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O fim da saída temporária

Por Rogério Tadeu Romano*

O Senado aprovou projeto de lei que restringe a “saidinha”, a saída temporária de presos em datas comemorativas, e veda a concessão em casos de crime hediondo ou cometido com violência ou grave ameaça. O texto voltará para a Câmara, que havia aprovado mudança mais drástica, com o fim integral. O benefício é dado hoje a quem cumpriu pelo menos um sexto da pena, no caso de primeira condenação, e um quarto, quando reincidente.

A Lei Anticrime sancionada em dezembro de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro acabou com a saída temporária de presos que cometeram crimes hediondos com morte da vítima.

A medida, porém, só será aplicada a crimes cometidos após o texto entrar em vigor, a partir do dia 23 de janeiro de 2020.

Mas, sob o noticiado projeto de “endurecimento” da execução penal quanto ao benefício aqui discutido disse a Folha, naquele editorial:

“Embora não desprezível, a proporção de presos que não retornam da saída temporária é relativamente baixa. Em São Paulo, por exemplo, cerca de 95% dos favorecidos no Natal de 2020 voltaram à prisão. Condenados por crime hediondo com morte não têm direito ao benefício desde 2019.”

A Lei de Execução Penal, em seu artigo 122, prevê a possibilidade de concessão de saída temporária aos sentenciados que se encontrem a cumprir pena em regime semiaberto. Tal benefício tem por finalidades viabilizar a reintegração social do apenado, bem como desenvolver o senso de autodisciplina.

O benefício da saída temporária tem como objetivo a ressocialização do preso e é concedido ao apenado em regime mais gravoso – semiaberto –, não se justifica negar a benesse ao reeducando que somente se encontra em regime menos gravoso – aberto, na modalidade de prisão domiciliar –, por desídia do próprio Estado, que não dispõe de vagas em estabelecimento prisional compatível com o regime para o qual formalmente progrediu.

Há uma visão preconceituosa com relação à saída temporária, conhecida como “saidinha”.

Como salienta Suzane Jardim:

“O regime semiaberto e as saidinhas são medidas que tentam integrar o detento à sua comunidade de origem, garantindo assim que existam vínculos fora da prisão. Tal medida não é questão de benevolência com criminosos — é simplesmente um método para evitar que o ex-detento volte a cometer crimes quando retornar à sociedade”.

Certamente o projeto assim referenciado se apoia em pesquisas que apontam que cerca de 2,3mil presos não voltaram aos presídios após o recesso de fim de ano de 2015. Em SP, cerca de 50 mil presos não voltaram às celas dentro de um período de 10 anos.

Para os que querem eliminá-lo o argumento é de que “o benefício já se mostrou ineficaz para reintegrar o reeducando à sociedade. Os fatos assim demonstram. Não tem se prestando para ser uma espécie de pré-requisito para um futuro benefício de livramento condicional.”

Razões de cunho social ou até etiológica poderiam conduzir a demonstração da necessidade da extinção dele.

Carlos Eduardo Machado e Ignácio Machado (Fim da saída temporária ameaça ressocialização e pode aumentar insegurança, in Consultor Jurídico, em 18.24) afirmaram que o fim da saída temporária é um retrocesso na política de execução penal e afirmaram:

“Portanto, a supressão das saídas temporárias, sem o devido debate e análise, representa um retrocesso nas políticas de execução penal e uma ameaça aos princípios constitucionais que devem reger o sistema penitenciário.

A reintegração social dos apenados deve ser o objetivo central da execução penal, conforme estabelecido pela Lei de Execução Penal e pelos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. Por conta de casos pontuais de mal uso do benefício, tentam generalizar e quebrar um instituto que tem uma história de êxito.

Pelos erros de dezenas querem punir milhares. Seria como proibir a circulação de veículos automotores nas ruas por conta do grande número de atropelamentos. Trata-se de uma resposta punitiva meramente simbólica e ineficaz.

Em síntese, é imperativo que haja um debate aberto e fundamentado sobre as implicações deste projeto, com a participação de todos os setores da sociedade, incluindo especialistas em direito penal, organizações de direitos humanos e os órgãos do sistema de justiça criminal.

A proposta de proibição das saídas temporárias subestima a importância deste benefício para a ressocialização dos apenados e para a segurança pública.

A manutenção e o aprimoramento deste mecanismo, com foco na fiscalização e no acompanhamento efetivo dos beneficiados, surgem como alternativas mais alinhadas aos princípios de justiça restaurativa e ao objetivo último da pena: a reintegração do indivíduo à sociedade.”

Ora, só o exame do caso concreto resolverá o caráter mais favorável ou mais severo da lei. Deve ser aplicada ao acusado a lei que lhe for mais favorável, no confronto das leis no tempo, renegando-se a solução que se faça no mero campo de critérios que venham a ser taxados de vacilantes.

Há na discussão da saída temporária uma forma de aplicar teorias que visam a tratar o apenado dentro de um etiquetamento social a vê-lo dentro dos limites da culpabilidade do caráter em uma linha que nos lembra Lombroso. Vale lembrar que “a teoria do etiquetamento criminal muda o foco de pesquisa do crime ou do criminoso e passa a analisar o problema da estigmatização, deslocando o problema criminológico do plano da ação para o plano da reação.”

Quanto à fiscalização do apenado beneficiado com a saída temporária, ressalta-se que, embora a lei a autorize sem necessidade de escolta, a LEP dispõe que o Juízo da execução penal, se entender necessário, poderá concedê-la aplicando monitoração eletrônica, possibilitando-se, assim, uma fiscalização indireta, nos termos dos art. 122, § 1º e 146-B, inc. II da LEP.

Para tanto, como ensinaram Júlio F. Mirabete e Renato N. Fabbrini (Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-1984. 12. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2014, p. 544): “[…] constituem, assim, verdadeiro meio de prova que permite verificar se o condenado alcançou um grau de resistência que lhe permite vencer as tentações da vida livre e um sentido de responsabilidade suficiente para não faltar à confiança que lhe foi depositada ao lhe deferir o benefício”.

O benefício da saída temporária que pode ser objeto dos seguintes apontamentos: a saída temporária é destinada aos condenados que cumprem pena em regime semiaberto, sem vigilância direta nos seguintes casos: visita à família; frequência a curso supletivo profissionalizante bem como se segundo grau ou superior na Comarca do Juízo da Execução; participação em atividades que concorram para o convívio social.

Aqui podem ser utilizados equipamentos de monitoração eletrônica sem que haja interferência excessiva ao direito à intimidade do apenado, na justa medida da necessidade.

Tem direito o apenado a tal benefício na medida em que cumpre o regime semiaberto e que até a saída tenha cumprido 1/6 da pena total se for primário ou ¼ se for reincidente.

É a condição para adaptação ao livramento condicional.

De acordo com a proposta, se o Projeto for aprovado, a pessoa presa só poderá obter o benefício da saída temporária uma única vez ao ano, por prazo não superior a sete dias, tendo por condição ser considerado réu primário, ter comportamento adequado e ter cumprido mais de um sexto da pena.

Atualmente, conforme a Lei de Execução Penal, a saída temporária pode ser concedida até cinco vezes ao ano para que a pessoa visite a família, estude ou desenvolva alguma atividade que contribua para o retorno ao convívio social.

Em regra, as saídas temporárias ocorrem em datas comemorativas específicas (com caráter familiar) como Natal, Páscoa, Dia das Mães e Dia dos Pais, e não podem ultrapassar, ao longo do ano, o período de 35 dias. Os critérios para concessão desse benefício e as condições impostas, como o retorno ao estabelecimento prisional no dia e hora determinados, são disciplinados por portaria da vara de execuções penais.

A Lei de Execução Penal prevê a saída temporária para frequentar curso supletivo profissionalizante, segundo grau ou faculdade. O curso deve ser na comarca onde o sentenciado cumpre pena.

