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Frente ampla ou comissão de frente

Galileu - NOTÍCIAS - Conspirar é preciso?

Por Ricardo Viveiros*

Muito se tem falado na formação de uma Frente Ampla capaz de unir a oposição e enfrentar, nas eleições do ano que vem, Jair Bolsonaro. Há articulações desde a esquerda, o centro e a direita, que envolvem PT, Rede, PSB, PDT, PSDB, MDB, Cidadania, DEM e Novo. O que registra a História, quando se fala de coesão na política?

Logo após o Golpe Militar de 1964, surgiram conversas entre os principais líderes políticos para a formação de uma Frente Ampla de oposição à ditadura. Em 1966, o deputado federal Renato Archer (MDB-RJ) promoveu a aproximação dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek (PSD), exilado em Portugal, e João Goulart (PTB), exilado no Uruguai. Cientista e diplomata, Archer foi um dos principais articuladores no sentido de unificar forças contra o regime militar.

Embora integrante do movimento que havia derrubado Jango e cassado os direitos políticos de Juscelino, o ex-governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, não concordava com outras medidas, econômicas e políticas, impostas pela ditadura militar. Lacerda, que pretendia chegar ao Palácio do Planalto, voltou-se contra os militares que apoiara porque rejeitava as eleições indiretas e a prorrogação do mandato do general-presidente Castelo Branco. Archer era seu companheiro na UDN, partido que desaparecera com a imposição do bipartidarismo com apenas Arena e MDB.

Mediador entre Lacerda e Juscelino, presente ao encontro dos dois líderes políticos em Lisboa no mês de novembro de 1966, Archer assumiu a posição de principal porta-voz do primeiro, tentando conquistar também as adesões do ex-presidente Jânio Quadros (MDB) e do ex-governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto (Arena), este, como Lacerda, um apoiador de primeira hora do Golpe Militar.

A Frente Ampla convenceu Jango, que não aceitava a ideia de unir-se a Lacerda, inimigo do PTB getulista e com militares ao seu lado. Em setembro de 1967, Lacerda e Jango abandonaram as desavenças em histórica reunião na cidade de Montevidéu. Archer havia garantido a Jango que os militares lacerdistas não seriam contra a aliança sob uma condição, que a Frente Ampla não promovesse luta armada para derrubar o regime. Isso, porque Leonel Brizola (MDB), ex-governador do Rio Grande do Sul, próximo de Jango, apoiava grupos guerrilheiros que se organizavam em vários estados.

A partir daí, com boa parte dos parlamentares do MDB aderindo ao movimento da Frente Ampla, comícios iniciaram forte mobilização popular. Começando pelo ABC paulista — Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul — em dezembro de 1967, depois em Londrina e Maringá, no Paraná, em abril de 1968. Um deles reuniu cerca de 15 mil trabalhadores. Tais eventos, somados às manifestações estudantis realizadas em todo o Brasil em repúdio à violência policial que no final de março, no Rio de Janeiro, assassinara o estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto, acuaram o regime militar.

No dia 5 de abril do mesmo ano, medidas repressivas foram instauradas pelo ministro da Justiça, entre as quais a Portaria nº 117, proibindo as atividades da Frente Ampla. Em 30 de dezembro de 1968, alguns dias após a edição do Ato Institucional nº 5, Carlos Lacerda teve os seus direitos políticos cassados por 10 anos. Renato Archer, que havia sido militar da Marinha, também teve o seu mandato cassado e, assim como Lacerda, os direitos políticos suspensos por uma década. Passou por um longo período de perseguição. Foi preso várias vezes pela Polícia Federal. Arrolado em Inquérito Policial Militar (IPM) e acusado pelo Exército, não foi a julgamento por falta de provas.

Em setembro de 1969, com o afastamento do presidente Costa e Silva por doença e a ascensão de uma Junta Militar ao poder, Archer voltou a ser preso. Em novembro de 1970, já no governo do general-presidente Emílio Garrastazu Médici, foi preso pela terceira vez, então com violência. Sua residência foi invadida e a filha de seis anos ameaçada de sequestro. Mantido incomunicável por 20 dias, foi interrogado sobre um encontro que tivera pouco tempo antes, na Europa, com o deputado federal cassado Márcio Moreira Alves (MDB). Competente jornalista, Moreira Alves era de família rica, proprietária do Hotel Ambassador, no Rio de Janeiro, onde havia o Juca’s Bar, efervescente ponto de encontro de intelectuais e políticos na década de 1960.

