Por Fernando Rocha*
Há uma geração que caminha entre dois mundos. Somos os quarentões, aqueles que nasceram no calor das fitas cassete, no toque físico dos LPs, no som das páginas de um livro virando em uma tarde silenciosa. Nós vimos o nascer e o pôr do sol sem qualquer filtro digital, sem notificações incessantes, e isso, ao que parece, nos faz uma espécie rara.
Crescemos em uma época em que o telefone era um aparelho fixo e não uma extensão do corpo. Brincávamos na rua até o céu ficar laranja, inventávamos jogos com os amigos, trocávamos segredos face a face, escrevíamos cartas que levavam dias para chegar ao destino. A palavra “off-line” não existia porque não havia um “on-line” para contrastar.
E então, tudo mudou. Chegou a internet discada, os primeiros celulares, as telas invadiram nossas vidas. De repente, o futuro que víamos em filmes de ficção científica estava ali, em nossas mãos, no bolso, na mesa de cabeceira. Nós, a geração 40+, adaptamo-nos. Aprendemos a digitar rápido, a navegar na web, a enviar e-mails e, mais tarde, a postar nas redes sociais. O mundo digital nos acolheu, mas não nos engoliu.
Vivemos em um tempo em que a individualidade reinava, onde não havia uma avalanche de influenciadores ditando como deveríamos parecer, vestir ou agir. Os rostos eram de verdade, as imperfeições eram marcas de identidade e não motivos para filtro ou cirurgia. Nós, quarentões, não nos rendemos a sorrisos artificiais de dentes digitalmente perfeitos, a faces harmonizadas para caber em um molde que só existe nas telas. Nossa referência não era uma estética padronizada, fabricada em massa, mas uma beleza genuína, diversa e sem a obrigação de parecer sempre perfeita.
Hoje, olhamos para a geração Y, os que vieram depois, nascidos em um mundo já completamente conectado e comandado por figuras idealizadas. Eles não conheceram a espera, a ausência, o som do silêncio sem notificações. Para eles, a resposta imediata é uma necessidade, o feed interminável é natural, e a presença constante nas redes é uma exigência social. Há beleza em tanta conexão, mas também perigo, um perigo que só nós, que vivemos o antes e o depois, conseguimos enxergar.
Somos a última geração que pode contar histórias de um mundo sem Wi-Fi e sem a busca incessante por validação estética digital. Podemos mostrar a eles o valor de uma conversa sem a intermediação de telas, o prazer de ler um livro sem a distração de mil abas abertas, e a liberdade de ser quem se é, sem se espelhar em rostos e vidas fabricadas. Talvez sejamos os únicos capazes de dizer que estar desconectado não é o mesmo que estar sozinho. Pelo contrário, desconectar-se pode ser um ato de liberdade.
E assim seguimos, intermediários entre o analógico e o digital, sentinelas de um tempo que se foi, mas que pode nos ensinar algo sobre o presente. Quem sabe, seja nossa missão dissuadir a geração que nos segue de um mundo totalmente conectado, onde a privacidade é um luxo e a desconexão, um temor. Onde a uniformidade estética se sobrepõe à autenticidade. Talvez nossa experiência com o melhor dos dois mundos seja o que vai salvar o futuro de se perder em uma rede sem fim.
Nós somos a última fronteira entre o tangível e o virtual. E, por mais tentador que seja o digital, há algo que nunca será recriado: o calor humano de um momento sem tecnologia e sem a pressão de ser perfeito. Isso, só nós podemos ensinar.
*É procurador da República com atuação no RN.
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