Nesse caso, o preso sairá todo dia somente o tempo necessário para assistir às aulas, até terminar o curso, condicionando ao bom aproveitamento, sob pena de revogação.

Por certo, não há lugar quando da efetivação da saída temporária para o apenado frequentar bares e boates ou locais semelhantes no referenciado período.

Em síntese, o art. 122, incs. I, II e III, da LEP determina que a autorização para saída temporária será concedida, sem vigilância direta, para as seguintes finalidades: i) visita à família; ii) frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução4; iii) participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

Sobre ele dispôs o item 129 da Exposição de Motivos da LEP: “As saídas temporárias são restritas aos condenados que cumprem pena em regime semiaberto (colônias). Consistem na autorização para sair do estabelecimento para, sem vigilância direta, visitar a família, frequentar cursos na Comarca da execução e participar de atividades que concorram para o retorno ao convívio social (artigo 121 e incisos). A relação é exaustiva.”

No período em que estiver no benefício não poderá o apenado frequentar bares, boates ou outros lugares similares.

Estaríamos diante da falência do instituto para a execução penal? Estaria esse benefício sendo mal aplicado?

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

 

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Natália aciona PGR para investigar Flávio Bolsonaro por intervir na Receita Federal

A deputada federal Natália Bonavides (PT/RN) protocolou representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) para que o órgão investigue o senador Flávio Bolsonaro (Podemos) por usar a Receita Federal no caso das  “rachadinhas”, nos tempos em que atuou como deputado estadual do Rio de Janeiro.

Natália se baseou em documentos publicados pela reportagem da Folha de São Paulo, divulgada hoje (22), que trouxe informações inéditas de que o senador e seus advogados intervieram em órgãos do Governo Federal.

“A interferência de Flávio Bolsonaro na Receita foi criminosa e precisa ser investigada urgentemente. Protocolamos  uma nova representação, juntando às outras que já fizemos, para que enfim ele seja responsabilizado pelos crimes que cometeu”, pontuou Bonavides.

A deputada já havia protocolado Notícia de Fato em 2021 solicitando investigação para saber se a família Bolsonaro mobilizou órgãos do governo para tentar anular as investigações contra o senador Flávio Bolsonaro nesse caso. A PGR abriu a investigação preliminar à época contra o senador, o presidente da República Jair Bolsonaro (Partido Liberal), o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e o diretor da ABIN, Alexandre Ramagem.

Na representação protocolada hoje, a parlamentar destaca que a interferência do filho de Bolsonaro na Receita Federal configura delito de Advocacia Administrativa, previsto no Código Penal, e improbidade administrativa, previsto no código civil.

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Requerimento de Natália Bonavides (PT) gera prova contra Flávio Bolsonaro em ‘Caso Queiroz’

Senador solicitou atendimento particular ao Secretário da Receita Federal para articular defesa em denúncia de “rachadinha”

 

Requerimento de Natália desvelou reuniões de Flávio Bolsonaro com Secretário da Receita Federal (Foto: Assessoria Mandato de Natália Bonavides)

 

A deputada federal Natália Bonavides (PT/RN) solicitou, por meio de Requerimento de Informação protocolado na Câmara dos Deputados, informações sobre as reuniões da Receita Federal com o senador Flávio Bolsonaro (Patriotas/RJ) e seus advogados. Em resposta à parlamentar, a Receita confirmou os encontros e atestou que Flávio chegou a receber em casa o Secretário Especial da Receita, Tostes Neto.

Segundo o ofício encaminhado como resposta ao requerimento, foram realizados três encontros entre Flávio (ou sua defesa) e membros da Receita: em 26 de agosto, em 4 de setembro e em 17 de setembro de 2020, este último na casa e na presença do senador filho do presidente Jair Bolsonaro. O ofício destaca que as reuniões “dizem respeito à situação fiscal de pessoas físicas e jurídicas relacionadas ao senador Flávio Nantes Bolsonaro”, além de “notícias sobre suposta atuação irregular de servidores da Receita Federal”.

De acordo com informações do Jornal O Globo, no encontro, que ocorreu a pedido do Senador Flávio, foram discutidas formas de o parlamentar se defender no caso de rachadinha envolvendo seu ex-assessor Fabrício Queiroz.  O jornal destaca que as duas primeiras reuniões ocorreram no gabinete da Secretaria Especial da Receita, no Ministério da Economia, com a presença da defesa de Flávio, as advogadas Julia Bierrenbach e Luciana Pires. O último encontro foi solicitado por Flávio e ocorreu na casa do senador, também com a presença da advogada Luciana.

Para Natália Bonavides, essa é a prova definitiva do uso impróprio das instituições públicas à serviço da família Bolsonaro. Ela afirma: “A resposta ao nosso requerimento é a prova cabal de que a família Bolsonaro usa dos órgãos públicos à serviço próprio, e isso é inaceitável e precisa parar. Quem recebe atendimento em domicílio do secretário da Receita Federal? Que a investigação prove os crimes cometidos por Bolsonaro e sua família”, pontuou a parlamentar.

 O uso de instituições públicas por parte da família Bolsonaro já está sendo investigado pela Procuradoria Geral da República (PGR), à exemplo da utilização da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) para auxiliar os advogados de Flávio Bolsonaro no caso das “rachadinhas”. Essa investigação foi iniciada após provocação da deputada federal Natália Bonavides.

Confira AQUI o requerimento apresentado pela Deputada Natália Bonavides

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Crimes que precisam ser investigados 

Flávio Bolsonaro é alvo de questionamentos (Foto: ALEXANDRE NETO/PHOTOPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO)

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO

A Folha, em 2 de março de 2021, informou em seu site que a aquisição de uma mansão em Brasília foi a 20ª transação imobiliária feita pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) nos últimos 16 anos.

A compra e venda de imóveis é um dos investimentos privados feitos pelo senador que, segundo ele, explicam o aumento de seu patrimônio ao longo da vida pública. A intensa atividade de Flávio no setor foi revelada pela Folha em 2018.

O Ministério Público do Rio de Janeiro, contudo, afirma que ao menos duas transações, feitas em novembro de 2012, foram usadas para a lavagem de R$ 638,4 mil obtidos por meio de um esquema de “rachadinha” em seu antigo gabinete da Assembleia Legislativa do Rio.

Os investigadores apontam ainda suspeitas sobre outra atividade privada do senador: uma loja de chocolates num shopping do Rio de Janeiro.

O MP-RJ suspeita que a empresa ajudou no ocultamento do desvio de R$ 1,6 milhão da “rachadinha”. O estabelecimento foi fechado no mês passado, por iniciativa de Flávio.

O Ministério Público do Rio de Janeiro afirma que, só de 2010 a 2014, o senador teve um patrimônio “a descoberto” —sem origem identificada— de quase R$ 1 milhão. A suspeita é a de que seja fruto do esquema de “rachadinha” na Assembleia.

Há ainda suspeitas sobre a movimentação financeira posterior do senador, embora não haja um cálculo sobre o patrimônio não justificado.

Ainda segundo a Folha, a principal suspeita recai sobre a “transação relâmpago” de quitinetes de Copacabana. O valor pago oficialmente, declarado em escritura, foi de R$ 310 mil.

A primeira suspeita se deve ao fato de os mesmos imóveis terem sido adquiridos um ano antes pelos antigos proprietários por valor 30% maior: R$ 440 mil.

Os investigadores afirmam que Flávio e a mulher pagaram “por fora”, com dinheiro vivo, R$ 638,4 mil na aquisição dos imóveis.

O MP-RJ diz que, no mesmo dia da concretização do negócio, o vendedor dos dois imóveis esteve no banco HSBC, onde tinha conta, para depositar os valores em espécie. A agência usada fica a 450 metros do cartório onde foi assinada a escritura, que, por sua vez, fica a 50 metros da Assembleia Legislativa do Rio.