Renato Archer, impedido de atuar politicamente, voltou à iniciativa privada. Entretanto, nunca desistiu de unir a oposição contra o regime ditatorial. Em 1978, ao lado do senador Severo Gomes (PMDB-SP), foi um dos ativistas da Frente Nacional de Redemocratização (FNR), movimento que articulou a candidatura do general Euler Bentes Monteiro à presidência da República pelo MDB, contra a candidatura oficial do general João Batista Figueiredo.

Por fim, a História registra a coalizão política criada em 1984, já no período de agonia e morte do regime militar, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), oposicionista, e pela Frente Liberal, dissidência do Partido Democrático Social (PDS), governista, buscando apoiar, na eleição presidencial a ser realizada pelo Colégio Eleitoral em janeiro de 1985, chapa encabeçada por Tancredo Neves, oposicionista moderado, e José Sarney, ex-presidente do PDS (sucessor da Arena), candidato a vice. Vale registrar que a proposta de unir a oposição em frente ampla para derrubar a situação não é apenas brasileira. Só nas Américas tivemos movimentos iguais também no Chile, Costa Rica e Uruguai.

A coesão de esforços para vencer um opositor é caminho válido. Mas, o que a história registra na formação de blocos políticos é frustrante. Muita conversa, muito discurso, muita promessa e, na hora da decisão, cada um arruma um bom motivo para não ceder espaço, não desistir de estar na ponta da chapa a ser apoiada por todos. União requer humildade, desprendimento, altruísmo – ter respeito pelo interesse coletivo.

Diante da gestão Bolsonaro haverá um conjunto de líderes partidários capaz de, sem vaidades ou pretensões pessoais, unir a oposição tendo um só nome de todos à presidência da República? A situação e os oportunistas de sempre estarão firmes em torno de Jair Bolsonaro, cujo maior adversário até agora tem sido ele mesmo.

Lula, Ciro Gomes, João Dória, Marina Silva, Guilherme Boulos, Luiz Henrique Mandetta, Sergio Moro, João Amoêdo e Rodrigo Maia serão capazes de abrir mão de interesses próprios para constituir uma consistente e exitosa Frente Ampla? Ou tudo ficará apenas na Comissão de Frente de um desafinado samba-enredo derrotado no carnaval da esperança?

Quem viver, verá.

*É jornalista, professor e escritor. Conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da União Brasileira de Escritores (UBE)

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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O PT foi pragmático para chegar ao poder. Mas se recusa a dar as mãos na hora de defender o país

Por João Filho

The Intercept

AS ELEIÇÕES DE 2022 já começaram. Ainda é cedo, mas os ataques mútuos entre Doria e Bolsonaro marcam o início da disputa para atrair o eleitorado identificado com a direita. Enquanto isso, a esquerda segue dividida, desarticulada e paralisada diante da violência do bolsonarismo no poder.

Na última segunda-feira, foi lançado na PUC, em São Paulo, um manifesto que busca reorganizar a oposição. Batizado de “Direitos Já! – Fórum pela Democracia”, o movimento é uma tentativa de formar uma frente ampla em defesa da democracia contra os ataques do governo Bolsonaro. O nome do movimento é uma referência às Diretas Já, criado no início dos anos 1980, quando o campo democrático, ainda sob a ditadura, se uniu para reivindicar eleições presidenciais diretas.

Representantes de 16 partidos e integrantes de diversos segmentos sociais estiveram presentes na PUC. Nomes importantes como Flávio Dino, do PCdoB, o pedetista Ciro Gomes, Márcio França, do PSB, Marta Suplicy, hoje sem partido, deixaram as rusgas de lado em nome da defesa da democracia. Nomes como Kassab (PSD) e os tucanos FHC, Alckmin e Anastasia mandaram mensagens de apoio. É…eu sei, mas uma frente ampla contra a barbárie não pode ser encarada como um clubinho de amigos, mas como um movimento heterogêneo, que reúne amplo espectro da sociedade em torno da defesa de valores democráticos.

Engolir alguns nomes de centro-direita me parece um preço razoável a se pagar pela defesa da civilização. O avanço da extrema direita não é uma exclusividade brasileira. A formação de frentes amplas desse tipo tem sido a saída que os democratas de vários países encontraram para combater governos autoritários. Não se trata mais de esquerda x direita, mas de civilização x barbárie.

A missão do movimento é complicada. Há muitos traumas decorrentes do impeachment, e juntar opositores tradicionais não é fácil. Mas me parece evidente que a ampliação do arco em apoio à defesa dos valores democráticos é o único caminho possível para o enfrentamento à escalada do autoritarismo. Infelizmente nem todos no campo progressista pensam assim.

