, ab initio, embargos de declaração, se for o caso, e, envolvendo matéria constitucional, recurso extraordinário ao STF.

Será caso, em face da falta de efeito suspensivo do recurso ao STF de medida cautelar, para dar esse efeito, onde o pleiteante deve sustentar a presença dos requisitos de mérito dessa tutela: plausibilidade do direito e grave perigo de dano irreparável.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Teria havido extorsão?

Por Rogério Tadeu Romano*

Consoante informou o site Consultor Jurídico, em 26 de março de 2023, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu ação penal contra o advogado Rodrigo Tacla Duran. A decisão é do dia 24.3 do corrente ano.

O ministro Lewandowski determinou que a 13ª Vara Federal de Curitiba seja informada com urgência da decisão. E ordenou que mais informações sobre o processo sejam fornecidas no prazo de dez dias.

Na prática, a determinação de Lewandowski trava qualquer investigação ou tentativa de coação contra o advogado, que acusa o ex-juiz e atual senador Sergio Moro de fazer da finada “lava jato” um verdadeiro balcão de negócios.

O caso é tratado nos Processos 5018184-86.2018.4.04.7000 e  5019961-43.2017.4.04.7000 e ainda na Rcl 43.007.

Ocorre que, segundo o que disse o Jornal do Brasil, em 28.3.23, essa audiência em que o juiz Eduardo Appio ouviu Rodrigo Tacla Duran foi interrompida depois que o advogado que prestou serviços à Odebrecht acusou Sergio Moro e o ex-procurador da República Deltan Dallagnol, por envolvimento num caso de extorsão.

“Diante da notícia crime de extorsão, em tese, pelo interrogado, envolvendo parlamentares com prerrogativa de foro, ou seja, Deputado Deltan Dalagnol e o Senador Sério Moro, bem como as pessoas do advogado Zocolotto e do dito cabo eleitoral Fabio Aguayo, encerro a presente audiência para evitar futuro impedimento, sendo certa a competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, na pessoa do Excelentíssimo Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, juiz natural do feito, porque prevento, já tendo despachado nos presentes autos”, despachou o juiz, que é titular da 13a. Vara Federal de Curitiba, onde Moro atuava.

Na linha do que foi dito pelo G1 Paraná RPC, em 28.3.2023, o advogado Rodrigo Tacla Duran, acusado de lavagem de dinheiro pela operação Lava Jato, citou em depoimento remoto à Justiça Federal de Curitiba o senador Sergio Moro (União Brasil) e o deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos) em um caso de suposta extorsão.

Observo o que disse Miguel do Rosário, em reportagem para o Portal 247, em 28.3.2023:

“Em resumo, ele acusa a organização criminosa liderada por Sergio Moro e Deltan Dallagnol de tentar extorqui-lo em cinco milhões de dólares, para que ele não fosse preso e mantivesse parte de seu dinheiro depositado no exterior. O pedido de extorsão foi feito por Orlando Zucolotto, sócio de Rosângela Moro, esposa de Sergio Moro, através de uma mensagem do aplicativo Wicr Me.”

Após a audiência, o juiz Appio encaminhou Tacla Duran ao programa federal de testemunhas protegidas “por conta do grande poderio político e econômico dos envolvidos”

Parece um retorno de personagens do passado, que pareciam estar a hibernar no presente.

A Lava-Jato representou uma verdadeira operação política muito mais do que jurídica no Brasil.

Ela teve forte conteúdo político e se destacou por ser uma verdadeira “UDN de toga”.

Isso porque, como algo que foi considerado pelas elites do país, uma intervenção moralizadora na política nacional, ela foi um verdadeiro instrumento político que levou a prisão de Lula, por mais de 1(um) ano. Fala-se até que o atual presidente tem fortes mágoas do ocorrido.

Toda a mídia que se apoia no mercado apoiou a operação. Uma fundação seria montada para dar continuidade a essa marca.

Repetia-se o que a elite brasileira, em 1954, através de seus principais porta-vozes e defensora à época, falava em nome da moralidade, ao dizer que havia “um mar de lama”, no palácio de governo, que não era do interesse dos Estados Unidos da América, grande vencedora do segundo grande conflito do século XX e guardiã do capitalismo.

No passado, era o deputado Carlos Lacerda, da União Democrática Nacional(UDN), o grande defensor da classe média. A partir de 2014, quando a operação começou, era o juiz Sérgio Moro apoiado por procuradores da República, sendo que o chefe deles, Deltan Dalagnol, seria, após, eleito como parlamentar pelo Paraná.

Moro com isso ingressou na carreira política como ministro da justiça de um governo contrário ao PT e as esquerdas e, após, senador, na maré de uma plataforma conservadora de direita.