Menos de dois anos depois, os imóveis foram vendidos por R$ 1,1 milhão, em valores declarados. Para o MP-RJ, a lavagem de dinheiro se concretizou por meio do lucro declarado à Receita Federal de R$ 813 mil —tornando “legais” os R$ 638,4 mil supostamente de origem ilícita.

O imóvel da Barra, segundo o MP-RJ, também foi adquirido com dinheiro de origem ilícita. Ele foi apontado na denúncia contra Flávio como o principal bem a ser perdido em caso de condenação.

De acordo com os investigadores, parcelas do financiamento por este apartamento foram pagas após uma série de depósitos fracionados em dinheiro vivo na conta da senador. A soma de origem não identificada desses aportes em espécie somam R$ 159,5 mil.

O MP-RJ também afirma que Flávio não tinha condições financeiras para adquirir as 12 salas comerciais que comprou em 2008.

A reportagem da Folha, de Italo Nogueira, que aqui trouxe à colação, é extremamente esclarecedora.

II – A ATUAÇÃO DO COAF E DA RECEITA FEDERAL

De onde Flávio Bolsonaro obteve tanto dinheiro? O que fez para tal?

A defesa de Flávio Bolsonaro já conseguiu junto a Quinta Turma do STJ a anulação das quebras de sigilo bancário e fiscal. Mas resta a prova obtida pelo COAF que ele também quer anular.

Para o caso é fundamental a prova documental e técnica não bastando apenas testemunhos.

No caso do Brasil, a Lei 9.613/98 criou o COAF (artigos 14 a 17), como unidade de inteligência financeira do sistema nacional de prevenção, estabeleceu regras de adequação para certos sujeitos obrigados, integrantes de setores econômicos relevantes (artigos 9 a 11); instituiu responsabilidade administrativa dos sujeitos obrigados (artigo 12) e, finalmente, criou o cadastro nacional dos clientes do sistema financeiro nacional (artigo 10 – A).

Na Lei 9.613 de 1998, que dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de bens e que criou o Coaf, há uma lista de instituições que são obrigadas legalmente a enviar informações sobre operações financeiras e transações de altos valores ou feitas em dinheiro vivo. Na lista estão bancos, joalherias, seguradoras, imobiliárias, administradoras financeiras, entre outras.

Tudo dentro da lei', diz Flávio Bolsonaro sobre compra de mansão de R$ 6  milhões | Jovem Pan
Imóvel de R$ 6 milhões adquirido por Flávio Bolsonaro em Brasília (Foto: reprodução)

A lei brasileira seguiu o modelo sugerido pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), criado em 1989, sob os auspícios da OCDE e do G-8. No ano seguinte, o GAFI, Financial Action Task Force, expediu suas 40 recomendações, que servem de baliza para a prevenção e o combate ao crime de lavagem de dinheiro. O GAFI reúne as unidades de inteligência financeira dos vários países chamados cooperantes, inclusive o COAF e tem representações regionais.

O trabalho do COAF é importante, visando a identificação de todos os autores e coautores do crime e a localização dos ativos reciclados, de modo a permitir a condenação dos culpados e o perdimento do proveito, produto e instrumentos do crime.

O Banco Central, como autoridade monetária, à luz da Lei 4595/64, recebe as notícias das instituições financeiras sujeitas à sua fiscalização e as repassa ao COAF. O mesmo padrão é seguido por outras autarquias como a SUSEP e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Cite-se, por sua importância, na matéria, a Carta Circular BACEN 2826/01, norma secundária, que se circunscreve ao universo das entidades financeiras, onde se lista uma série de atividades suspeitas que devem ser acompanhadas pelos Bancos e comunicadas ao Banco Central:

– alterações substanciais na rotina bancária;

 – grande atividade por wire transfer;

– operações sem sentido econômico;

– uso de várias contas simultaneamente;

– movimentação incompatível com o negócio ou profissão;

– relações com paraísos fiscais;

– estruturação de operações com fracionamento de depósitos ou remessas;

– recusa em informar origem de recursos ou a própria entidade;

– inconsistência documental.

É certo que para isso, o COAF poderá requerer aos órgãos da Administração Pública as informações cadastrais bancárias e financeiras de pessoas envolvidas em atividades suspeitas e, ainda, comunicar às autoridades competentes tais fatos, visando a instauração de procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos em lei. Não se trata de quebra de sigilo bancário, mas de formação de banco de dados de pessoas envolvidas em operações suspeitas, matéria que exige aplicação de discricionariedade administrativa, onde na hipótese de oportunidade e conveniência, a Administração, sem fugir dos limites legais e na devida proporcionalidade, agirá a bem do interesse da sociedade. Na palavra da Ministra Ellen Gracie, como consta de voto no RE 389808, julgado em 24 de novembro de 2010,  era necessário fazer distinção entre quebra de sigilo e transferência de sigilo, que passa dos bancos ao Conselho. O dados, até então protegidos pelo sigilo bancário, prosseguem ainda protegidos pelo sigilo a ser mantido pelo COAF.

Na Sessão de 24.02.2016, o Plenário do STF, ao apreciar o RE 601.314, Rel. Min. Edson Fachin, após reconhecer a repercussão geral da matéria, assentou a constitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001, que autoriza o fornecimento de informações sobre movimentações financeiras diretamente ao Fisco, sem a necessidade de autorização judicial prévia

A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu no dia 12 de dezembro de 2017, que a Receita Federal não precisa de autorização judicial para repassar informações protegidas por sigilo bancário ao Ministério Público. O colegiado seguiu o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, e derrubou decisão do Superior Tribunal de Justiça que havia anulado provas de um processo.

O julgamento se deu no RE 1057667 AGR / SE.

De acordo com ministro Barroso, como todos os órgãos envolvidos têm obrigação de sigilo em relação às informações, não há quebra de sigilo. Há apenas transferência de informações sigilosas entre órgãos com o mesmo dever de preservação. Pela decisão, o MP pode usar as informações para instruir processos penais.

O ministro Barroso entende que prática não configura quebra de sigilo. A decisão amplia efeitos de tese firmada em 2016.

Ficou vencido o ministro Marco Aurélio, contrário à liberação. Com a decisão desta terça, a turma deu um passo adiante para a autorização da quebra de sigilo bancário pela Receita sem necessidade de autorização judicial, decidida pelo Plenário em fevereiro de 2016, no sentido de que é possível a utilização de dados obtidos pela Secretaria da Receita Federal, em regular procedimento administrativo fiscal, para fins de instrução processual penal.

Nessa anoto as seguintes decisões: ARE 998.818, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 1.073.398, Rel. Min. Luiz Fux; RE 1.090.776, Rel. Min.Alexandre de Moraes; RE 1.064.544, Rel. Min. Edson Fachin. Cito, por oportuno, as seguintes passagens de duas decisões monocráticas de Ministros da Corte, na mesma linha:“[…]No caso, o acórdão recorrido consignou que a quebra do sigilo bancário para investigação criminal depende de avaliação e motivação judicial, nos termos dos arts. 5º, XII, e93, IX, ambos da CF/88. Entretanto, há reiteradas decisões desta Corte afirmando que deve ser estendida a compreensão fixada no julgamento do RE 601.314 à esfera criminal. Confiram-se, por amostragem, o ARE 841.344-AgR (RelatorMin. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, DJe 15/2/2017) e as seguintes decisões monocráticas, ambas com trânsito em julgado: ARE 987.248-AgR (Relator Min. Roberto Barroso, Dje17/3/2017) e ARE 953.058 (Relator Min. Gilmar Mendes, Dje 30/5/2016).

Naquela ocasião, o tribunal declarou constitucional artigo da Lei Complementar 105 que permite ao Fisco acessar informações sigilosas de correntistas de bancos sem autorização judicial. A tese foi a de que há transferência de informações sigilosas, e não quebra de sigilo. A decisão, registre-se, passou por repercussão geral.