Petistas também participaram do evento, alguns até ajudaram na organização. Mas nenhum dirigente compareceu, o que indica que o partido não irá entrar de cabeça no movimento. Fernando Haddad, que chegou a participar da gestação do grupo em maio, confirmou presença no evento, mas simplesmente não apareceu. Não mandou um recado para ser lido no evento como fizeram outros ausentes, nem mandou um representante. Assim como Haddad, o psolista Guilherme Boulos também participou das primeiras reuniões, mas decidiu não comparecer. Também não havia nenhuma liderança do PSOL presente.

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Líderes políticos de 16 partidos se reúnem no teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para o evento “DireitosJá! Fórum Pela Democracia”, lançando um manifesto em defesa do Estado Democrático de Direito.   (Reprodução: YouTube/TVPUC)

A assessoria de Haddad informou que ele teve que receber uma pessoa em casa em um compromisso pessoal. Segundo a jornalista do Estadão, Sonia Racy, “fontes petistas admitiram que o partido fez forte pressão para que Haddad não fosse. Motivo: à sigla não interessa dividir o protagonismo na oposição. E ela não abre mão da bandeira ‘Lula Livre’ na linha de frente do movimento”. O partido decidiu não se envolver institucionalmente com o movimento por não poder controlar suas pautas.

Nas redes sociais, parte da militância petista colocou em dúvida a informação do Estadão, dizendo que o PT não participou porque o evento foi organizado pelo PSDB. Não é verdade. O principal idealizador do movimento é o sociólogo Fernando Guimarães, um tucano que lidera uma corrente de esquerda dentro do PSDB. A criação do Direitos Já enfureceu a cúpula do PSDB em São Paulo, que pediu a sua expulsão.

O PT segue tendo Lula Livre como a sua principal bandeira, para não dizer a única. É uma pauta justa, legítima e importante. A Vaza Jato trouxe provas definitivas de que o ex-presidente foi acusado por procuradores comprometidos com causas políticas e condenado sem provas por um juiz parcial e igualmente alinhado a causas políticas. A condenação de Lula é fruto de um processo de deterioração das instituições democráticas, que culminou com a eleição de Bolsonaro e se intensificou brutalmente com seu governo. Na minha opinião, a defesa de um ex-presidente que foi vítima de um julgamento político deveria ser uma bandeira fundamental de todos que estão dispostos a defender a democracia, mas não é essa a realidade.

Há muita gente no campo democrático que discorda de que essa seja uma boa estratégia no combate ao bolsonarismo. Não há como fugir disso. Infelizmente, o cacoete da hegemonia fala mais alto, e o PT se recusa a participar de qualquer movimento que não tenha a liberdade de Lula como bandeira principal. É incrível notar que o partido, que teve seus governos marcados pelo pragmatismo e que se aliou no ano passado a partidos que derrubaram Dilma, se recuse a dar esse passo atrás em nome da luta contra a selvageria bolsonarista.

As lições da última eleição foram ignoradas. As pesquisas indicavam que apenas Lula venceria Bolsonaro em um segundo turno. Com a confirmação de que o ex-presidente não poderia disputar, o partido escolheu Haddad de última hora, apostando que a transferência de votos de Lula para o candidato do PT aconteceria de forma natural. Àquela altura, já estava claro que o antipetismo era mais forte que Haddad. Era a hora de recuar e compor com Ciro Gomes na cabeça de chapa para tentar evitar a tragédia Bolsonaro. O nome do pedetista aparecia nas pesquisas como o único com chances de derrotar Bolsonaro no segundo turno. Mesmo assim, Ciro não seria garantia de vitória, pelo contrário. As chances de perder também eram grandes. Mas ali poderia ser o início da construção de uma oposição sólida ao bolsonarismo.

Mas o PT preferiu perder como protagonista do que tentar ganhar como coadjuvante. A estratégia foi boa para o partido, que perdeu a eleição, mas manteve a hegemonia no campo oposicionista ao formar a maior bancada na Câmara. Mas foi ruim para o país, que, após oito meses, está com uma oposição enfraquecida e desarticulada para enfrentar o desmonte avassalador do estado brasileiro.

O PT é o maior partido do Brasil. Tem uma forte base social, alcance no país inteiro e, mesmo com a devassa sofrida pelo conluio lavajatista, conseguiu eleger a maior bancada da Câmara. Difícil imaginar um movimento de oposição efetiva ao bolsonarismo sem a participação do partido. Infelizmente, até aqui tudo indica que os seus dirigentes não irão se engajar nessa frente ampla por temer a perda da hegemonia.

