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Análise

Não existe crise na direita de Natal

A crise na direita de Natal foi um dos assuntos que tomou conta das manchetes do noticiário da capital por causa da decisão do comunicador BG deixar o PSDB porque o partido decidiu dialogar com a deputada federal Natália Bonavides (PT).

BG deixou o PSDB porque não gostou de não ter sido consultado e vai se alinhar onde se sente mais à vontade, ou seja: com quem não dialoga com o PT.

Não há crise na direita por causa disso.

Não há direita aí. O que existe é o bolsonarismo, uma corrente de extrema-direita que orbita em torno do senador Rogério Marinho (PL) no Rio Grande do Norte.

Da famosa foto da direita, na verdade extrema-direita, o único que nunca orbitou no radicalismo político, o deputado federal Paulinho Freire (União), foi o único que se afastou do grupo. Agora ele está próximo do ex-prefeito Carlos Eduardo Alves (PSD), líder em todas as pesquisas.

O bolsonarismo não está brigado em Natal. Apenas um de seus integrantes deixou um partido de centro-direita. Ele retirou a pré-candidatura e deve seguir no mesmo campo político.

 

 

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Artigo

Rogério Marinho, farsa do avô, chora e se oferece para liderar extremistas

Por Reinaldo Azevedo*

Houve uma audiência pública na noite desta quinta no Senado, requerida por Eduardo Girão (Novo-CE) e Jorge Seif (PL-SC), para debater a situação dos golpistas que ainda estão presos. Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição, roubou a cena. Sabem o sentimento de vergonha alheia? Raramente me senti tão constrangido ao me imaginar na pele de outro. Marinho perdeu as noções de limite, ridículo e compostura.

A sessão se transformou numa espécie de catarse para demonizar o ministro Roberto Barroso, do STF. Em evento da UNE, na quarta, Barroso afirmou: “Nós derrotamos a censura, nós derrotamos a tortura, nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas”. Era evidente que se referia ao golpismo, não àqueles que se identificam com a oposição. Já tratei do assunto no programa “O É da Coisa” (vídeos abaixo). Não me aterei a isso agora.

Quando chegou a sua vez de falar, eis que Marinho, santo Deus!, começou a chorar. Seu pai, presente à sessão — o ex-senador Valério Djalma Cavalcanti Marinho —, então se levanta para abraçá-lo. Os demais o aplaudem. Comoveu-se ao pensar nos golpistas que estão atrás das grades. Que fofo! Não consta que este senhor tenha derramado uma miserável lágrima pelos mais de 800 mil encarcerados no país — 40% sem sentença com trânsito em julgado. Durante a pandemia, quando seu chefe político aderiu à necropolítica, o número passou dos 900 mil. Trata-se da terceira maior população carcerária do mundo. Boa parte está confinada em masmorras, muito longe das condições salubres em que se encontram os que tentaram pôr fim à democracia, sob o silêncio cúmplice de gente como… Rogério Marinho.

MOMENTO NAUSEANTE

Foi um momento nauseante do Parlamento brasileiro. Presente à sessão, gente como Flávio Bolsonaro, o “Zero Um” do “Zero Zero”, que é o inspirador da divisa criminosa que essa gente tem para os pretos de tão pobres e pobres de tão pretos que se amontam nos presídios: “Direitos humanos para humanos direitos”. Ainda me lembro da que disse o Coiso ao saber que, num presídio, presos estavam decapitando seus adversários internos. Indagou se havia alguma pessoa boa por lá. Marinho pretende ser a face humana e civilizada dessa escória. Mas, como se verá, é tarefa impossível.

O “capitão” está inelegível e assim seguirá por oito anos — por enquanto. Acho que a sua situação vai se agravar. E chegará o dia em que ele próprio integrará o grupo dos mais de 800 mil, mas com direitos respeitados, é claro! Marinho foi picado pela mosca azul. Está se oferecendo como pré-candidato a líder da extrema-direita e, pois, como alternativa em 2026. O discurso que se seguiu às suas lágrimas deixa isso evidente. Candidata-se a pensador e a estrategista da turma.

Para quem tinha acabado de perder a fala, movido por forte emoção, tornou-se surpreendentemente eloquente:”Eu acho que todos nós temos uma responsabilidade muito grande. Estamos vivendo um momento muito desafiador, que nos cobra atitude, mas também nos cobra inteligência (…). Nós temos que ter resiliência, planejamento, estratégia”.

E quem está pronto a oferecer tudo isso? Bidu! Acertou quem pensou… “Rogério Marinho”!

