Categorias
Artigo

Teria havido extorsão?

Por Rogério Tadeu Romano*

Consoante informou o site Consultor Jurídico, em 26 de março de 2023, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu ação penal contra o advogado Rodrigo Tacla Duran. A decisão é do dia 24.3 do corrente ano.

O ministro Lewandowski determinou que a 13ª Vara Federal de Curitiba seja informada com urgência da decisão. E ordenou que mais informações sobre o processo sejam fornecidas no prazo de dez dias.

Na prática, a determinação de Lewandowski trava qualquer investigação ou tentativa de coação contra o advogado, que acusa o ex-juiz e atual senador Sergio Moro de fazer da finada “lava jato” um verdadeiro balcão de negócios.

O caso é tratado nos Processos 5018184-86.2018.4.04.7000 e  5019961-43.2017.4.04.7000 e ainda na Rcl 43.007.

Ocorre que, segundo o que disse o Jornal do Brasil, em 28.3.23, essa audiência em que o juiz Eduardo Appio ouviu Rodrigo Tacla Duran foi interrompida depois que o advogado que prestou serviços à Odebrecht acusou Sergio Moro e o ex-procurador da República Deltan Dallagnol, por envolvimento num caso de extorsão.

“Diante da notícia crime de extorsão, em tese, pelo interrogado, envolvendo parlamentares com prerrogativa de foro, ou seja, Deputado Deltan Dalagnol e o Senador Sério Moro, bem como as pessoas do advogado Zocolotto e do dito cabo eleitoral Fabio Aguayo, encerro a presente audiência para evitar futuro impedimento, sendo certa a competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, na pessoa do Excelentíssimo Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, juiz natural do feito, porque prevento, já tendo despachado nos presentes autos”, despachou o juiz, que é titular da 13a. Vara Federal de Curitiba, onde Moro atuava.

Na linha do que foi dito pelo G1 Paraná RPC, em 28.3.2023, o advogado Rodrigo Tacla Duran, acusado de lavagem de dinheiro pela operação Lava Jato, citou em depoimento remoto à Justiça Federal de Curitiba o senador Sergio Moro (União Brasil) e o deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos) em um caso de suposta extorsão.

Observo o que disse Miguel do Rosário, em reportagem para o Portal 247, em 28.3.2023:

“Em resumo, ele acusa a organização criminosa liderada por Sergio Moro e Deltan Dallagnol de tentar extorqui-lo em cinco milhões de dólares, para que ele não fosse preso e mantivesse parte de seu dinheiro depositado no exterior. O pedido de extorsão foi feito por Orlando Zucolotto, sócio de Rosângela Moro, esposa de Sergio Moro, através de uma mensagem do aplicativo Wicr Me.”

Após a audiência, o juiz Appio encaminhou Tacla Duran ao programa federal de testemunhas protegidas “por conta do grande poderio político e econômico dos envolvidos”

Parece um retorno de personagens do passado, que pareciam estar a hibernar no presente.

A Lava-Jato representou uma verdadeira operação política muito mais do que jurídica no Brasil.

Ela teve forte conteúdo político e se destacou por ser uma verdadeira “UDN de toga”.

Isso porque, como algo que foi considerado pelas elites do país, uma intervenção moralizadora na política nacional, ela foi um verdadeiro instrumento político que levou a prisão de Lula, por mais de 1(um) ano. Fala-se até que o atual presidente tem fortes mágoas do ocorrido.

Toda a mídia que se apoia no mercado apoiou a operação. Uma fundação seria montada para dar continuidade a essa marca.

Repetia-se o que a elite brasileira, em 1954, através de seus principais porta-vozes e defensora à época, falava em nome da moralidade, ao dizer que havia “um mar de lama”, no palácio de governo, que não era do interesse dos Estados Unidos da América, grande vencedora do segundo grande conflito do século XX e guardiã do capitalismo.

No passado, era o deputado Carlos Lacerda, da União Democrática Nacional(UDN), o grande defensor da classe média. A partir de 2014, quando a operação começou, era o juiz Sérgio Moro apoiado por procuradores da República, sendo que o chefe deles, Deltan Dalagnol, seria, após, eleito como parlamentar pelo Paraná.

Moro com isso ingressou na carreira política como ministro da justiça de um governo contrário ao PT e as esquerdas e, após, senador, na maré de uma plataforma conservadora de direita.

O tempo, à luz da chamada operação Vaza-Jato, escancarou o que era tudo aquilo. O STF identificou, acertadamente, o juiz que estava à frente desses processos como suspeito.

Nada pior para um processo que um juiz seja declarado suspeito. É a patologia do processo, um fator patológico de nulidade da relação jurídico processual havida.

