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O fim da saída temporária

Por Rogério Tadeu Romano*

O Senado aprovou projeto de lei que restringe a “saidinha”, a saída temporária de presos em datas comemorativas, e veda a concessão em casos de crime hediondo ou cometido com violência ou grave ameaça. O texto voltará para a Câmara, que havia aprovado mudança mais drástica, com o fim integral. O benefício é dado hoje a quem cumpriu pelo menos um sexto da pena, no caso de primeira condenação, e um quarto, quando reincidente.

A Lei Anticrime sancionada em dezembro de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro acabou com a saída temporária de presos que cometeram crimes hediondos com morte da vítima.

A medida, porém, só será aplicada a crimes cometidos após o texto entrar em vigor, a partir do dia 23 de janeiro de 2020.

Mas, sob o noticiado projeto de “endurecimento” da execução penal quanto ao benefício aqui discutido disse a Folha, naquele editorial:

“Embora não desprezível, a proporção de presos que não retornam da saída temporária é relativamente baixa. Em São Paulo, por exemplo, cerca de 95% dos favorecidos no Natal de 2020 voltaram à prisão. Condenados por crime hediondo com morte não têm direito ao benefício desde 2019.”

A Lei de Execução Penal, em seu artigo 122, prevê a possibilidade de concessão de saída temporária aos sentenciados que se encontrem a cumprir pena em regime semiaberto. Tal benefício tem por finalidades viabilizar a reintegração social do apenado, bem como desenvolver o senso de autodisciplina.

O benefício da saída temporária tem como objetivo a ressocialização do preso e é concedido ao apenado em regime mais gravoso – semiaberto –, não se justifica negar a benesse ao reeducando que somente se encontra em regime menos gravoso – aberto, na modalidade de prisão domiciliar –, por desídia do próprio Estado, que não dispõe de vagas em estabelecimento prisional compatível com o regime para o qual formalmente progrediu.

Há uma visão preconceituosa com relação à saída temporária, conhecida como “saidinha”.

Como salienta Suzane Jardim:

“O regime semiaberto e as saidinhas são medidas que tentam integrar o detento à sua comunidade de origem, garantindo assim que existam vínculos fora da prisão. Tal medida não é questão de benevolência com criminosos — é simplesmente um método para evitar que o ex-detento volte a cometer crimes quando retornar à sociedade”.

Certamente o projeto assim referenciado se apoia em pesquisas que apontam que cerca de 2,3mil presos não voltaram aos presídios após o recesso de fim de ano de 2015. Em SP, cerca de 50 mil presos não voltaram às celas dentro de um período de 10 anos.

Para os que querem eliminá-lo o argumento é de que “o benefício já se mostrou ineficaz para reintegrar o reeducando à sociedade. Os fatos assim demonstram. Não tem se prestando para ser uma espécie de pré-requisito para um futuro benefício de livramento condicional.”

Razões de cunho social ou até etiológica poderiam conduzir a demonstração da necessidade da extinção dele.

Carlos Eduardo Machado e Ignácio Machado (Fim da saída temporária ameaça ressocialização e pode aumentar insegurança, in Consultor Jurídico, em 18.24) afirmaram que o fim da saída temporária é um retrocesso na política de execução penal e afirmaram:

“Portanto, a supressão das saídas temporárias, sem o devido debate e análise, representa um retrocesso nas políticas de execução penal e uma ameaça aos princípios constitucionais que devem reger o sistema penitenciário.

A reintegração social dos apenados deve ser o objetivo central da execução penal, conforme estabelecido pela Lei de Execução Penal e pelos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. Por conta de casos pontuais de mal uso do benefício, tentam generalizar e quebrar um instituto que tem uma história de êxito.

Pelos erros de dezenas querem punir milhares. Seria como proibir a circulação de veículos automotores nas ruas por conta do grande número de atropelamentos. Trata-se de uma resposta punitiva meramente simbólica e ineficaz.

Em síntese, é imperativo que haja um debate aberto e fundamentado sobre as implicações deste projeto, com a participação de todos os setores da sociedade, incluindo especialistas em direito penal, organizações de direitos humanos e os órgãos do sistema de justiça criminal.

A proposta de proibição das saídas temporárias subestima a importância deste benefício para a ressocialização dos apenados e para a segurança pública.

A manutenção e o aprimoramento deste mecanismo, com foco na fiscalização e no acompanhamento efetivo dos beneficiados, surgem como alternativas mais alinhadas aos princípios de justiça restaurativa e ao objetivo último da pena: a reintegração do indivíduo à sociedade.”