O fiel servidor de um fascistoide golpista, que passou quatro anos tentando golpear a democracia e optou pela política da morte no na “parceria” com a pandemia, passou, então, a falar como um militante da resistência numa França ocupada pelos nazistas:”Nós precisamos desmistificar o que é colocado como lugar comum, como uma palavra de ordem, uma estratégia deliberada de desumanizar aqueles que pensam diferente. Eu acho que a palavra de ordem é ‘relativização’. Nós estamos relativizando a democracia, a inviolabilidade dos mandatos, a Constituição, os direitos humanos, o ordenamento jurídico, os valores…”

Alguém tem memória de um só discurso de Marinho em favor da democracia e do estado de direito quando o seu antigo líder saía por aí a ameaçar as eleições? E ele prosseguiu:”Há dois ordenamentos jurídicos no país: um para os que estão dentro de um espectro ideológico; outro para aqueles que foram vencidos na eleição, de todas as maneiras possíveis”

Estre senhor estaria obrigado, se fosse sério, a apontar um só exemplo de pessoa que tenha sido punida ou perseguida por qualquer dos entes do Estado apenas por fazer oposição. Ocorre que Marinho já deixou claro mais de uma vez que suas concepções de liberdade de expressão e imunidade parlamentar abrigam práticas e discursos criminosos.

Mas sigamos com ele: “Eu acho que, mais do que nunca, é necessário restabelecer a normalidade democrática do nosso país, e isso passa por que cada instituição cumpra o seu papel, sem essa hipertrofia, ou essa interferência entre as ações dos respectivos Poderes.”

A normalidade passa pelo cumprimento do que está na Constituição, que não autoriza que as pessoas se organizem para dar golpe de Estado. Mas agora vem o pulo do gato golpista. Esse orador que parece, assim, vegetariano, herbívoro mesmo, vai agora mostrar o seu lado carnívoro. Prestem atenção ao que segue: com sua falinha mansa, vai endossar a tese da extrema-direita mais abjeta, segundo a qual os responsáveis pelo golpe são aqueles que seriam golpeados. Leiam:”Eu tenho tentado, dentro da minha condição de parlamentar e da responsabilidade de liderar uma oposição que é multifacetada, transmitir, sobretudo, a essência do pensamento de grande parte da população brasileira, que sente, mais do que nunca, a necessidade de que esses fatos [os atos de 8 de janeiro] sejam elucidados. Porque, se aconteceu, foi permitido, e quem permitiu o fez por desídia ou por dolo”.

É a mesma lógica que culpa a pessoa estuprada pelo estupro. Segundo tal perspectiva, a vítima será sempre a responsável pelo mal que outro lhe faz. Ora, tivesse tomado as medidas preventivas, e o crime não teria se consumado. Alguma fez para merecer: estava com saia curta, andou em lugar escuro, não seguiu medidas de segurança. A extrema-direita punitivista e reacionária, de que Marinho faz parte, se torna, assim, surpreendentemente permissiva e laxista. Mas calma lá! Só com bandidos que partilham da mesma ideologia, da mesma visão de mundo. É Marinho quem pede um regime jurídico particular.

E o livre-pensador prosseguiu:”Hoje, falar diferente é nadar contra a maré. Nós estamos terminando esse período agora, vamos ter um recesso de 15 dias, mas não há recesso para quem está preso, para quem tá longe das suas famílias. Hoje, meu pai vem me visitar. O nome da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal chama-se Djalma Marinho, que é o pai dele, meu avô. E eu me lembro, Magno [Malta], que, naquela época, nos idos de 68, quando foi decretado o AI-5, onde o arbítrio realmente impediu que as pessoas se manifestassem, onde houve, de fato, censura em nosso país, foi fruto de uma ação do meu avô, que, então presidente da Comissão de Constituição e Justiça, impediu que um deputado de oposição fosse cassado porque falou no exercício do seu mandato. Não concordar com que alguém diz é natural, é saudável, é salutar, faz parte do processo democrático, da convivência entre os contrários.”

Marinho é um rascunho malfeito de militante liberal. Ele se refere ao discurso proferido pelo deputado Márcio Moreira Alves no dia 2 de setembro de 1968, denunciando tortura e pregando que as moças boicotassem a festa de formatura de militares. A ditadura exigiu que a Câmara desse licença para que fosse processado. O então presidente da CCJ, Djalma Marinho, avô de Rogério, que pertencia, note-se, à Arena, o partido da ditadura, não se vergou. O neto deveria se lembrar do que disse seu avô, citando o poeta espanhol Calderón de la Barca: “Ao rei tudo, menos a honra”.