O tempo, à luz da chamada operação Vaza-Jato, escancarou o que era tudo aquilo. O STF identificou, acertadamente, o juiz que estava à frente desses processos como suspeito.

Nada pior para um processo que um juiz seja declarado suspeito. É a patologia do processo, um fator patológico de nulidade da relação jurídico processual havida.

Observo o que disse o Estadão, em 22 de abril de 2021:

“Em um duro revés para a Operação Lava Jato, a maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) votou nesta quinta-feira (22) para confirmar a decisão da Segunda Turma que declarou a suspeição do ex-juiz federal Sérgio Moro ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ação do triplex do Guarujá. Sete ministros já votaram para manter de pé o entendimento de que Moro foi parcial no caso – e apenas dois defenderam o arquivamento da controvérsia.

A posição do plenário marca uma nova vitória do petista no STF, impõe uma amarga derrota à Lava Jato e frustra o relator da operação, Edson Fachin, que havia tentado uma manobra para esvaziar a discussão sobre a conduta de Moro à frente da Justiça Federal de Curitiba.”

Evidenciou-se, às escâncaras a parcialidade de um juiz.

Data vênia, imparcialidade e competência são pressupostos processuais. Mas, a apreciação da suspeição antecede ao da competência. Ambos são requisitos de validade da relação processual. Uma diz respeito ao juízo (competência) e outra ao juiz (suspeição).

Observo que os princípios estampados no artigo quinto, LIII, da Constituição Federal, bem como o artigo oitavo, i, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, não têm por fim assegurar somente um juiz previamente designado em lei para julgar a demanda, mas também – e sobretudo – garantir que as partes contêm com um juiz imparcial. Como bem disse Guilherme de Souza Nucci (Código de Processo Penal Comentado, décima edição, pág. 293), então essa é a razão pela qual a exceção de suspeição ou de impedimento precede toda e qualquer outra defesa indireta contra o processo. Afinal, um juiz parcial não seria legalmente aceitável para decidir qualquer outro obstáculo ao correto desenvolvimento processual. Essa é a razão de que a arguição de suspeição precede a qualquer outra.

Mas o depoimento de Tacla Duran vai mais além. Retrata a possibilidade de existência de um crime de extorsão, um grave delito penal.

Dispõe o artigo 158 do Código Penal: “Constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa”.

Para Guilherme de Souza Nucci (Código penal comentado,8ª edição, pág. 737), a extorsão é uma variante patrimonial muito semelhante ao roubo, pois também implica numa subtração violenta ou com grave ameaça de bens alheios. Explica que a diferença concentra-se no fato de a extorsão exigir a participação ativa da vítima fazendo alguma coisa, tolerando que se faça ou deixando de fazer algo em virtude da ameaça ou da violência sofrida. Assim enquanto no roubo o agente atua sem a participação da vítima, na extorsão o ofendido colabora ativamente com o autor da infração penal.

O objeto da tutela jurídica neste crime é o patrimônio, bem como a liberdade e a incolumidade pessoal.

Os sujeitos ativos podem ser quaisquer pessoas. Sendo funcionário público a simples exigência de uma vantagem indevida em razão da função caracteriza o delito de concussão previsto no artigo 316 do Código Penal. Se o agente constrange alguém com o emprego de violência ou mediante grave ameaça, para obter proveito indevido, não pratica unicamente o crime de concussão, indo mais além, praticando um crime de extorsão (RT 329/100, 435/296, 475/276, 714/375).

É vítima aquele que é sujeito à violência ou ameaça, o que deixa de fazer ou tolerar que se faça alguma coisa, e, ainda, o que sofre o prejuízo jurídico.

Para Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, parte especial, 7ª edição, pág. 306) a ação incriminada é, fundamentalmente, um constrangimento ilegal, que se pratica com o fim de se obter indevida vantagem econômica. Consiste em constranger alguém a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Diz ele que o processo executivo da extorsão deverá ser a violência ou grave ameaça. Ora, são precisamente os meios de execução que distinguem este crime do estelionato, pois, neste último, a vantagem indevida se obtém mediante fraude, pois o agente induz o lesado em erro, levando-o, assim, a praticar a ação que pretende.

Ensinou Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, volume VII, pág. 69 e 70) que “uma das mais frequentes formas de extorsão é a praticada mediante ameaça de revelação de fatos escandalosos ou difamatórios, para coagir o ameaçado a comprar o silêncio do ameaçador. É a chantagem, dos franceses, ou blackmail dos ingleses”.

Certamente o constrangimento deve ser praticado com o propósito de obter, para si ou para outrem, indevida vantagem econômica. A questão do momento consumativo deste crime, perante a lei brasileira, levou a Magalhães Noronha (Crimes contra o patrimônio, I, 224) entender ser necessário a consumação, assim como algumas decisões (RF 181/343), para que o agente obtenha efetiva vantagem patrimonial. Nelson Hungria (obra citada, volume VII, pág. 71) e Oscar Stevenson (Direito penal, 1948, 36) entenderam que ser o crime formal, consumando-se com o resultado do constrangimento, sendo, para isso, irrelevante que o agente venha ou não a conseguir a vantagem pretendida.