O partido crê que o protagonismo é um direito natural devido ao seu tamanho, à sua força. Isso faria todo sentido se a democracia estivesse sob condições normais de pressão e temperatura, o que definitivamente não é o caso. O antipetismo hoje é maior força política do país. É tão forte que elegeu um homem que disse “vamos fuzilar a petralhada” durante a campanha. Esse é um dado da realidade que não pode ser mais ignorado. O bolsonarismo não é uma força política convencional. É liderado por um ex-militar rancoroso, autoritário, imbuído da missão de desmontar o estado, agradar a horda de seguidores fanáticos e passar o trator em cima de quem pensa diferente.

O PT calcula que o melhor a se fazer é deixar Bolsonaro sangrando até 2022, perdendo popularidade e, assim, derrotar a direita nas urnas. É um erro. É subestimar mais uma vez a força avassaladora do antipetismo, que não vai sumir do dia para noite. Corre-se o risco de não se ter nem democracia nem Lula livre. Como disse o linguista americano Noam Chomsky, presente no evento do movimento Direitos Já, “o componente central da esquerda é o PT e o partido ficou desacreditado, parte por motivos certos, parte por má propaganda e campanhas ultrajantes nas redes sociais das quais não se recuperou”.

É urgente juntar as forças democráticas, criar um diálogo plural, formular propostas comuns e criar condições para uma oposição efetiva. Não há mais espaço para disputa de hegemonias e imposições. Ou os democratas se unem agora contra o governo fascistoide, criando uma narrativa única em torno da defesa dos valores democráticos, ou na próxima eleição — se houver eleição! — elegeremos um presidente para administrar os escombros.

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Frente ampla e as ilusões de parcela da esquerda

Por Marcos Jakoby

Nesta última segunda-feira (03/09), ocorreu, na PUC – São Paulo, lançamento de um movimento que tem a pretensão de ser uma “frente ampla pela democracia”. Representantes ligados a 16 partidos (mas que não representavam formalmente a estes) que incluía PSD,PV, Novo, PDT, PC do B, PT (de forma marginal), Podemos, PSDB, entre outros, e lideranças (de forma presencial ou por meio de vídeos) como Flávio Dino, Ciro Gomes, Márcio França, Marta Suplicy, FHC, Gilberto Kassab, Antônio Anastasia (relator do impeachment de Dilma no senado) entre outros, e integrantes de diversos segmentos sociais, lançaram o manifesto “Direitos Já! Fórum Pela Democracia”. O evento é fruto de uma articulação iniciada em novembro do ano passado. Dos partidos de esquerda, chamou a atenção a presença orgânica do PC do B, com várias lideranças partidárias e públicas.

No início do ato foi lido o manifesto do Direitos Já. Sintomático que o documento se inicie com o contexto das eleições em 2018, sem fazer nenhuma menção ao golpe de 2016, sem denunciar a prisão política de Lula, sem abordar a reforma trabalhista, a lei do teto do gasto público e a reforma da previdência, medidas que tanto afetam a vida de milhões de trabalhadores. O seu coordenador, o sociólogo tucano Fernando Guimarães, diz que o movimento não é contra ninguém, mas àquelas medidas que ferem os direitos fundamentais.

Mas é curioso que o manifesto não faz nenhuma menção de pautar a liberdade do maior preso político do país.  Também não denuncia, em nenhum momento, o assassinato de Marielle Franco e de muitas outras lideranças populares. Tampouco, trata do pacote anticrime de Sérgio Moro, que concede “carta branca” para as forças de segurança matarem. São questões cruciais para quem luta por “direitos fundamentais” no Brasil de 2019. É uma defesa da democracia e das liberdades democráticas com pouco conteúdo, quase que abstrata, embaladas pela embriaguez da necessidade, a todo custo, de uma “frente ampla”. O documento diz que as forças democráticas devem colocar suas diferenças programáticas de lado; e se engajarem numa pauta comum: “a defesa irrevogável da democracia, das instituições da República e dos direitos conquistados pela população”.

No campo popular há um grande acordo no diagnóstico de que o ascenso de Bolsonaro ao governo é resultado de um processo que combinou: 1) uma coalizão ampla das classes dominantes, reunindo partidos da direita tradicional, partido do judiciário, grande mídia, o grande capital, cúpulas de igrejas conservadores, setores médios reacionários, aliados  internacionais (EUA e Israel, especialmente), influência das Forças Armadas, milícias e o próprio clã Bolsonaro; 2) que o caminho foi trilhado por um golpe em três atos: o impeachment de Dilma sem crime de responsabilidade, a prisão política de Lula e as eleições fraudadas de 2018 pelo uso de caixa 2, fake news e pela ausência do candidato de preferência popular.