Continuemos com aquele que se candidata a ser a farsa do avô:”E que nós vemos hoje é que boa parte da nossa mídia diz o seguinte: ‘Ele não pode falar porque ele professa uma ideologia que nos choca. E todos nós somos colocados de uma forma caricata, como se fôssemos de extrema-direita. Porque defendemos valores, a família, a religião, a liberdade, o livre arbítrio, a propriedade? Se esses são conceitos que caracterizam o extremismo, o que dirá da extrema-esquerda, que defende a invasão de propriedades, as políticas identitárias como condições doutrinárias para serem inoculadas no conjunto da sociedade, não como um processo de tolerância, mas como um processo de imposição de atitudes? Vivemos tempos desafiadores, mas a nós cabe, eminente presidente, termos a inteligência de fazermos o enfrentamento da maneira adequada. E você coloca com muita propriedade na sua fala: nós ainda temos a nossa voz, que necessariamente precisa reverberar, ecoar cada vez mais forte para que as pessoas tomem conhecimento do que tá acontecendo no nosso país. E que a conivência, concordância, a resignação, ela não vai levar a lugar nenhum. Todos nós podemos fazer a nossa resistência, mostrando os equívocos e apontando o caminho da tolerância, da normalidade, do restabelecimento do estado de direito”.

Marinho se tornou um caricato extremista de direita. Márcio Moreira Alves falava em defesa da democracia e denunciava o arbítrio. O AI-5 foi baixado por um regime de força apoiado por seu avô, ainda que tenha se comportando de maneira decente no episódio em questão. É irresistível escrever o que vai agora: Djalma, o avô, teve um comportamento digno numa ditadura de que era aliado; Rogério, o neto, comporta-se de modo indigno numa democracia de que se mostra adversário.

O seu aparente discurso em defesa da liberdade e da tolerância quer inocular na sociedade, ao contrário do que diz, a cultura do ódio. Os que não estão com Marinho, Bolsonaro e sua turma seriam, então, adversários da família, da religião, da liberdade, do livre arbítrio e da propriedade. De modo pensado, não se limita a convocar os proprietários de terra — o governo ao qual ele se opõe fez o maior Plano Safra da história —; ele também conjura as hostes da homofobia e da transfobia para enfrentar aqueles que estariam interessados em “impor as suas atitudes” a gente como ele próprio, esse poço de virtudes.

Vale dizer: demoniza como adversários da família, da religião e da propriedade os que não estão com ele para, hipocritamente, pregar a “tolerância, a normalidade e o estado de direito”.

ENCERRO

Em defesa de quem, mesmo, discursava este senhor tão distinto? Dos golpistas que promoveram o mais violento ataque da história às instituições em tempos democráticos. Seu avô, apoiador do golpe de 1964, resistiu a ser mero esbirro de uma tirania e disse: “A honra não”. O neto topa ser escora da extrema-direita, ainda que custe a honra. Ou o que dizer um senador que não hesita em marcar os vulneráveis como alvos numa fala “em nome da liberdade”?

Este senhor foi às lágrimas para se oferecer como uma alternativa da extrema-direita em 2026. Mais uma evidência de que não tem noção de limites. Nem dos próprios.

Cabe a síntese: ao chamar a memória de Djalma Marinho, parece ambicionar a repetição da história. Ela se repete? Ah, é irresistível citar um certo Karl Marx:”Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.”

Rogério é a farsa de Djalma.

*É jornalista e colunista da Folha de S. Paulo de onde extraímos este texto.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

 

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O triunfo da mentira

Ontem o Projeto de Lei 2630, conhecido como PL das Fake News, foi retirado de pauta da Câmara dos Deputados a pedido do relator Orlando Silva (PC do B/SP). O ato é uma demonstração do triunfo da mentira.

Em vez de debatermos a real motivação da proposta que é a formatação de uma legislação para responsabilizar as big techs, donas das redes sociais, sobre a divulgação de notícias falsas, discurso de ódio e golpes financeiros, a extrema-direita conseguiu impor a sua pauta com o debate sobre se a proposta era ou não censura.

A pressão das big techs com aliança objetiva do bolsonarismo surtiu efeito. Não há um único trecho que trate de censura na proposta, muito pelo contrário, há reafirmação da liberdade de expressão como um direito humano como é direito humano de receber informações verdadeiras.