Se confirmada a existência desse crime observar-se-á que a Lava-Jato chegou ao fundo do poço.

Mais do que uma operação política era um caso de polícia.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Consequências de uma condenação pelo TCU

 Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO 

Segundo o que noticiou o Brasil de Fato, em 12 de abril de 2022, “o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu, nesta terça-feira (12), por unanimidade, responsabilizar Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Operação Lava Jato em Curitiba (PR), pelo pagamento de cerca de R$ 2 milhões em diárias e passagens a procuradores da força tarefa.

Segundo a denúncia do Ministério Público ligado ao TCU, outras opções mais econômicas poderiam ter sido utilizadas pela Lava Jato para custear a locomoção dos procuradores.

Eles recebiam ajuda para trabalhar em Curitiba, como se estivessem em situação transitória, em vez de serem transferidos definitivamente para a capital do Paraná, onde a maior parte do trabalho era feito.

O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e o ex-procurador-chefe do Paraná, João Vicente Romã, também foram responsabilizados.”

De acordo com o parecer do relator Bruno Dantas, que foi acompanhado pelos demais ministros da Corte, há indícios para caracterizar ao menos três irregularidades, que são: “falta de fundamentação adequada para a escolha do modelo de locomoção; violação ao princípio da economicidade; e ofensas ao princípio da impessoalidade”.

II – A CONDENAÇÃO DO TCU COMO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL 

Será caso de execução desses valores devidos ao Erário.

Rodrigo Melo do Nascimento (A execução judicial das decisões proferidas pelo Tribunal de Contas, in  Revista do TCU, 125) nos lembrou o que segue:

“A Constituição Federal de 1988 (CF) consolidou, no panorama institucional da República Federativa do Brasil, a posição ocupada pela instituição Tribunal de Contas, atribuindo-lhe relevantes competências no exercício do controle externo da Administração Pública, seja no âmbito da União, seja naquele de Estados e Municípios. Entre tais competências, avulta em importância àquela contida nos incisos II e VIII do art. 71 da Carta Cidadã, os quais preveem a atribuição do julgamento de contas, em cujo bojo são passíveis de prolação decisões pela irregularidade das contas, imputando débito ou cominando multa aos responsáveis pela aplicação de recursos públicos ou por eventual dano ao Erário. Tais decisões condenatórias, conforme estabelecido no § 3º do art. 71 da CF, têm eficácia de título executivo, prestando-se à propositura da competente ação de execução judicial, caso o responsável não recolha a dívida perante o próprio Tribunal de Contas que proferiu o acórdão condenatório, prolatado nos autos de processo administrativo em que são garantidos ao interessado o contraditório e a ampla defesa.”

Os valores condenatórios constantes das decisões dos Tribunais de Contas que julguem os responsáveis em alcance ou que lhes apliquem multa classificam-se como dívida ativa não tributária(artigo 39, parágrafo segundo, Lei nº 4.320/64).

A condenação pelo Tribunal de Contas da União perfaz um título executivo extrajudicial que se caracteriza pelos requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade.

A decisão do Tribunal de Contas da União poderá fazer título executivo extrajudicial, que servirá de instrumento para execução (art. 71, § 3º, da CF).

O art. 61 da Lei nº 8.443/1992 prevê a possibilidade de o Tribunal, por intermédio do MP/TCU, requerer à AGU (no caso de débitos imputados a responsáveis da administração direta) ou aos dirigentes das entidades que lhe sejam jurisdicionadas (no caso de débitos imputados a responsáveis por entidades da administração indireta) a adoção das medidas necessárias ao arresto dos bens dos responsáveis julgados em débito, devendo o Tribunal ser ouvido quanto à liberação dos bens arrestados e sua restituição.

Quanto a capacidade postulatória do Tribunal de Contas nessas execuções já decidiu o STF:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SERGIPE. COMPETÊNCIA PARA EXECUTAR SUAS PRÓPRIAS DECISÕES: IMPOSSIBILIDADE. NORMA PERMISSIVA CONTIDA NA CARTA ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. As decisões das Cortes de Contas que impõem condenação patrimonial aos responsáveis por irregularidades no uso de bens públicos têm eficácia de título executivo (CF, artigo 71, § 3º). Não podem, contudo, ser executadas por iniciativa do próprio Tribunal de Contas, seja diretamente ou por meio do Ministério Público que atua perante ele. Ausência de titularidade, legitimidade e interesse imediato e concreto. 2. A ação de cobrança somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas, por intermédio de seus procuradores que atuam junto ao órgão jurisdicional competente. 3. Norma inserida na Constituição do Estado de Sergipe, que permite ao Tribunal de Contas local executar suas próprias decisões (CE, artigo 68, XI). Competência não contemplada no modelo federal. Declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, por violação ao princípio da simetria (CF, artigo 75). Recurso extraordinário não conhecido. (STF, Tribunal Pleno, RE 223037/SE. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgamento em 02/05/2002. Publicado no DJ de 02/08/2002).