Por outro lado será inestimável a bem da sociedade que o MPF defenda a correta e necessária atuação do COAF para o caso e ainda da Receita Federal.

III – O CRIME COMETIDO CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

Há evidentes indícios de crime cometido por conta crime cometido contra a ordem tributária. Como tanto dinheiro se o senador não apresenta sua origem legal? Trago o que se lê de reportagem do jornal O Globo, em 22 de dezembro do corrente ano, na medida em que poderia haver crime contra a ordem tributária, previsto na Lei nº 8.137/90 com fraude ao imposto de renda, tributo federal.

“Além de receber quase o dobro dos lucros da Bolsotini Chocolates e Café em relação a seu sócio, o senador Flávio Bolsonaro (sem partido/RJ) declarou uma retirada de valores 82% acima do que a própria empresa relatou à Receita Federal, segundo investigação do Ministério Público do Rio. De acordo com o MP-RJ, Flávio disse ter retirado R$ 793,4 mil de receita nos três primeiros anos de atividade da loja de chocolates, inaugurada em 2015. Só que a própria Bolsotini informou, em declarações de informações socioeconômicas e fiscais (DEFIS) relativas ao Simples nacional, que Flávio obteve, na verdade, R$ 435,6 mil no período. Segundo o MP, a Bolsotini não apresentou declaração de Imposto de Renda na mesma época. A investigação também aponta divergências nas retiradas de Alexandre Santini, responsável por metade da sociedade com Flávio Bolsonaro. De acordo com os documentos, Santini declarou lucros de R$ 288,9 mil, valor mais de R$ 24 mil abaixo da transferência que a Bolsotini informou à Receita Federal. Considerando os valores efetivamente retirados pelos dois sócios, o MP conclui que Flávio obteve quase R$ 500 mil a mais do que Santini nos três anos iniciais de atividade da loja. O valor equivale à cota de participação que deveria ter sido paga por Santini na empresa. Por outro lado, o MP não identificou aportes do sócio de Flávio até o fim de 2018. Os investigadores citam a “inexplicável desproporção na distribuição de lucros” da Bolsotini, “associada à coincidência do valor da diferença paga” a Flávio Bolsonaro em relação a seu sócio, para reforçar a suspeita de que Santini “possa ter figurado inicialmente nos contratos como ‘laranja’”.

IV – A FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM

É mister prosseguir com a investigação em tela não devendo os tribunais superiores se nortearem por filigranas processuais. O processo é um instrumento a serviço do bom direito e não um meio de fuga da verdade, a pretexto da aplicação de um devido processo legal.

Para o caso será mister que o Ministério Público Federal que atua perante o STJ ajuíze, na medida em que intimado daquela decisão que anulou as quebras de sigilo bancário e fiscal, recurso de embargos de declaração, pois há uma clara distância entre os votos do ministro relator Félix Fischer e os outros quatro ministros que votaram pelo provimento daquele recurso ajuizado por Flávio Bolsonaro.

O relator do caso no STJ, ministro Felix Fischer foi voto vencido. Ele foi contra os argumentos da defesa de Flávio Bolsonaro e registrou, em decisão anterior, que era “importante ressaltar que a técnica da fundamentação per relationem, utilizada na primeira decisão, há muito, é admitida por este Tribunal Superior”.

O ministro destaca que Itabaiana usou a remissão, “chamada de fundamentação per relationem“, em que se refere aos fundamentos que deram suporte ao pedido do Ministério Público ou até mesmo a anterior decisão. Lembrou que a técnica visa economia processual e “constitui meio apto a promover a forma incorporação, ao ato decisório, da motivação a que ele se reportou como razões de decidir”.

O relator das “rachadinhas” no STJ listou também em despacho de abril de 2020 casos de julgamentos anteriores, inclusive da 5.ª Turma e de seus membros, em que a técnica per relationem foi aceita. Citou ainda entendimento do STF, em outros casos, que a técnica foi aceita.

Pesquisadores de direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) levantaram que apenas 3 de 29 decisões da 5.ª Turma, tomadas em casos semelhantes ao do senador Flávio Bolsonaro, foram similares à da que derrubou a prova principal da denúncia, conforme reportagem do Estadão. O levantamento foi feito no banco de dados da Corte, e se referem ao período entre 1.º de janeiro de 2020 a 24 de fevereiro de 2021.

O ministro Fischer destacou também manifestação “esclarecedora” do sub-procurador-geral da República Roberto Luís Oppermann Thomé, em parecer do caso, em que considerou inexistente qualquer “constrangimento ou ilegalidade/nulidade” nas decisões” do juiz da primeira instância.

“As movimentações bancárias suspeitas na conta do investigado Fabrício Queiroz configuram fortes indícios de que assessores ligados ao co-investigado Flávio Bolsonaro faziam transferências bancárias ou sacavam mensalmente parte de seus próprios vencimentos e os repassavam em espécie a Fabrício Queiroz, configurando-se prática criminosa conhecida no meio político por ‘Rachadinha’, ‘Rachid’ ou ‘Esquema dos Gafanhotos’, ou seja, prática em tese de peculato.”

Para o ministro Fischer, a decisão de Itabaiana foi tomada com “amparo em fortes indícios de materialidade e autoria de crimes, inclusive, com a suposta formação de associação criminosa, com alto grau de permanência e estabilidade, envolvendo dezenas de pessoas”. “Não bastasse, a imprescindibilidade da medida de quebra de sigilo foi muito bem explicada na segunda decisão” de Itabaiana.

O juiz expediu novo despacho na época, em que registrou que o “afastamento dos sigilos bancário e fiscal” citados “é imprescindível para o prosseguimento das investigações”. “Pois somente seguindo o caminho do dinheiro é possível o Ministério Público apurar os fatos que estão sendo investigados, não havendo outros meios menos gravosos de averiguar o contexto fático.”

Pois bem: A Quinta Turma do STJ não levou em conta essa segunda decisão do juiz Itabaiana. Firmou-se apenas em uma filigrana processual para anular essas quebras de sigilo bancário e fiscal.

Ora, se essa decisão segunda foi devidamente fundamentada, acrescentando dados da primeira decisão do juízo a quo, será caso de por embargos de declaração expurgar essa omissão, essa ambiguidade.

V  – CONCLUSÕES

Afinal, há crimes de peculato(rachadinhas), lavagem de dinheiro(aquisição de imóveis), crime contra a ordem tributária que precisam ser investigados. O cidadão brasileiro paga pesados impostos e precisa do esclarecimento da verdade.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Um caso envolvendo prova colhida pelo juízo que foi considerado incompetente e sua subsistência

Flávio Bolsonaro (FOTO: FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL)

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO

O Ministério Público do Rio de Janeiro denunciou ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça fluminense o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e seu ex-assessor Fabrício Queiroz por peculato, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa por um esquema de “rachadinha”, ocorrido entre 2007 e 2018, no gabinete do político quando ele era deputado estadual do Rio. A denúncia foi oferecida em 19 de outubro.

Segundo o que relata reportagem do Estadão, em 5 de novembro de 2020, peça-chave na acusação de desvio de salários no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-rj) quando era deputado na Assembleia fluminense, sua ex-assessora Luiza Souza Paes afirmou ter repassado mais de 90% de seus ganhos no Legislativo a Fabrício Queiroz, apontado como operador das “rachadinhas”. O depoimento foi crucial para embasar a denúncia do Ministério Público do Rio contra Flávio – filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro –, Queiroz e outras 14 pessoas, apresentada à Justiça em 19 de outubro. Todos são acusados de participar de um esquema de repasse de parte dos vencimentos dos funcionários em cargos de confiança no gabinete do então deputado estadual.