O PL das Fake News virou um embate entre o direito de enganar e o direito de não ser enganado e a extrema-direita venceu.

Nem parece que só esse ano tivemos um golpe de estado fracassado motivado por mentiras espalhadas nas redes sociais, 35 crianças perderam a vida em escolas a partir de ações inspirada em discursos de ódio na internet, que pessoas caem em golpes financeiros a partir de post s patrocinas e que existe uma rede social chamada “discord” que tem como marca o incentivo a automutilação de adolescentes.

A mentira, por enquanto, triunfou.

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Matéria

Rogério Marinho minimiza número mortes provocada pelo nazismo e segue cartilha da extrema-direita com comparação ao comunismo

Em entrevista a O Globo (leia AQUI) o senador Rogério Marinho (PL) avaliou o contexto político da oposição na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do golpe fracassado de 8 de janeiro.

Na entrevista ele afirma que a página que não está virada é das omissões na agressão à democracia. Ao atacar o PT, Marinho afirma que o que não pode é fazer apologia ao nazismo a quem disse ter matado um milhão de pessoas, um número bem menor do que a estatística real. Além disso ele faz a equivalência inadequada ao comunismo, seguindo a cartilha da extrema-direita.

“Vi tanta retórica de membros do PT dizendo que iam fechar o Congresso, prender ministros do STF. A gente não viu essa indignação. Se alguém fala algo que me chateia, constrange, eu quero ter a oportunidade de contraditar essa pessoa, mas respeitar o fato de que ela pode falar. O que acho que não pode acontecer? Por exemplo, fazer apologia ao nazismo todos sabemos que é criminoso, imoral, a nossa legislação proíbe. O nazismo matou um milhão de pessoas. O comunismo matou também”, disse.

Na verdade, as pesquisas variam entre cinco e seis milhões de judeus mortos pelos nazistas, para ficar apenas no mais famoso grupo étnico perseguido por Adolf Hitler e seus liderados. Fora pessoas LGBT, testemunhas de jeová, ciganos e soldados adversários.

Outra avaliação errada de Rogério é comparar nazismo e comunismo, ainda que seja em termos de quantidade de mortes. O nazismo é uma ideologia que prega o extermínio de etnias como judeus, ciganos e negros. Já o comunismo é um sistema econômico cuja premissa é a igualdade social que na prática fomentou diversas ditaduras ao longo do século XX.

Para saber mais acesse:

https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/documenting-numbers-of-victims-of-the-holocaust-and-nazi-persecution

https://cultura.uol.com.br/noticias/46349_porque-nao-se-deve-comparar-o-comunismo-com-o-nazismo.html

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Análise

Rogério quer posar de moderado ao lado de Damares Alves. Já chegou a hora de classificar o senador eleito como extrema-direita

Candidato a presidente do Senado, Rogério Marinho (PL), um novato na casa, já quer chegar mandando na coisa toda. O discurso é de lobo em pele de cordeiro. Promete resgatar a altivez da casa, defender a democracia e liberdade de expressão.

O golpe está aí, cai quem quer.

A mídia nacional até andou manchetando que “Marinho tenta se afastar do bolsonarismo radical e fala sobre democracia”.

Abre parêntese: falar em bolsonarismo radical dá a entender que existe um bolsonarismo moderado. O bolsonarismo é um movimento político de extrema direita. Logo não há moderação nessa gente.

Se afastar do bolsonarismo radical e fazer defesa da democracia ao lado de Damares Alves (Republicanos)? Damares é uma fundamentalista cristã eleita pelo Distrito Federal. É uma das figuras mais nefastas do bolsonarismo.

Quando foi ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares esteve envolvida em tudo que foi crueldade praticada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). Foi ela quem pediu para que o então presidente vetasse o envio de leitos de UTI, água potável, materiais informativos e itens de higiene para os ianomamis em plena pandemia de covid-19.  Está envolvida até o pescoço no genocídio contra aquela comunidade ianomami. Para ficar apenas no assunto mais atual.

No sábado, Rogério fez um discurso com essa pessoa ao lado dele.

Com fala mansa, o senador eleito é capaz de dizer as maiores atrocidades sem chocar. Quando defende a liberdade de expressão está querendo proteger propagadores de notícias falsas, quando fala em liberdade econômica é no sentido de tirar direitos dos trabalhadores e proteger os ricos (ele acha taxar grandes fortunas uma demagogia), quando fala em proteger o parlamento de abusos do judiciário quer poupar os envolvidos no golpe fracassado do dia 8 de janeiro e por aí vai.