Reitero que o acórdão do Tribunal de Contas da União constitui título executivo bastante para cobrança judicial da dívida decorrente do débito ou da multa, se não recolhida no prazo pelo responsável.

III – A INELEGIBILIDADE 

Mas, independentemente dessa condenação e posterior execução, nos moldes estabelecidos pelo CPC de 2015, há a questão da inelegibilidade.

A Lei Complementar n.º 64/90 assim dispõe:

Art. 1º São inelegíveis:

I – para qualquer cargo:

  1. g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;

Para a incidência da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º,I, g, da LC n.º 64/90, é necessária a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) prestação de contas relativa ao exercício de cargos ou funções públicas; ii) julgamento e rejeição das contas; iii) existência de irregularidade insanável; iv) irregularidade que configure, em tese, ato doloso de improbidade administrativa (haja vista a incompetência desta Justiça Especializada para apreciação da improbidade administrativa em concreto); v) decisão irrecorrível do órgão competente; vi) inexistência de suspensão ou anulação da decisão pelo Poder Judiciário. (Recurso Especial Eleitoral nº 18725, rel. Min. Luiz Fux, DJE 29/06/2018, página 45-48).

Na matéria cito a Súmula-TSE nº 41:

“Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário ou dos Tribunais de Contas que configurem causa de inelegibilidade”.

Embora a Justiça Eleitoral possa extrair da fundamentação do decreto condenatório os requisitos para incidência da referida inelegibilidade, descabe, por outro vértice, alterar as respectivas premissas fáticas, sob pena de invadir a competência jurisdicional de outros órgãos do Poder Judiciário.

Por outro lado, Independe de Ação de Improbidade Administrativa, o processo e julgamento pela Justiça Eleitoral, de Registro de Candidatura, na apreciação de julgamento por Tribunais de Contas, de contas irregulares de gestores públicos, cabendo a esta Especializada averiguar, no caso concreto, a configuração de ato doloso de improbidade administrativa, a teor do art. 1º, I, a, da LC 135/2010.

Portanto, em linhas gerais, caso haja interesse em registro de candidatura por parte dos envolvidos, será ônus deles o ajuizamento de uma medida cautelar visando a suspensão daquela condenação no âmbito do Tribunal de Contas da União.

Certamente os legitimados, a seu tempo, ajuizarão Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC) perante a Justiça Eleitoral, que é uma ação de cognição exauriente, podendo atacar qualquer das causas de inelegibilidade cominada (abuso de poder econômico, abuso de poder político, uso indevido de meios de comunicação, uso indevido dos meios de comunicação social, uso indevido de transportes etc). Como ensina Adriano Soares da Costa (Instituições de Direito Eleitoral, 5ª edição, pág. 388) quando disse que não tendo registrado a sua candidatura, por exemplo, não poderá o pré-candidato participar de propaganda gratuita eleitoral, vez que não tem registro. Desse modo, para evitar o perigo de dano irreparável à candidatura do nacional, poderá o juiz eleitoral, mediante requerimento da parte interessada, antecipar os efeitos da sentença de procedência da ação de pedido de registro de candidato, outorgando-lhe um registro provisório, que possibilite o exercício pleno de sua elegibilidade.

Isso quer dizer que Rodrigo Janot e o ex-coordenador da chamada Força Tarefa da Lava-Jato, em Curitiba, poderão ficar inelegíveis, caso o TCU confirme a condenação noticiada e não poderão concorrer à eleições de 2022, no Brasil.

IV – OUTRAS VERTENTES 

Por sua vez, o Ministério Público Federal poderá, após o devido inquérito civil, ajuizar a ação civil de improbidade administrativa, pautado nos artigos 9 e 10 da Lei n. 8.429/92  e suas mudanças.

O caso, pois, deverá se desenvolver, a seu tempo, em suas várias vertentes, no campo eleitoral e civil, podendo ser utilizados os diversos remédios acima descritos.

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Como a Lava Jato virou puxadinho do FBI

09/08/2016 – Brasília – DF, Brasil Audiência Pública sobre o PL 4850/16, estabelece medidas contra a corrupção. Procurador da República, Dr. Deltan Dallagnol. Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Por Marcelo Tognozzi*

Edward Bernays morreu em 1995 com 103 anos. Considerado um dos americanos mais influentes do século 20, ele dizia que as pessoas são irracionais, suas decisões e ações são manipuladas facilmente e que a “minoria inteligente” necessita fazer uso contínuo e sistemático da propaganda.