No depoimento prestado em setembro deste ano aos investigadores, Luiza confessou que nunca trabalhou para o filho do presidente Bolsonaro na Alerj.

Porém, por cerca de seis anos, esteve nomeada no gabinete do então deputado estadual e em outros cargos na Assembleia. Era obrigada, segundo relatou, a repassar a Queiroz mais de 90% do que ganhava no Legislativo. Ela apresentou extratos bancários que mostram transferências de R$ 160 mil para o ex-assessor durante esse período, entre 2011 e 2017.

Depois dos repasses a Queiroz, Luiza ficava apenas com cerca de R$ 700 por mês. Ela disse que era obrigada a transferir para Queiroz até valores referentes a 13º salário, férias e vale-alimentação, por exemplo.

A denúncia contra Flávio Bolsonaro e seus ex-assessores foi apresentada ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio, que é o foro para julgamento de deputados estaduais. O caso, no entanto, poderá voltar para as mãos do juiz Flávio Itabaiana Nicolau, da primeira instância.

Autos do procedimento de investigação criminal aos quais o Estado de São Paulo, consoante edição de 19 de janeiro do corrente ano, teve acesso mostram que a investigação sobre a movimentação financeira de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), foi iniciada há seis meses e tem como foco de apuração a suspeita de prática de lavagem de dinheiro ou “ocultação de bens, direitos e valores” no gabinete do então deputado estadual – hoje senador eleito –

Os promotores investigavam as movimentações financeiras atípicas, descritas em um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do policial militar da reserva Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar de Flávio e amigo de Jair Bolsonaro desde 1984.  Entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, a conta bancária do funcionário – que atuava como motorista e segurança de Flávio na Alerj – movimentou R$ 1,2 milhão.

Queiroz, como se sabe, foi identificado em relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) como responsável por movimentações financeiras no valor de R$ 1,2 milhão —incompatível com seu patrimônio e ocupação profissional no ano analisado.

Foram 176 saques em espécie de sua conta (cinco deles no mesmo dia) num total de mais de R$ 300 mil. Houve repasses de oito funcionários ou ex-funcionários ligados ao gabinete do então deputado estadual. A mulher e duas filhas do ex-assessor são citadas no relatório, que registra, ainda, depósito de R$ 24 mil em favor da atual primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Uma das filhas, Nathalia, trabalhou para Flávio antes de ser contratada pelo gabinete de Jair Bolsonaro, na época deputado federal pelo PSC. Como revelou o jornal a Folha  ela atuava como personal trainer no mesmo período.

O caso envolve o que chamam de “rachadinha”, algo espúrio, que se amolda ao crime de peculato, previsto no artigo 312 do CP. Os vencimentos dos servidores envolvidos, à disposição de um parlamentar, são altíssimos, e são objeto de remanejamento pelos políticos que os nomeiam. Há o peculato-apropriação e o peculato-desvio como condutas graves que teriam sido narradas naquela peça acusatória.

Além disso, em concurso material, há crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa que devem ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário. A conduta de cada um dos coautores e partícipes dos delitos que ali são narrados é objeto de concurso de agentes, na forma do artigo 29 do Código Penal.

Na forma do artigo 69 do CP, ocorre o concurso material de crimes quando o agente pratica dois ou mais crimes distintos, mediante mais de uma ação, com fundamento no art. 69, do CP, razão pela qual as penas devem ser somadas.

A defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) vai pedir na Justiça a anulação de todos os atos de investigação sobre o suposto esquema de rachadinha, que envolve o ex-assessor Fabrício Queiroz, em seu gabinete na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio). A medida foi anunciada pela advogada de Flávio, Luciana Pires, após a 3ª Câmara Criminal decidir na tarde de hoje que o juiz Flávio Itabaiana, titular da 27ª Vara Criminal do Rio, não tinha competência para conduzir o processo do Caso Queiroz.

“Como o Tribunal de Justiça reconheceu a incompetência absoluta do juízo de primeira instância, a defesa agora buscará a nulidade de todas as decisões e provas relativas ao caso desde as primeiras investigações. A defesa sempre esteve muito confiante neste resultado por ter convicção de que o processo nunca deveria ter se iniciado em primeira instância e muito menos chegado até onde foi”, disse Luciana Pires em nota.

Em junho, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concluiu que Flávio Bolsonaro tem foro privilegiado na investigação sobre um esquema de “rachadinha” em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio porque era deputado estadual à época dos fatos.

Vem a pergunta: Como ficam os atos praticados ainda na época em que o juízo de primeiro grau ainda estava a frente da investigação?

II – A PROVA OBTIDA EM PRIMEIRO GRAU E SUA MANUTENÇÃO

O fato é que a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) pediu na Justiça a anulação de todos os atos de investigação sobre o suposto esquema de rachadinha, que envolve o ex-assessor Fabrício Queiroz, em seu gabinete na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio). A medida foi anunciada pela advogada de Flávio, Luciana Pires, após a 3ª Câmara Criminal decidir que o juiz Flávio Itabaiana, titular da 27ª Vara Criminal do Rio, não tinha competência para conduzir o processo do Caso Queiroz.

“Como o Tribunal de Justiça reconheceu a incompetência absoluta do juízo de primeira instância, a defesa agora buscará a nulidade de todas as decisões e provas relativas ao caso desde as primeiras investigações. A defesa sempre esteve muito confiante neste resultado por ter convicção de que o processo nunca deveria ter se iniciado em primeira instância e muito menos chegado até onde foi”, disse Luciana Pires em nota.

Segundo a Veja, em 9 de outubro de 2020, o ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou o recurso em que o senador Flávio Bolsonaro pedia a anulação de todas as investigações e provas sobre a prática de rachadinha em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), enquanto ele era deputado estadual.

Vem a pergunta: A prova obtida em primeira instância, pelo juízo de primeiro grau, que, após foi considerado incompetente para instruir e julgar o feito pode ser mantida em primeiro do juízo de segundo grau, que porventura, vier a julgar o processo?

A nulidade processual, à luz do princípio da instrumentalidade das formas, está ligada a questão do prejuízo.

Necessário distinguir entre nulidade absoluta e nulidade relativa.

A nulidade relativa diz respeito ao interesse da parte e determinado processo.

As nulidades relativas dependem de valoração das partes quanto à existência e a consequência de eventual prejuízo, estando sujeitas a prazo preclusivo quando não alegadas a tempo e a modo.

Fala ainda a doutrina em prejuízo presumido em sede de nulidade absoluta.

Na verdade, na nulidade absoluta, há uma verdadeira afirmação do sistema jurídico da existência de prejuízo.

Configuram vícios passíveis de nulidades absolutas as violações aos princípios fundamentais do processo penal como, por exemplo:

a) Contraditório;

b) Juiz natural;

c) Ampla defesa;

d) Imparcialidade do juiz;

e) A existência de motivação dos atos judiciais.

As nulidades absolutas dizem respeito a vícios gravíssimos, que afetam o processo como um todo uma vez que não respeitados princípios constitucionais.

As nulidades relativas, em regra, dependem da iniciativa e do interesse da parte que foi prejudicada, como se lê do artigo 565 do Código de Processo Penal, uma vez que ̈nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que não haja dado causa, ou para que tenha concorrido. ̈

Tratando-se de nulidade relativa e não sendo ela arguida oportunamente pela parte, em sua defesa, a competência do juiz fica prorrogada, não sendo declarado o vício. Tal não impede que o juiz, antes de iniciar a audiência de instrução de julgamento, em prol do princípio da identidade física do juiz, de ofício, reconheça a sua incompetência, remetendo os autos ao juízo competente.