Ele naturaliza o absurdo com uma extraordinária cara de pau. De moderado, Marinho só tem o tom de voz.

Já passou da hora de cravar em Rogério Marinho rótulo da extrema direita.

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Artigo

A centralidade da defesa da democracia no debate público

“(…) aliás, toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata entre a aparência e a essência das coisas (…)” – Karl Marx

Por Pedro Lúcio Góis e Silva*

Desde a derrota na eleição presidencial no segundo turno das eleições de 2022, a extrema-direita viu-se desnorteada, seja porque esperavam que o uso imoral de recursos públicos e instrumentos legais e ilegais dos mais diversos surtissem efeito suficiente para alterar o quadro eleitoral apontado nas pesquisas, ou porque a crença propagada entre os militantes de que eles ganhariam o pleito com larga margem de diferença viu sua ruína. Fato é que desde a derrota, esse agrupamento golpista de porta de quartel adotou várias estratégias para tentar dominar o debate público, desde a produção de mentiras em escala industrial (aqui destaco as centenas de notícias faltas afirmando que o resultado das eleições seria anulado), até a distorção de fatos históricos para tentar minimizar os gravíssimos atentados golpistas do presente (aqui é preciso fazer menção à tentativa de equiparação dos atos de 2013 e 2017 com os gravíssimos atentados dos dias 12 de Dezembro de 2022 e 08 de Janeiro de 2023) na tentativa de desviar o foco do debate político e apresentar uma contra ofensiva, afinal, a tônica atual do debate público é pela responsabilização do agrupamento golpista pelos mais diversos e desumanos crimes que se possa imaginar, desde a tentativa de subversão e destruição da ordem democrática, passando por dezenas de denúncias de corrupção, até o genocídio de povos originários em conluio com traficantes e garimpeiros ilegais.

Mais recentemente, o Presidente Lula chamou Michel Temer de golpista em dois eventos de sua primeira viagem internacional. Isso não é novidade alguma, essa é a narrativa do Presidente, de seu partido – o PT – e de grande parte da esquerda e centro-esquerda brasileira desde 2016, inclusive durante o processo eleitoral de 2022. No entanto, dessa vez o discurso deu margem para que a estratégia da extrema-direita explorasse as contradições dentro da coalizão que se formou pela defesa da democracia a reavivasse o debate sobre a qualidade do impeachment da Presidenta Dilma, debate que, embora muito importante para que a história recente do Brasil seja compreendida, nesse momento mais atrapalha do que ajuda na manutenção da frente ampla em defesa da democracia, ponto central dessa quadra histórica, justamente porque é um tema em que não há consenso dentro dessa frente ampla. Trata-se, portanto, de uma verdadeira armadilha contra a qual faz-se urgente a retomada da centralidade da defesa da democracia no debate público por todos aqueles que reconhecem a ameaça que enfrentamos nesse momento.

Por fim, a Ciência Política nos ajuda a compreender a essência por trás da aparência que se sintetiza na realidade. Para entendermos a essência do processo que retirou a Presidenta Dilma do poder em 2016 não basta analisar metodicamente se os requisitos para o processo de impeachment foram cumpridos, mas, mais do que isso, é preciso que analisemos quais os objetivos pretendidos e alcançados com aquele procedimento, e fica claro que o objetivo não era responsabilizar a Presidenta por um crime de responsabilidade, afinal, até seus direitos políticos foram mantidos ao final do processo, mas sim implementar, à revelia do voto popular, um programa de retrocesso de direitos sociais e trabalhistas e enfraquecimento do papel do Estado Brasileiro, programa esse materializado no Teto de Gastos, Reforma Trabalhista, privatizações, redução dos orçamentos da saúde e educação entre outros retrocessos, caracterizando, para este autor que vos escreve, portanto, um golpe. De toda forma, espero sinceramente que esse debate não perdure e que possamos novamente, superando as discordâncias sobre essa interpretação, nos unirmos em defesa da democracia, sob a liderança do Presidente Lula, em torno da implementação do programa de governo que recebeu o crivo das urnas nas eleições de 2022.

*É Petroleiro, Bacharel em Direito pela UFERSA e pós-graduado em Direitos Humanos pela UERN. Atualmente ocupa o cargo de Diretor da Federação Única dos Petroleiros – FUP, do Sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio Grande do Norte – SINDIPETRO/RN e da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Reportagem

Girão passa a ter agenda mais produtiva após ficar com fama de “fiscal de outdoor”

Sem outdoors e manifestações golpistas, Girão tem agenda de político normal (Foto: Rodrigo Maker)

Num dia ele pegou ar por causa de outdoor em Natal em que o presidente Jair Bolsonaro é chamado de genocida. Em outro (25 de abril) ele foi Upanema inaugurar um outro enaltecendo o chefe do executivo nacional.