Quase 25 anos depois da sua morte, Bernays foi resgatado por Mário Vargas Llosa no seu livro “Tiempos Recios”, lançado no ano passado. Vargas mostra como Bernays, um sobrinho de Freud e autor do best-seller “Propaganda”, elaborou e executou a doutrina de defesa dos interesses dos Estados Unidos e suas empresas. O principal cliente de Bernays era a United Fruit.

Como responsável pela estratégia de propaganda da empresa, mexeu os pauzinhos para a contratação da cantora Carmen Miranda por Hollywood em 1940. A pequena notável, com seu rebolado e os arranjos de bananas e outras frutas na cabeça, foi a mais eficiente garota propaganda da companhia que mais produzia bananas no continente.

Os Estados Unidos investiram pesado na manipulação política dos países da América Central e Caribe desde a época da construção do Canal do Panamá, no fim do século 19, quando também derrotaram a Espanha na guerra hispano-americana de 1898, ajudando Cuba a se tornar independente e enterrando de vez o já moribundo império espanhol.

Depois da 2ª Guerra, os americanos ficaram impossíveis. Meteram as mãos e os pés na região e foram ampliando sua influência em direção do Cone Sul. Já haviam se conectado por aqui pelo caminho cultural do cinema, música, literatura e histórias em quadrinhos.

Nos anos 1950 e até o início dos anos 1960, o Brasil foi resistente à sua influência política. JK peitou o FMI e tinha uma relação difícil – para dizer o mínimo – com o ex-secretário de Estado Foster Dulles, sintetizada na famosa foto de Antônio Andrade publicada em 1958 pelo Jornal do Brasil com a legenda: me dá um dinheiro aí.

O livro de Vargas Llosa é importante não somente pelo que revela do passado, as tramas de um golpe de Estado na Guatemala e a história de Johnny Abbes Garcia, agente da CIA que também serviu aos ditadores Trujillo, da República Dominicana, e Papa Doc, do Haiti. Garcia foi trucidado junto com a família pelos Tonton Macoute, misto de polícia e milícia de Papa Doc.

Com o golpe militar de 1964, os americanos derrubaram toda e qualquer resistência à sua ação de manipulação. O general Vernon Walters foi o eficiente e competente coordenador desta “ocupação”.

Oficiais do Exército brasileiro passaram a fazer estágio em instalações da Flórida e na famosa Academia Militar de West Point, em Nova Iorque, enquanto oficiais americanos davam assessoria para as forças de repressão ao comunismo no Brasil, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai. O lendário Cabo Anselmo, líder dos marinheiros em 1964, era na verdade um agente infiltrado na esquerda e há várias versões de que tenha trabalhado para CIA.

Desde então, nunca mais os americanos deixaram de ter bases no Brasil ocupadas por agentes de seus órgãos de segurança, especialmente CIA e FBI. Em 2015, eles grampearam a presidente Dilma e alguns ministros. Portanto, não é de se estranhar que o chefe da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, tenha sido tirado para dançar pelo FBI.

No diálogo entre Deltan e o colega Vladimir Aras, da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI), publicado em 1º de julho pela Agência Pública, os repórteres Natália Viana e Rafael Neves mostram como Deltan passou por cima da lei de da hierarquia sem a menor cerimônia:

  • Deltan – Obrigado Vlad por todas as ponderações. Conversamos aqui e entendemos que não vale o risco de passar pelo executivo, nesse caso concreto. A própria PF foi a primeira a dizer que não confia e preferia não fazer rs.
  • Vladimir Aras – Já tivemos casos difíceis, que foram conduzidos com êxito.
  • Deltan – Obrigado, Vlad, mas entendemos com a PF que neste caso não é conveniente passar algo pelo executivo.
  • Vladimir Aras – A questão não é de conveniência. É de legalidade, Delta. O tratado tem força de lei federal ordinária e atribui ao MJ (Ministério da Justiça) a intermediação.

Vladimir Aras, primo do atual procurador-geral Augusto Aras, é tido e havido como homem sério, respeitador da lei. Difícil entender por que não pediu providências contra esta ilegalidade cometida por Deltan. Hoje, por tudo o que foi publicado pela Agência Pública, fica claro que a Lava Jato tinha virado um puxadinho do FBI.

Imagine se fosse ao contrário. Um procurador americano passando por cima da lei e da hierarquia para trocar informações com agentes públicos de outro país. Pura encrenca. A grande imprensa jamais ignoraria o fato e a longa mão do Estado americano estrangularia o engraçadinho.