Ora, só o exame do caso concreto resolverá o caráter mais favorável ou mais severo da lei. Deve ser aplicada ao acusado a lei que lhe for mais favorável, no confronto das leis no tempo, renegando-se a solução que se faça no mero campo de critérios que venham a ser taxados de vacilantes.

Há na discussão da saída temporária uma forma de aplicar teorias que visam a tratar o apenado dentro de um etiquetamento social a vê-lo dentro dos limites da culpabilidade do caráter em uma linha que nos lembra Lombroso. Vale lembrar que “a teoria do etiquetamento criminal muda o foco de pesquisa do crime ou do criminoso e passa a analisar o problema da estigmatização, deslocando o problema criminológico do plano da ação para o plano da reação.”

Quanto à fiscalização do apenado beneficiado com a saída temporária, ressalta-se que, embora a lei a autorize sem necessidade de escolta, a LEP dispõe que o Juízo da execução penal, se entender necessário, poderá concedê-la aplicando monitoração eletrônica, possibilitando-se, assim, uma fiscalização indireta, nos termos dos art. 122, § 1º e 146-B, inc. II da LEP.

Para tanto, como ensinaram Júlio F. Mirabete e Renato N. Fabbrini (Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-1984. 12. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2014, p. 544): “[…] constituem, assim, verdadeiro meio de prova que permite verificar se o condenado alcançou um grau de resistência que lhe permite vencer as tentações da vida livre e um sentido de responsabilidade suficiente para não faltar à confiança que lhe foi depositada ao lhe deferir o benefício”.

O benefício da saída temporária que pode ser objeto dos seguintes apontamentos: a saída temporária é destinada aos condenados que cumprem pena em regime semiaberto, sem vigilância direta nos seguintes casos: visita à família; frequência a curso supletivo profissionalizante bem como se segundo grau ou superior na Comarca do Juízo da Execução; participação em atividades que concorram para o convívio social.

Aqui podem ser utilizados equipamentos de monitoração eletrônica sem que haja interferência excessiva ao direito à intimidade do apenado, na justa medida da necessidade.

Tem direito o apenado a tal benefício na medida em que cumpre o regime semiaberto e que até a saída tenha cumprido 1/6 da pena total se for primário ou ¼ se for reincidente.

É a condição para adaptação ao livramento condicional.

De acordo com a proposta, se o Projeto for aprovado, a pessoa presa só poderá obter o benefício da saída temporária uma única vez ao ano, por prazo não superior a sete dias, tendo por condição ser considerado réu primário, ter comportamento adequado e ter cumprido mais de um sexto da pena.

Atualmente, conforme a Lei de Execução Penal, a saída temporária pode ser concedida até cinco vezes ao ano para que a pessoa visite a família, estude ou desenvolva alguma atividade que contribua para o retorno ao convívio social.

Em regra, as saídas temporárias ocorrem em datas comemorativas específicas (com caráter familiar) como Natal, Páscoa, Dia das Mães e Dia dos Pais, e não podem ultrapassar, ao longo do ano, o período de 35 dias. Os critérios para concessão desse benefício e as condições impostas, como o retorno ao estabelecimento prisional no dia e hora determinados, são disciplinados por portaria da vara de execuções penais.

A Lei de Execução Penal prevê a saída temporária para frequentar curso supletivo profissionalizante, segundo grau ou faculdade. O curso deve ser na comarca onde o sentenciado cumpre pena.

Nesse caso, o preso sairá todo dia somente o tempo necessário para assistir às aulas, até terminar o curso, condicionando ao bom aproveitamento, sob pena de revogação.

Por certo, não há lugar quando da efetivação da saída temporária para o apenado frequentar bares e boates ou locais semelhantes no referenciado período.

Em síntese, o art. 122, incs. I, II e III, da LEP determina que a autorização para saída temporária será concedida, sem vigilância direta, para as seguintes finalidades: i) visita à família; ii) frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução4; iii) participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

Sobre ele dispôs o item 129 da Exposição de Motivos da LEP: “As saídas temporárias são restritas aos condenados que cumprem pena em regime semiaberto (colônias). Consistem na autorização para sair do estabelecimento para, sem vigilância direta, visitar a família, frequentar cursos na Comarca da execução e participar de atividades que concorram para o retorno ao convívio social (artigo 121 e incisos). A relação é exaustiva.”

No período em que estiver no benefício não poderá o apenado frequentar bares, boates ou outros lugares similares.

Estaríamos diante da falência do instituto para a execução penal? Estaria esse benefício sendo mal aplicado?

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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