Os dois casos atentaram contra a imagem do deputado General Girão (PSL). Pipocaram críticas nas redes sociais apontando-o como um parlamentar improdutivo.

Após isso e o desgaste por liderar mais uma manifestação golpista (em 1º de maio), o deputado bolsonarista decidiu agir à moda da velha política que ele tanto condena. Passou a adotar uma agenda mais presente nos assuntos do Rio Grande do Norte visitando lideranças e anunciado emendas, como qualquer político normal faz em um ambiente democrático.

Vamos a algumas ações:

Em 3 de maio Girão esteve em Natal onde anunciou uma emenda de R$ 200 mil para a cultura natelense prometendo trazer o ator Mário Frias, secretário de cultura, para uma agenda em Natal. “Nosso mandato tem o compromisso de apoiar a cultura do Rio Grande do Norte, em especial, a da capital e, por isso, decidimos destinar esses recursos que visam contribuir com o belo trabalho que vem sendo feito pela Banda Sinfônica do Município”, frisou.

No dia 14 ele acompanhou a entrega de unidades habitacionais visitou as obras de reestruturação da malha Ferroviária de Natal e região Metropolitana.

No dia 19 ele estevem em Ceará-Mirim acompanhando a adesão do Município ao Programa Titula Brasil, voltado para a regularização fundiária. Antes, no dia 17, ele se encontrou com o prefeito de Natal Álvaro Dias (PSDB) e com a vereadora Nina Souza (PDT) para tratar da drenagem e pavimentação dos bairros de San Vale e Parque das Colinas.  Nesta mesma data ele acompanhou o ministro Rogério Marinho na assinatura da ordem de serviço para instalação de 462 cisternas e 275 poços no Rio Grande do Norte.

Após a chacota na imprensa potiguar Girão parece ter entendido que é melhor ser um político normal.

Nota do Blog: como certamente não vai gostar do texto o deputado terá mais uma chance de mostrar que virou um político normal: enviar um direito de resposta sem precisar recorrer a uma notificação extrajudicial em tom de ameaça.

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Reportagem

Como o Youtube se tornou um celeiro da nova direita radical

Por Yasodara Córdova

The Intercept

Resolvi fazer um experimento. Com um navegador recém instalado, abri o YouTube e cliquei em um vídeo sobre as máquinas de forjamento de martelo mais rápidas e pesadas que existem. Deixei o sistema rodar mais 13 vídeos na sequência, assistindo aos vídeos, sem deixar likes ou fazer login. A ideia era ver quais eram as sugestões que o YouTube recomendava depois do primeiro.

Após passar por vídeos de halterofilismo, corte de árvores e muitos anúncios de ferramentas pesadas, equipamentos e carne para churrasco e outros, o YouTube me recomendou um vídeo sobre como fazer munição para uma arma semi-automática.

As recomendações e os anúncios, voltados para quem exalta o estilo de vida do Rambo, mostram que os algoritmos entenderam que, porque eu cliquei em um único vídeo de máquinas pesadas, eu sou homem e gosto de armas e churrasco.

Essas conexões que os algoritmos fizeram vêm dos dados que o YouTube analisou sobre meu comportamento no site e sobre os vídeos com os quais interagi, seja clicando sobre o vídeo, pausando, aumentando o volume ou até mexendo o mouse sobre as recomendações. Tudo é monitorado. As métricas que escolhem quais vídeos serão recomendados são baseadas, principalmente, na possibilidade de um vídeo ser assistido pelo usuário. Ela faz parte de um mecanismo sofisticado de inteligência que tem um objetivo principal: fazer com que você passe o máximo de tempo possível no YouTube.

Como conteúdos extremistas naturalmente chamam mais atenção, a plataforma cria uma bolha conectando vídeos bizarros. Assim, usuários mergulham cada vez mais fundo num assunto. Não por acaso, da fabricação de martelos eu fui levada pelo algoritmo para um vídeo sobre munição e armas em apenas 13 passos. A mesma coisa acontece com vídeos relacionados à política.

Recomendação ao extremo

Em 2015, os usuários do YouTube subiam 400 horas de vídeo por minuto. A maior parte desse conteúdo é criada de forma amadora. No site, usuários de todo o mundo gastam mais de um bilhão de horas assistindo a vídeos todos os dias.