Com relação a mudança de competência face a reconhecimento do réu a cargo ou função que determine a prerrogativa de foro, é Eugênio Paccelli Oliveira (Curso de Processo Penal, 10ª edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, pág.681) quem disse que nessa hipótese de modificação de competência absoluta não haverá de se falar na necessidade de ratificação de qualquer dos atos até então praticados. Isso porque os aludidos atos teriam sido praticados por autoridades constitucionalmente a tanto legitimadas seja pela competência (juiz) seja pela atribuição (Ministério Público), ao tempo e espaço das respectivas práticas.

III – OS PRINCÍPIOS DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS E DA CAUSALIDADE

É certo que se fala, no processo penal, na instrumentalidade de formas.

Para tal é fundamental a leitura do artigo 566 do Código de Processo Penal, como se lê: ̈não será declarada a nulidade do ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa. ̈

Deve ser analisada a capacidade do ato nulo influir na decisão da causa. Se influir será caso de discussão da nulidade, é o princípio da instrumentalidade das formas.

Se o ato nulo não tiver concorrido qualquer prejuízo para a atuação das partes ou da jurisdição, não há razão para o reconhecimento de declaração da nulidade como se lê do artigo 563 do Código de Processo Penal.

É o princípio da instrumentalidade das formas processuais que fundamenta o artigo 566 do Código de Processo Penal, no sentido de que não será declarada a nulidade do ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.

Bem explicitou Mirabete (Processo Penal, São Paulo, Atlas, 1991, pág. 565) que se os atos processuais têm como fim a realização da justiça e esta é conseguida apesar da irregularidade daqueles, não há razão para renová-lo. O processo é um instrumento, um meio para formulação da verdade, e não um fim.

Por outro lado, fala-se na aplicação do princípio da causalidade.

Como se lê do artigo 573§ 1º, do Código de Processo Penal, se a consequência jurídica do ato nulo, que vicia o processo, é a declaração de sua nulidade, nada mais lógico que a nulidade estenda-se aos atos que sejam subsequentes àqueles e que lhe sejam dependentes.

IV – A APLICAÇÃO DO CPC DE 2015 E O ARTIGO 567 DO CPP

Mas, entendo que a matéria deve merecer aplicação do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que o próprio CPP permite a aplicação da lei processual civil de forma subsidiária.

A esse respeito, Daniel Amorim Assumpção Neves ensinou:

“No novo diploma processual o tratamento passa a ser homogêneo, prevendo o art. 64§ 4º do Novo CPC que os atos praticados por juízo incompetente são válidos, devendo ser revistos ou ratificados (ainda que tacitamente) pelo juízo competente. Significa dizer que durante o período de trânsito dos autos, que compreende a remessa dos autos pelo juízo que se declarou incompetente e sua chegada ao juízo competente, todos os atos já praticados continuaram a gerar efeitos, ficando a continuidade da eficácia de tais atos condicionados à postura a ser adotada pelo juízo competente que receberá os autos” (Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Editora JusPodium, 2016. p. 166).

Código de Processo Penal não trata do assunto de forma contrária ao NCPC.

Embora o art. 567 do CPP disponha que “a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente”, a leitura desse dispositivo em conjunto com o art. 563 daquele diploma normativo permite inferir que, mesmo na seara penal, o aplicador da lei deverá sempre procurar a convalidação e o aproveitamento dos atos processuais praticados.

O art. 64§ 4º, do CPC vigente, adotando orientação inovadora, optou por homenagear a estabilidade e estimular o aproveitamento dos atos praticados pelo juízo reconhecido como incompetente, conservando seus efeitos até a ulterior e necessária manifestação do juiz natural da causa.

§ 4º do art. 64 do CPC de 2015 dispõe que os efeitos das decisões serão conservados, “salvo decisão judicial em sentido contrário”. O legislador conferiu ao órgão de cassação, portanto, uma espécie de poder geral de cautela, a fim de que, nos casos em que tal se fizer necessário, proceda esse último, de imediato, à análise da conveniência de se manter um ou mais atos decisórios.

De outro modo há o artigo 567 do CPP.

Sobre isso já decidiu o STF:

 “COMPETÊNCIA – DECLINAÇÃO – ATOS INSTRUTÓRIOS – SUBSISTÊNCIA. Uma vez declinada a competência, dá-se, a critério do juízo competente, o aproveitamento dos atos instrutórios. Subsistência da norma do artigo 567 do Código de Processo Penal – a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente.” (2ª Turma, HC 77544/SP,Rel. o Min. Marco Aurélio, DJ de 05.02.99).

Prevalece no sistema processual penal moderno a orientação de que a eventual alegação de nulidade deve vir acompanhada da demonstração do efetivo prejuízo, nos termos do artigo 563  do Código de Processo Penal.

É certo que se registra, a propósito de referida norma legal (CPP, art. 567), autorizada posição doutrinária que entende inaplicável “a regra do art. 567 do Código de Processo Penal aos casos de incompetência constitucional”, hipótese em que “não poderá haver aproveitamento dos atos não decisórios, quando se tratar de competência de jurisdição, como também de competência funcional (hierárquica e recursal), ou de qualquer outra, estabelecida pela Lei Maior” (Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes, “As Nulidades no Processo Penal”, p. 45, item n. 8, 12ª ed., 2011, RT).

Essa orientação é também perfilhada, entre outros autores, por Guilherme de Souza Nucci (“Código de Processo Penal Comentado”, p. 1.320, item n. 44, 17ª ed., 2018, Forense), Marcellus Polastri LIma (“Curso de Processo Penal”, p. 1.124, item n. 7, 8ª ed., 2014, Gazeta Jurídica), Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto (“Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados”, p. 1.372/1.373, 2017, JusPODIVM) e Júlio Fabbrini Mirabete (“Código de Processo Penal Interpretado”, p. 1.389, item n. 564.1, e p. 1.401, item n. 567.1, 11ª ed., 2008, Atlas).

No entanto tem-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tratando-se da hipótese de incompetência absoluta, tem-se orientado no sentido de reconhecer a invalidade, tão somente, de atos de conteúdo decisório (HC 71.278/PR, Rel. Min. Néri da Silveira – RHC 63.833/MG, Rel. Min. Djaci Falcão – RHC 72.962/GO, Rel. Min. Maurício Corrêa, v.g.), não afetando, em consequência, atos de caráter instrutório (HC 73.644/RS, Red. p/ o acórdão Min. Carlos Veloso, v.g).

Mas já se entendeu que, ”ainda que (…) pudesse ser reconhecida a incompetência atual, essa não macularia atos probatórios, como é o caso, entre outros, da inquirição de testemunhas”, como se disse no julgamento da APn 843-QO/DF, Rel. Min. Herman Benjamin.

Observo ainda no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus 129.809/MT, em que foi relatora a ministra Cármen Lúcia que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido da possibilidade também de se estender aquela inteligência a atos de relativo caráter decisório, cujo aproveitamento não afronte o contraditório e a ampla defesa.

Observo o que segue:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . PROCESSO PENAL. PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATOS PRATICADOS POR JUÍZO QUE SE DECLAROU INCOMPETENTE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O exame de eventual nulidade de atos praticados por Juízo que se declara incompetente deve ser feito pelo Juízo de Primeiro Grau competente para apreciar a causa, cuja decisão submete-se ao controle pelas instâncias subsequentes. 2. Admite-se a possibilidade de ratificação pelo juízo competente de atos decisórios. Precedentes. 3. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido.” (RHC n. 122.966/GO, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe 6.11.2014).

Nesse mesmo sentido: HC n. 83.006, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Plenário, DJ 29.8.2003, entre outros.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido da não contaminação e possibilidade de ratificação dos atos instrutórios pela incompetência do juízo (HC n. 114.225/CE, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 25.6.2013; AP n. 695-AgR/MT, Relatora a Ministra Rosa Weber, Plenário, DJe 10.3.2014; HC n. 77.544, Relator o Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ 5.2.1999).

Trago do julgamento do HC n. 123.465/AM, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe 25.11.2014):

“Conforme posicionamento hodierno sobre a matéria, este Supremo Tribunal Federal, nos casos de incompetência absoluta do juízo, admite a ratificação de atos decisórios pelo juízo competente.”