O grupo de Curitiba sempre manteve um pé nos EUA. Sergio Moro, quando virou ministro, foi visitar a sede CIA na primeira oportunidade. Deltan fez pós-graduação em Harvard. Não foi um aluno brilhante, mas era alguém conveniente. Teve como orientador o professor Scott Brewer, um dos principais pilares da doutrina anticorrupção desenvolvida ao longo dos últimos 20, 25 anos, cuja fada madrinha foi a professora de Yale Susan Rose-Ackerman, hoje crítica dos métodos de Deltan e Sergio Moro.

A Lava Jato seguiu a doutrina anticorrupção americana, elaborada a partir de motivações mais econômicas e menos morais, já que a lei deles pune toda e qualquer empresa dos Estados Unidos que pratique corrupção no exterior. Sem uma campanha anticorrupção, a concorrência ficaria em posição de vantagem, especialmente a China, que manda fuzilar os corruptos locais, mas tem fama de fazer vista grossa para as estripulias cometidas no exterior.

A propaganda foi e a mola a empurrar a Lava Jato para o centro da política, produzindo estrelas requisitadas para palestras de todo tipo (com e sem cachê), inclusive para o FBI em Washington, e um ex-juiz hoje candidato a presidente.

Literalmente moeram o centro democrático e faliram as grandes empreiteiras brasileiras, sob o entendimento de que eram as principais financiadoras do PT, de outros partidos investigados e do Foro de São Paulo. Poderiam ter prendido e empobrecido os donos destas empresas sem mata-las nem demitir milhares de trabalhadores, mas isso seria sofisticado demais, patriótico demais.

O vento virou e os investigadores são agora investigados. A reação da professora Susan Rose-Ackerman virando as costas para Deltan em desaprovação aos seus métodos, os diálogos publicados pelo Intercept e pela Agência Pública, a tentativa de criar um fundo bilionário e a decisão da última 5ª feira do ministro Dias Toffoli, obrigando a força tarefa de Curitiba a entregar para a Procuradoria Geral da República todo e qualquer documento, expõem a decadência do grupo do Paraná, embicado ladeira abaixo. Começam a ser deglutidos pela “minoria inteligente” e manipuladora, a clientela do famoso Edward Bernays.

*É jornalista e consultor independente há 20 anos. Fez MBA em gerenciamento de campanha políticas na Graduate School Of Political Management – The George Washington University e pós-graduação em Inteligência Econômica na Universidad de Comillas, em Madrid.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Como saber quem está mais perto de ganhar a guerra entre a LavaJato e a VazaJato

Imagem de ícones da Lava Jato está em xeque (Foto: autor não identificado)

Por Alon Feuerwerker*

A propaganda e a guerra psicológica têm seu papel nos conflitos, mas só podem ser declaradas decisivas quando um lado decide capitular apesar de ainda ter recursos suficientes para virar o jogo. Outro jeito de ganhar guerras é eliminar o inimigo. Outro desfecho é o armistício sem capitulação. A Alemanha perdeu a Primeira Guerra Mundial do primeiro jeito, e a Segunda do segundo. A Guerra da Coreia terminou do terceiro jeito.

Ganhar ou perder depende também, e muito, do objetivo proposto. Se a meta é eliminar o inimigo mas ao final ele foi apenas contido, fica aquele gostinho ruim. Tipo a Guerra do Golfo contra Saddam Hussein. Também por isso, ninguém deveria começar uma guerra sem ter ideia de como acabar a dita cuja. Às vezes dá zebra. Só olhar as invasões inglesa, soviética e americana no Afeganistão. Errar a conta do custo de ganhar uma guerra é sempre complicado.

A leitura das manchetes e #hashtags na disputa da LavaJato contra a VazaJato é divertida de ver, pois diz algo sobre quem ganha e quem perde cada batalha, mas infelizmente diz quase nada sobre quem vai ganhar a guerra. O que é preciso olhar? O objetivo de cada um, e que lado tem mais recursos, ou recursos suficientes, para atingir o objetivo proposto. Na Segunda Guerra morreram na Europa duas vezes mais militares soviéticos do que alemães. E todo mundo sabe quem ganhou no fim. #FicaaDica.

A LavaJato vinha em vantagem havia cinco anos, principalmente por causa da superioridade esmagadora em recursos. Um essencial, como a operação sempre fez questão de enfatizar, era a aliança com a imprensa. Com o controle quase absoluto dos instrumentos policiais e judiciais, a LavaJato vinha voando este tempo todo em céu de brigadeiro, navegando em mar de almirante. Mas a realidade mudou.

A LavaJato foi arrastada agora a uma guerra de atrito contra uma tropa irregular aliada a parte dos antigos aliados da LavaJato na imprensa. O que a LavaJato precisa para declarar vitória? Interromper as revelações da VazaJato e impedir eventuais efeitos judiciais. Esta segunda coisa ainda está à mão. Já a primeira, não. E do que a VazaJato precisa? Apenas sobreviver. Isso está totalmente ao alcance dela, também por a disputa envolver a liberdade de imprensa.