Apesar de ter um serviço de assinaturas, o YouTube Premium, o serviço ganha dinheiro mesmo é com anúncios. Para sustentar a infraestrutura necessária – e garantir que o modelo continue crescendo – o site precisa ser gigante. Como na velha TV aberta, quanto mais pessoas assistindo a um programa, mais gente vê os comerciais durante os intervalos.

Para manter o interesse das pessoas nos canais – e garantir que elas sejam expostas a mais e mais anúncios –, a plataforma usa algoritmos para organizar o conteúdo e circular vídeos novos, gerando uma demanda diária por novo material. Esses algoritmos usam uma combinação de dados para recomendar vídeos que visam, literalmente, prender e viciar as pessoas.

Quando o sistema de recomendações foi lançado, em 2010, ele deu resultados imediatos: começou a ser responsável por 60% dos cliques dos usuários, segundo artigo científico escrito pelos cientistas do Google no mesmo ano.

Em 2015, com a liderança do time Google Brain, a empresa começou usar aprendizado de máquina – conhecido em inglês como machine learning – para melhorar o sistema de recomendações. Em 2017, o YouTube começou a rodar tudo sobre uma sofisticada plataforma de inteligência artificial, o Tensorflow.

Estava completa a transição para um sistema que aprende sem ser “supervisionado” por humanos – tecnologia também chamada de unsupervised deep learning, ou aprendizado profundo sem supervisão. Esses algoritmos escolhem quais vídeos vão para a barra de recomendados, quais aparecem na busca, qual vídeo toca a seguir quando no modo reprodução automática (o autoplay) e também montam a homepage dos usuários no YouTube. Sim, cada vez que você abre sua home ela está diferente. Ela foi customizada pelas máquinas para que você assista mais e mais vídeos.

Para tomar as decisões por você, os algoritmos associam significados que eles mesmos aprendem em etapas, de modo a filtrar e combinar categorias para chegar em um conjunto de vídeos ou anúncios para recomendar. Primeiro, dão um significado para um vídeo segundo suas características. Depois, combinam esse significado com mais dados, como por exemplo a quantidade de horas que um usuário gasta assistindo determinados vídeos com significados semelhantes. As categorias vão sendo combinadas pelos algoritmos para encontrar as recomendações que o usuário tem mais possibilidade de clicar e assistir:

O site gera essas recomendações a partir das suas interações, nas informações dos vídeos e nos dados dos usuários. Isso engloba tudo que você faz no navegador: parar o vídeo, colocar o mouse por cima de determinada imagem, aumentar ou diminuir o volume, quais abas você está navegando quando está vendo vídeos, com quem você interage nos comentários e que tipo de comentários faz, se deu like ou dislike e até mesmo a taxa de cliques em recomendações etc.

Gráficos mostram a arquitetura do sistema de recomendação demonstra o ‘funil’ que classifica os vídeos para o usuário.

Como a interação não é só baseada em likes, o YouTube valoriza também os comentários, atribuindo valores de positivo e negativo às conversas. Por causa disso, o feedback do usuário sobre o vídeo é avaliado e pesa na fórmula que calcula a possibilidade da pessoa assistir aos outros vídeos. Mesmo sem dar like, você entrega os seus dados e tem sua interação monitorada o tempo todo.

Os autores dos vídeos sabem muito bem como funciona essa lógica. Os anunciantes também. Os youtubers têm à sua disposição a plataforma para criadores do YouTube, o YouTube Studio, que fornece métricas e informações sobre a audiência. Assim, existe um incentivo para os produtores fazerem vídeos cada vez mais extremos e bizarros para prender a audiência o máximo possível. Isso explica um pouco a obsessãoda internet pela banheira de Nutella, e também ajuda a entender como se elegeram tantos youtubers interconectados nas últimas eleições.

Como conteúdo radical dá dinheiro, por conta dos anúncios, extremistas usam também outras ferramentas para incentivar a formação de bolhas e atrair cada vez mais gente. No Brasil, donos de canais de conteúdo extremo e conspiratório, como a Joice Hasselmann, por exemplo, costumam divulgar seu número do WhatsApp, viciando as pessoas em seus conteúdos com base na exploração dessa relação de proximidade ou intimidade.