O ministro Luiz Fux, aliás, naquele julgamento do HC 114.225/CE, alertou que os atos praticados pelo juiz declarado incompetente quando não revestidos de caráter decisório, em nada influenciam o julgamento do processo.

Por essa razão tenho que mesmo a declaração de incompetência do juízo de primeiro grau não determina a anulação dos atos firmados de investigação, em respeito aos ditames da legislação processual e de jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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PGR acata denuncia de Natália Bonavides contra Flávio Bolsonaro

Natália provocou PGR contra Flávio Bolsonaro (Foto: PT na Câmara)

A Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu uma investigação preliminar contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos/RJ), o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, para investigar suposto uso da máquina pública, por meio de órgãos do Governo Federal, para encerrar as apurações do Ministério Público contra Flávio Bolsonaro pelo esquema de “rachadinha”.

A Notícia-crime protocolada pela deputada federal Natália Bonavides (PT/RN) solicita investigação para saber se a família Bolsonaro mobilizou órgãos do Governo Federal para tentar encontrar elementos para anular as investigações contra Flávio Bolsonaro, filho do presidente.

De acordo com notícia divulgada em coluna da Época, no dia 23 de outubro, os advogados de Flávio Bolsonaro se reuniram com o presidente da República, com o ministro do GSI e com o diretor-geral da ABIN para pedir que o Governo Federal produzisse provas em favor de Flávio Bolsonaro.

A parlamentar, autora da Notícia-crime, reforça que os fatos apresentados revelam o possível cometimento de crimes de advocacia administrativa e de tráfico de influência pelos presentes e pede a imediata responsabilização dos envolvidos. “A situação é escandalosa! Estamos diante do possível uso de instituições de Estado para produção de provas em favor do filho do presidente da República. Tamanha subversão das instituições não pode ficar sem a devida apuração e sem a responsabilização cabível. Por isso, é imprescindível que os fatos apurados pela revista sejam trazidos à tona para que seja frustrado o aparelhamento das instituições para a defesa do filho do presidente da República”, destacou Natália Bonavides.

Segundo o procurador-geral, Augusto Aras, a Notícia-crime protocolada no STF apresentou indícios concretos da provável prática de crimes.

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Semana teve de tudo, exceto interesse público

Pazuello foi desautorizado por Bolsonaro na crise da vacina (Foto: reprodução)

Por Josias de Souza

O Brasil viveu uma semana esquisita. Começou com um acordo republicano firmado entre o Ministério da Saúde do governo Bolsonaro com o Butantan, instituto vinculado ao governo do arquirrival João Doria. E terminou com um desacordo que tem a aparência de guerra política, com Rodrigo Maia se oferecendo para exercer o papel de herói da racionalidade. Tudo isso num instante em que o Legislativo promove um festival de irracionalidade. Alguma coisa está fora da ordem nesse balé de elefantes.
Entre a segunda e a sexta-feira, o país assistiu à consumação de dois grandes acordos malcheirosos, ambos costurados na frente das crianças. Num, a cúpula do Senado se juntou para livrar de punições Chico Rodrigues, o senador da cueca endinheirada. Noutro, a banda bandalha da política se reuniu numa articulação pluripartidária para enviar ao Supremo Tribunal Federal o escolhido de Jair Bolsonaro, Kassio Marques.
Simultaneamente, desentendimentos que eletrificam as relações do grupo de Rodrigo Maia e da ala de Arthur Lira, líder do centrão que disputa com ele o comando da Câmara, bloqueia até os trabalhos da comissão de Orçamento, a mais importante do Congresso.
Entre os espantos dos últimos dias —o resgate do senador que esconde dinheiro entre as nádegas, gente como Flávio Bolsonaro e Renan Calheiros remando na canoa do doutor de currículo fluido, o Congresso paralisado— acrescentou-se uma guerra inútil em torno do único tema que parecia inquestionável no país: o direito do brasileiro de ser vacinado contra o coronavírus.
Mais uma vez, Bolsonaro desperdiça a sua hora. Podendo atuar como facilitador de uma iniciativa que transformaria o Ministério da Saúde em provedor de todas as vacinas que se revelarem eficazes, o presidente preferiu humilhar o seu ministro e se antoconverter em garoto-propaganda da liberdade de não se vacinar —ou do direito de infectar. Numa semana tão esquisita, permeada de contendores insensatos a de mediadores improváveis, é difícil encontrar algum vestígio de interesse público.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Relação de Flávio Bolsonaro com milícias começou ser desvendada a partir de depoimento dado em Mossoró

Flávio Bolsaro está enrolado com milícias (Foto: Web)

Blog do Dina

As revelações feitas no presídio federal de Mossoró de Orlando de Curicica à procuradora da República Caroline Maciel foram o ponto de partida para, mais tarde, Flávio Bolsonaro ser implicado no caso.

Ao revelar a atuação do ‘Escritório do Crime’, os investigadores federais avançaram na trilha apontada por Orlando e se depararam com o major Ronald Paulo Alves Pereira e o ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega.

Ambos, se descobriu, são líderes do ‘Escritório do Crime’.

Tanto Adriano Nóbrega quanto Ronald Pereira foram homenageados na Assembleia Legislativa do Rio com menções honrosas propostas pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro.

Para justificar a homenagem a Nóbrega, que ocorreu em 2003, Flávio argumentou que o então capitão prestava “serviços à sociedade, desempenhando com absoluta presteza e excepcional comportamento nas suas atividades”.

Nóbrega havia sido apresentado a Flávio por um antigo colega do Bope, Fabrício Queiroz – o ex-assessor do filho de Jair Bolsonaro que está no centro do escândalo envolvendo repasses suspeitos de dinheiro para Flávio na Alerj.

As promotoras e a Polícia Federal já estão certas da participação do grupo de assassinos no crime contra a vereadora. Quem mandou matar e por qual motivo são questões ainda sem respostas, conforme relata Alan Abreu na Piauí.

“O crime se espalhou pelo poder constituído do Rio. Tem bancada. É uma metástase sem controle. O estado não sai mais dessa situação por suas próprias mãos”, disse ao repórter uma autoridade que participa das investigações do caso Marielle.

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Por ora, o começo

Flávio se torna sombra no Governo Bolsonaro (Foto: ADRIANO MACHADO – REUTERS)

Por Janio de Freitas

Impossível não é, mas também não é convincente que Flávio e Jair Bolsonaro pontuassem seus percursos políticos com defesas, elogios e apoios práticos às milícias apenas por ideias degenerativas. Sem sequer conhecer a ligação do seu influente amigo e assessor Fabrício Queiroz com a poderosa milícia de Rio das Pedras.

O que emerge, quase só por acaso, da simplória denúncia de que um PM movimentou pouco mais de um milhão em um ano, tem potencial de chegar a desfechos dramáticos em várias frentes.

Tudo depende da disposição de investigar e, a fazê-lo, que não haja os dirigismos e limitações próprios dos grandes inquéritos brasileiros.

A operação de há dois dias em Rio das Pedras, aliás, foi um feito sem precedente que a intervenção militar no Rio construiu, mas não pôde concluir.

Sua continuidade, pedida pelo novo governador, foi negada pelo governo Bolsonaro. Se por desejo do Exército ou por motivos que fatos atuais e futuros sugiram são hipóteses disponíveis para os exercícios interpretativos. Apesar de hipóteses, valem mais do que as explicações dadas.

Os generais Braga e Richard, no pouco que saíram do silêncio, deram pistas da prioridade à apreensão de armas (sem êxito) e às milícias. O que combinava com as principais suspeitas sobre a morte de Marielle e do motorista Anderson.

Mas uma operação contra a milícia da Rio das Pedras precisava de mais do que as informações necessárias: exigiu uma composição humana especial, pelos riscos implícitos e até para evitar o vazamento ameaçador.