O programa ultraneoliberal e a necessidade de derrotar e destruir a esquerda e qualquer resistência popular deu a liga essa coalização poderosa. Para as forças da classe trabalhadora, portanto, não basta derrotar Bolsonaro, é preciso impor uma derrota de conjunto ao bloco que se constituiu e, sobretudo, ao seu programa. Isso somente será possível com a participação de milhões de pessoas, com muita mobilização social e luta cultural e ideológica. Do contrário, não reuniremos força o suficiente para impor essa derrota, pois antes outros golpes desarticularão a resistência e qualquer tentativa de retomarmos a ofensiva. A linha política da esquerda precisa ter coerência com esse diagnóstico.

Qual o problema de inciativas como essa, que tem como horizonte a “frente ampla”? Em primeiro lugar, abrem mão de pautas e agendas importantíssimas da classe trabalhadora, a exemplo da luta contra a reforma da previdência, da flexibilização dos direitos trabalhistas, da privatização de estatais, da luta contra o desemprego etc. Isso acontece porque as forças que se pretendem atrair para este tipo de frente têm justamente atuado, ao lado da extrema direita, para aplicar este programa. Basta uma rápida consulta nas votações destas matérias.

Abrindo mão destas pautas, perdemos, ou reduzimos, a nossa capacidade de mobilização da classe trabalhadora, pois são estas as questões responsáveis diretas pelo drama vivido por milhões de trabalhadores/as. Não por acaso, onde a rejeição de Bolsonaro é mais ampla é entre as pessoas que tem renda até dois salários mínimos,  uma vez que é onde o desemprego e ausência de políticas sociais está sendo mais sentida.

Um dos argumentos dos defensores de uma frente ampla, com setores da direita, é de que precisamos primeiro restabelecer o “estado de direito” e a “democracia”, para depois lutarmos pela reconquista de direitos sociais.  É uma visão equivocada. As duas lutas, por direitos democráticos e por direitos sociais, andam juntas. Em nome de uma “frente ampla”, enfraquecemos a segunda, a que justamente pode ser a base social da luta pelas liberdades democráticas e de sua ampliação.  A retomada da democracia e dos direitos sociais não será conquistada com acordos, saídas por cima ou exclusivamente pela via parlamentar e institucional. O comportamento das classes dominantes é de não é aceitar um recuo ou uma derrota nestes termos.

Se tomarmos o “Direitos Já” como esse embrião de frente ampla, os seus limites são muitos. Ela não enfrenta a luta contra o programa econômico e social ultraneoliberal, nas suas questões mais estruturais; e, tampouco, trata a luta por democracia com a profundidade exigida, como mencionamos no início do texto. Ademais, fala em defesa “das instituições da República” sem qualquer menção ao fato de que muitas destas instituições operaram pesado para criar o ambiente e a situação em que nos encontramos hoje, a exemplo do STF, da maioria do parlamento, da cúpula das Forças Armadas e do Ministério Público. Muitas das instituições que hoje tem pouca legitimidade popular. É um movimento que joga para esquerda cumprir um papel de defesa do “status quo”. Não é possível falar nestas instituições sem falar no papel que elas cumpriram no golpe e na eleição de Bolsonaro; e sem dizer também que precisamos reformá-las por meio de uma Assembleia Constituinte.

A esquerda de conjunto precisa ter bem claro que não basta derrotar Bolsonaro, é preciso derrotar sua coalização de conjunto e o seu programa econômico e social. Parte das forças de direita e centro-direita podem fazer a leitura de que o governo e seu programa é fundamental, mas que Bolsonaro pode ser um “estorvo”, pelo seu estilo e sua capacidade política. Neste contexto, a esquerda não pode ser força auxiliar de frações das classes dominantes para resolver suas crises. A classe trabalhadora e os setores populares, por meio de suas forças, devem se apresentar com independência política, colocando-se, não só contra Bolsonaro, mas seu governo e seu programa. E que esta saída somente será possível por meio de uma ampla mobilização popular e de novas eleições.

Por fim, uma frente ampla com parte da direita pode causar ainda mais confusão e desmoralização entre as forças do campo popular. Estar ao lado de organizações políticas e lideranças que há pouco estavam operando o golpe e ajudando a eleger Bolsonaro, como se nada tivesse acontecido, não é um bom caminho para reconstruir os laços e a confiança com a maioria do povo brasileiro. O caminho é o das lutas e a construção de instrumentos que tenham o compromisso de impor uma profunda derrota ao golpismo e abrir caminho para retomarmos a ofensiva, construindo transformações profundas em nosso país. Por isso, a energia da esquerda precisa ser concentrada em construir e fortalecer frentes democráticas e populares, que apontem uma saída da crise pela esquerda.