Observo o que disse o Estadão, em 22 de abril de 2021:

“Em um duro revés para a Operação Lava Jato, a maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) votou nesta quinta-feira (22) para confirmar a decisão da Segunda Turma que declarou a suspeição do ex-juiz federal Sérgio Moro ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ação do triplex do Guarujá. Sete ministros já votaram para manter de pé o entendimento de que Moro foi parcial no caso – e apenas dois defenderam o arquivamento da controvérsia.

A posição do plenário marca uma nova vitória do petista no STF, impõe uma amarga derrota à Lava Jato e frustra o relator da operação, Edson Fachin, que havia tentado uma manobra para esvaziar a discussão sobre a conduta de Moro à frente da Justiça Federal de Curitiba.”

Evidenciou-se, às escâncaras a parcialidade de um juiz.

Data vênia, imparcialidade e competência são pressupostos processuais. Mas, a apreciação da suspeição antecede ao da competência. Ambos são requisitos de validade da relação processual. Uma diz respeito ao juízo (competência) e outra ao juiz (suspeição).

Observo que os princípios estampados no artigo quinto, LIII, da Constituição Federal, bem como o artigo oitavo, i, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, não têm por fim assegurar somente um juiz previamente designado em lei para julgar a demanda, mas também – e sobretudo – garantir que as partes contêm com um juiz imparcial. Como bem disse Guilherme de Souza Nucci (Código de Processo Penal Comentado, décima edição, pág. 293), então essa é a razão pela qual a exceção de suspeição ou de impedimento precede toda e qualquer outra defesa indireta contra o processo. Afinal, um juiz parcial não seria legalmente aceitável para decidir qualquer outro obstáculo ao correto desenvolvimento processual. Essa é a razão de que a arguição de suspeição precede a qualquer outra.

Mas o depoimento de Tacla Duran vai mais além. Retrata a possibilidade de existência de um crime de extorsão, um grave delito penal.

Dispõe o artigo 158 do Código Penal: “Constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa”.

Para Guilherme de Souza Nucci (Código penal comentado,8ª edição, pág. 737), a extorsão é uma variante patrimonial muito semelhante ao roubo, pois também implica numa subtração violenta ou com grave ameaça de bens alheios. Explica que a diferença concentra-se no fato de a extorsão exigir a participação ativa da vítima fazendo alguma coisa, tolerando que se faça ou deixando de fazer algo em virtude da ameaça ou da violência sofrida. Assim enquanto no roubo o agente atua sem a participação da vítima, na extorsão o ofendido colabora ativamente com o autor da infração penal.

O objeto da tutela jurídica neste crime é o patrimônio, bem como a liberdade e a incolumidade pessoal.

Os sujeitos ativos podem ser quaisquer pessoas. Sendo funcionário público a simples exigência de uma vantagem indevida em razão da função caracteriza o delito de concussão previsto no artigo 316 do Código Penal. Se o agente constrange alguém com o emprego de violência ou mediante grave ameaça, para obter proveito indevido, não pratica unicamente o crime de concussão, indo mais além, praticando um crime de extorsão (RT 329/100, 435/296, 475/276, 714/375).

É vítima aquele que é sujeito à violência ou ameaça, o que deixa de fazer ou tolerar que se faça alguma coisa, e, ainda, o que sofre o prejuízo jurídico.

Para Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, parte especial, 7ª edição, pág. 306) a ação incriminada é, fundamentalmente, um constrangimento ilegal, que se pratica com o fim de se obter indevida vantagem econômica. Consiste em constranger alguém a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Diz ele que o processo executivo da extorsão deverá ser a violência ou grave ameaça. Ora, são precisamente os meios de execução que distinguem este crime do estelionato, pois, neste último, a vantagem indevida se obtém mediante fraude, pois o agente induz o lesado em erro, levando-o, assim, a praticar a ação que pretende.

Ensinou Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, volume VII, pág. 69 e 70) que “uma das mais frequentes formas de extorsão é a praticada mediante ameaça de revelação de fatos escandalosos ou difamatórios, para coagir o ameaçado a comprar o silêncio do ameaçador. É a chantagem, dos franceses, ou blackmail dos ingleses”.

Certamente o constrangimento deve ser praticado com o propósito de obter, para si ou para outrem, indevida vantagem econômica. A questão do momento consumativo deste crime, perante a lei brasileira, levou a Magalhães Noronha (Crimes contra o patrimônio, I, 224) entender ser necessário a consumação, assim como algumas decisões (RF 181/343), para que o agente obtenha efetiva vantagem patrimonial. Nelson Hungria (obra citada, volume VII, pág. 71) e Oscar Stevenson (Direito penal, 1948, 36) entenderam que ser o crime formal, consumando-se com o resultado do constrangimento, sendo, para isso, irrelevante que o agente venha ou não a conseguir a vantagem pretendida.

Se confirmada a existência desse crime observar-se-á que a Lava-Jato chegou ao fundo do poço.

Mais do que uma operação política era um caso de polícia.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.