A linha de “caça ao hacker” faz sentido para a construção de uma narrativa, mas não mata a VazaJato. Até agora, ao contrário, apenas reforçou a autenticidade das revelações. Mesmo que as autoridades consigam levar os hackeadores a admitir algum ilícito em associação com Glenn Greenwald, isso não implicará os demais jornalistas do TheInterceptBR ou o próprio veículo, uma pessoa jurídica, em qualquer crime.

Mesmo que as autoridades conseguissem fechar o TheIntercepBR, isso não impediria os demais veículos parceiros de continuar publicando reportagens a partir do vasto material. E se a Justiça brasileira decretasse, numa hipótese hoje alucinada, a censura, a coisa poderia continuar a ser divulgada a partir do exterior. Aí a proibição teria de partir, por exemplo, do governo ou da Justiça nos Estados Unidos. Mas ali a liberdade de imprensa é ainda mais protegida do que aqui.

Onde está a brecha das defesas até agora erguidas pela LavaJato contra a VazaJato? Para matar a divulgação, a LavaJato precisa atacar e derrotar seu principal aliado dos últimos cinco anos e meio: a imprensa. E se é verdade que a imprensa gosta da LavaJato, é natural que goste ainda mais de preservar seu próprio poder. Pois ninguém sabe o dia de amanhã. Por isso a imprensa está dividida. E também por isso o objetivo da LavaJato na guerra contra a VazaJato é tão difícil de alcançar.

Claro que há sempre a hipótese de a LavaJato recooptar toda a imprensa. Mas esse haraquiri do jornalismo ainda não está no radar.

E um detalhe: se a VazaJato é uma ameaça para Sergio Moro, Deltan Dallagnol e outros menos visíveis, não chega a ser um problema relevante para Jair Bolsonaro ou Paulo Guedes. E à medida que os personagens principais vão se enrolando, as instituições a que pertencem são estimuladas a ir se distanciando, mesmo que esse distanciamento seja disfarçado por grandiloquentes declarações de apoio e solidariedade.

*É jornalista e analista político/FSB Comunicação

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Operação Uruguai-Tabajara revela os hackers de instituições

Veja as possíveis consequências do vazamento de mensagens entre Moro e Deltan

Por Reinaldo Azevedo

Qual é o resultado de uma nova Operação Uruguai executada pelas Organizações Tabajara? A prisão de quatro hackers que teriam invadido os celulares de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e de mais uma penca de autoridades e entregado o conteúdo ao site The Intercept Brasil.

Estão querendo usar hackers de celulares para proteger hackers de instituições. Não vai funcionar.

Os mais jovens devem pesquisar. A “Operação Uruguai” foi uma trapalhada em que Fernando Collor e aliados se meteram para tentar impedir o impeachment. Deu errado. As Organizações Tabajara são uma criação da turma do “Casseta & Planeta”. Vendiam o impossível com notável incompetência.

Saber se os presos de agora são ou não a fonte anônima que entregou o material ao The Intercept Brasil é de uma irrelevância danada no que concerne à Lava Jato e ao devido processo legal.

Não serei eu aqui a dizer que um ex-DJ ou um ex-motorista de Uber que faz curso de eletricista não possam montar uma terrível organização criminosa para hackear autoridades e abalar a República. A Polícia Federal está aí para investigar.

Recomendo apenas cuidado com o ridículo histórico. Depois de o tal “Pavão Misterioso” ter inventando a “Conspiração Russa”, que alimentou a imaginação de idiotas e serviu à narrativa de pilantras, cumpre que a PF não estimule as fantasias dos hackers de “Araraquarovski e Ribeirão Pretogrado”.

Sergio Moro, da Lava Jato ao Ministério da Justiça

Quem quer que tenha acompanhado as redes sociais na quarta (24) e nesta quinta (25) pode ter ficado com a impressão de que os jornalistas do The Intercept Brasil estavam com um pé na cadeia e de que só a glória contemplava Moro, Deltan e alguns outros da Lava Jato. E, no entanto, o desespero dos que violaram o devido processo legal sob o pretexto de caçar corruptos nunca foi tão grande.

Que a PF apure a ação de hackers nesse e em outros casos, mas é bom saber o que dizer na frente de pessoas que não perderam o senso de ridículo. Quanto tempo demora para que desmorone a tentativa de transformar os vazamentos numa tramoia política? O objetivo dos hackers seria vender as informações para… o PT! É mesmo?

Esse tipo de raciocínio é sempre encantador porque os que o adotam transformam em bandidos aqueles a quem pretendem proteger. Quer dizer que os hackers de Araraquara, sabedores de que a Lava Jato havia feito lambança, tomaram a decisão de invadir os celulares dos protagonistas da operação para vender informações à legenda?