Redes de extrema-direita

Enquanto o Google terminava a transição da sua tecnologia no YouTube, surgiram denúncias sobre como vídeos de conteúdo extremo começaram a ganhar audiência na plataforma – muitos deles, inclusive, recomendados a crianças. Em 2017, pesquisadores descobriram uma rede de produtores de conteúdo que fazia vídeos com conteúdo bizarro para crianças: afogamentos, pessoas enterradas vivas e outros tipos de violência eram empacotados com música e personagens infantis.

Alguns pesquisadores, como a americana Zeynep Tufekci, escreveram sobre como o YouTube estava lhe recomendando conteúdos da extrema direita americana após ela ter visto um único vídeo de Donald Trump. No Brasil não é diferente. Basta assistir a um vídeo de extrema direita que as recomendações vão garantir que você se aprofunde cada vez mais no ódio:

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Vídeo de Kim Kataguri “puxando” o fio de outros vídeos extremistas, com direito a anúncio do Trump e tudo.

Foto: Reprodução/YouTube

A radicalização acontece muito mais à direita do que à esquerda. Primeiro porque os produtores de conteúdo conservadores souberam bem agregar pautas polêmicas e teorias conspiratórias que já faziam sucesso na internet, como o criacionismo. Além disso, há uma coerência em suas pautas – os assuntos em comum ajudam a alavancar a audiência de forma mútua. Já a esquerda, além de ter uma pauta mais fragmentada que nem sempre se conversa – há o feminismo, a luta antirracista, os marxistas etc –, não conseguiu surfar a onda das polêmicas de internet.

Guillaume Chaslot, que é ex-funcionário do Google e hoje trabalha em uma fundação para a transparência de algoritmos, tem argumentado desde 2016 que a plataforma de recomendações do YouTube foi decisiva nas eleições de Trump, espalhando notícias falsas e teorias da conspiração. Segundo ele, o algoritmo vendido como neutro pelo Google ajudou a garantir audiência para vários vídeos conspiratórios, como um em que Yoko Ono supostamente admitiria ter tido um caso com Hillary Clinton nos anos 1970 e outro sobre uma falsa rede de pedofilia operada pelos Clinton.

O impacto desse tipo de conteúdo, porém, não é fácil de ser medido – a fórmula dos algoritmos é mantida em segredo pela empresa, ou seja, não dá para saber exatamente quais são os critérios que determinam o peso de cada característica no processo de decisão sobre qual vídeo indicar.

ESSE SISTEMA cria uma rede interligada – que, em conjunto, fica mais poderosa. Analisando mais de 13 mil canais de extrema direita no YouTube, Jonas Kaiser, pesquisador do Berkman Klein Center de Harvard, percebeu que elas estão conectadas internacionalmente dentro do YouTube, especialmente por conta do compartilhamento de vídeos com idéias extremistas. É uma rede fértil para circular a ideia de que políticas afirmativas para negros são parte de uma conspiração para acabar com a raça branca ocidental, por exemplo, o delírio de que vacinas são parte de um plano para acabar com determinadas populações em um experimento ou até a história de que as eleições brasileiras estariam em risco por uma suposta fraude nas urnas eletrônicas.

Os dados levantados por Kaiser mostram que o esquema de recomendação do YouTube “conecta diversos canais que poderiam estar mais isolados sem a influência do algoritmo, ajudando a unir a extrema direita”, ele escreve.

Não é por acaso que o teor conspiratório dos vídeos dos EUA é bem parecido com as redes de outros países: quase sempre envolve vacinas, terraplanismo, pedofilia e uma suposta organização internacional de esquerda sedenta por tomar o poder.

No Brasil, o cenário não é muito diferente. Temos a nossa própria rede de influenciadores de extrema direita, catapultados para a fama com a ajuda do algoritmo do YouTube. Nando Moura, com quase três milhões de seguidores, já fez vídeos defendendo a existência da cura gay. Outro influenciador, Diego Rox, defende para seus quase um milhão de seguidores a existência da Ursal. Todos recomendados por Jair Bolsonaro, que se beneficia da popularização de teorias conspiratórias de extrema direita.

Recentemente o Google reconheceu o problema. A empresa disse que passaria a sinalizar vídeos que espalhassem desinformação e exibiria, junto com eles, conteúdo da Wikipedia, em uma medida que pareceu um pouco desesperada. E não ataca a raiz do problema: seu modelo exploratório de negócios, uma herança da televisão.

A verdade é que o YouTube é um grande laboratório de machine learning, onde os seres humanos são as cobaias. Resta saber qual é o real impacto do experimento no exercício da liberdade de escolha e expressão. O problema é que eu desconfio que algo não está dando muito certo.