O problema para a operação era conhecido e vinha de muito longe. O comando da milícia por um major da ativa na PM, agora preso, e de um major expulso da PM, agora foragido, ambos tidos como muito perigosos e competentes, bloqueava as polícias.

Era mais do que suficiente ao corporativismo de uns e ao medo de outros, quando não ao comprometimento, para evitar ações policiais contra os milicianos e suas atividades a partir de Rio das Pedras.

O numeroso transporte em vans, controlado por aquela milícia, proporciona às investigações uma informação útil ao levantamento dos elos: os Queiroz têm permissão do comando miliciano para explorar esse serviço, e o fazem.

Se pagam a quota convencionada, é incerto, consideradas as retribuições às honrarias da Assembleia Legislativas patrocinadas por Flávio Bolsonaro para os dois majores.

Presença anotada no gabinete de Bolsonaro na Câmara, para uma filha de Queiroz que exercia sua profissão no Rio. Contradições nos dados de compras e vendas de imóveis por Flávio. Discordâncias entre fatos e as explicações por ele dadas. Os discursos em Brasília e no Rio pró-milícias. Condecoração a milicianos. A intermediação do amigo e “motorista” Queiroz com oficiais PM problemáticos. Empregos para filha e mulher de chefe miliciano, emprego fantasma para outra. As sucessivas derrubadas das explicações defensivas —enfim, nada disso é desconectado.

E o todo não é uma ilha isolada de outras realidades. Não pode ser. Não é crível que seja.

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Atuação ilegal do Coaf no caso Flávio Bolsonaro e o vazamento de dados sigilosos

Por Marcelo Aith*

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de deliberação coletiva com jurisdição no território nacional, criado pela Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, integrante da estrutura do Ministério da Justiça e Segurança Pública, tem por finalidade disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas na Lei de Lavagem de Capitais.

O Decreto nº 9.663, de 1º de janeiro de 2019, é a norma regulamentadora do referido órgão, tem por escopo estabelecer a organização e competência do Coaf, inclusive as vedações aos seus integrantes. Dentre as vedações, cumpre aqui destacar, por oportuno, a prevista no inciso IV do artigo 7º do referido estatuto, que impede, peremptoriamente, os agentes público de fornecerem ou divulgarem as informações de caráter sigiloso, conhecidas ou obtidas em decorrência do exercício de suas funções, inclusive para os seus órgãos de origem.

Infelizmente, mais uma norma foi descumprida pelos agentes públicos que deveriam preservá-la. Conforme se depreende das informações trazidas pelos principais meio de comunicação do país, algum servidor público vinculado ao Coaf forneceu informações sigilosas a respeito do senador eleito Flávio Bolsonaro e de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

Diante deste vazamento de informação sigilosa, a presidência do Coaf e o Ministro da Justiça e Segurança Pública têm o dever de determinar a instauração de sindicância no órgão para apurar a irregularidade praticada e impor severa punição ao infrator, sob pena de incorrerem em crime de prevaricação.

Mas será que Sergio Moro tem condições para determinar a punição pelo vazamento? Como é de conhecimento notório o ex-juiz, no exercício da judicatura na 13ª Vara Criminal Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, deixou vazar gravação ilegal feita de conversa estabelecida entre a então Presidente da República Dilma Rousseff e o ex-Presidente Lula.

Em que pese Flávio Bolsonaro ocupe um cargo eletivo, tal fato não retira a sigilosidade de suas operações financeiras. Dessa forma, jamais poderiam ser objeto de vazamento para a imprensa. Por obvio que os jornalistas políticos, de todas as esferas da comunicação, tem por ofício apurar os fatos e divulgá-los a seu público, não podendo ser responsabilizados pelas ilegalidades praticadas pelos “fornecedores” das informações sigilosas.

A ilegalidade da divulgação, na espécie, afigura-se ainda mais grave pelo fato de sequer Flávio Bolsonaro ser investigado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, segundo informações divulgadas pelo Procurador Geral de Justiça.

A divulgação relativa ao ex-assessor de Flávio Bolsonaro também é absolutamente ilegal, mesmo sendo alvo de investigação pelo órgão ministerial, na medida em que o Estatuto do Coaf, categoricamente, veda a divulgação de informações sigilosas.

Por outro lado, ingressando em relação a legalidade das informações fornecidas diretamente pelo Coaf ao Ministério Público do Rio de Janeiro, embora o Supremo Tribunal Federal, em sua 1ª Turma, tenha se posicionado pela possibilidade, entendo ser flagrantemente ilegal. Explico.

O Superior Tribunal de Justiça, em recentíssima decisão proferida pela Terceira Seção, na esteira também de orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento o Habeas Corpus n. 125.218/RS, consignou que “não se admitem que os dados sigilosos obtidos diretamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil sejam por ela repassados ao Ministério Público ou à autoridade policial, para uso em ação penal, pois não precedida de autorização judicial a sua obtenção, o que viola o princípio constitucional da reserva de jurisdição” (Recurso em Habeas Corpus nº 61.367 – RJ,

Relatoria do Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA).

Extrai-se do mesmo julgado o seguinte excerto que é, mutatis mutantis, fundamental para concluir quanto a nulidade do fornecimento direto das informações obtidas pelo Coaf ao órgão de investigação, que é o Ministério Público do RJ:

“Dessa forma, verificando-se que a materialidade do crime tributário tem por base a utilização, para fins penais, de dados sigilosos obtidos diretamente pela Receita Federal, sem a imprescindível autorização judicial prévia, tem-se a nulidade da prova que embasa a acusação. Assim, a nulidade da prova inicial, obtida por meio da quebra do sigilo bancário sem autorização judicial, a qual deu ensejo à denúncia, acaba por contaminar a toda ação penal”.

A decisão da 3ª Seção do STJ guarda perfeita consonância com a hipótese envolvendo Flávio Bolsonaro e Fabricio Queiroz, uma vez que, tal como a Receita Federal é o órgão verificador das irregularidades fiscais para constatação de eventual ilícito criminal contra ordem tributária, o Coaf é órgão colegiado afeito as apurações de supostas operações financeiras atípicas que possam ensejar a imputação de crime de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98).

Dessa forma, caso o Coaf tenha fornecido diretamente ao Ministério Público as informações sigilosas, sem que o Poder Judiciário tenha autorizado, a nulidade das “provas” (elementos informativos) é uma medida que se impõe. Os dados bancários e fiscais, para efeitos criminais, são protegidos pela regra constitucional da “reserva de jurisdição”, o que condiciona a quebra do sigilo a decisão de um magistrado. Por ser uma regra constitucional não comporta ponderações, ou seja, deve ser aplicada, independentemente, de quem seja o destinatário desta medida invasiva. Cabe aqui trazer a lição do Professor e Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Guilherme de Souza Nucci que estabelece, com tintas fortes, que os “cadastros sigilosos, estejam onde estiverem, com qualquer conteúdo, somente podem ser acessados por ordem judicial”.

Vivemos em um Estado de Direito em que o respeito as regras e princípios constitucionais se impõe a todos, indistintamente os órgãos persecutórios (Polícia e Ministério Público) não podem ir além das constantes da Constituição e das leis que regem a matéria, pois do contrário caminharemos para um Estado Policialesco, para o qual não importam os meios, mas apenas os fins.

Por fim, o cidadão brasileiro não pode condescender com vazamentos indevidos, nem com quebras de sigilos sem autorização judicial, sob pena de um dia serem alvo dessa sanha desmesurada de punir que assola esse país, fruto do excesso de protagonismo do Ministério Público, que se arvora no direito de atropelar a Constituição e as leis, sem sopesar as consequências nefastas e irreversíveis que podem causar as pessoas.

*Marcelo Aith é especialista em Direito Criminal e Direito Público