Mas por que o PT poderia ter a intenção de comprá-las se não houvesse nelas, então, a confissão de irregularidades e de crimes que poderiam ser úteis ao partido? Ou por outra: aquilo que só teria sido descoberto depois da invasão foi a causa do que se fez antes? É lógica para convencer os asnos.

Veja frases de Moro durante sessão no Senado

Moro e Deltan, de todo modo, sempre me comovem. Os vazamentos ilegais ao longo de cinco anos da Lava Jato eram só “liberdade de imprensa”. Os de agora, qualquer que seja a origem, são crimes em favor de corruptos.

Entendo. No mundo ideal dessa dupla, há os que vazam e são enforcados e os que vazam e enforcam. Faço plágio assumido de Padre Vieira. Eu não tenho nem crimes nem criminosos de estimação.

Qualquer que seja a origem das informações divulgadas pelo site The Intercept Brasil, em parceria com outros veículos, pergunta-se: muda o conteúdo do que transitava entre os porões, a baixa política e as contas bancárias?

A propósito: se os hackers que foram presos são mesmo a fonte anônima do The Intercept Brasil, dada a variedade e a abrangência de interesses da turma, tanto pior para a teoria conspiratória inventada por Moro. Então não se trata de um complô de alvos da Lava Jato para destruir a operação, certo?

Ainda na quarta, no Twitter, o ministro se referia a “supostas mensagens obtidas por crime”. Entendi aquilo que ele chama “crime”: é a invasão. Mas como é que se invadem “mensagens supostas”?

E aqui uma ironia da história: à diferença de Moro e Deltan, eu estou entre os que atacaram duramente quatro das “Dez Medidas Contra a Corrupção”, muito especialmente a admissão em juízo de provas ilícitas. Eu as classifiquei de fascistoides.

Porque Moro e Deltan perderam aquela batalha e porque os que pensam como eu a venceram, não há chance de a dupla responder na esfera penal por aquilo que fizeram.

Vejam que coisa: os que os combateram, o tempo dirá, acabaram por protegê-los de si mesmos. O que não quer dizer que não devamos começar a punir os hackers de instituições.

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Sobre Moro: veneno da vaidade é a overdose da perda de credibilidade

O super-héroi da Lava Jato está desmoralizado

Já dizia minha saudosa avó Dona Darquinha “que tudo demais é veneno”. Outra pessoa sábia, o poeta Cazuza, dizia que os heróis dele morreram de overdose.

As duas frases casam bem com a desmoralização que aparece para o idolatrado ex-juiz Sérgio Moro que se travestiu de político e envaidecido com a imagem de herói do combate à corrupção tomou uma overdose de vaidade.

O veneno da vaidade levou Moro a misturar a magistratura com atuação política levando-o a overdose da perda de credibilidade do magistrado com vários setores da sociedade.

Ao desrespeitar as leis em nome do combate à corrupção, Moro foi sendo envenenado pela mídia, pelos antipetistas mais viscerais e pela gritaria insana da Internet.

O então magistrado foi se achando acima do bem e do mal e a mistura de política e justiça foi se tornando uma overdose que levou a achar normal cobrar do procurador Deltan Dallagnol pela demora entre as operações ou a festejar manifestações de apoio na rua.

No imaginário de parcela importante da sociedade se tornou normal achar que Moro investigava os casos como se isso fosse possível.

Lembrando: quem investiga é o Ministério Público e a polícia. O juiz conduz as audiências e julga.

Moro deixou que isso virasse assunto porque gostava do papel de investigar e julgar ao mesmo tempo.

O que muita gente não imaginava era que ele realmente estava envolvido com as investigações a ponto de orientar a Força Tarefa da Lava Jato.

Moro é um herói para muita gente. Agora ele prova do próprio veneno: o vazamento de informações sigilosas.

Como todo político ele trata a retórica ao sabor das conveniências. Quem tem respeito pelo devido processo legal, defende a ética em qualquer atividade profissional ou social sabe que Moro está desmoralizado.

Seria manifestação de vontade dizer o que acho que vem pela frente. O site The Intercept tem mais documentos. A reportagem é coordenada Glenn Greenwald, vencedor do prêmio Pulitzer, o mais importante do jornalismo mundial. Ele é um americano radicado no Brasil após revelar as denúncias de Edward Snowden sobre as espionagens ilegais do Governo dos EUA.

Sobre Lula é preciso ter calma se tudo isso vai resultar na libertação do ex-presidente porque a condenação no controverso processo do Triplex do Guarujá já foi referendada em duas outras instâncias.

Mas uma coisa é certa: após a overdose de vaidade, Moro prova do próprio veneno.