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Girão espalha fake news sobre Golpe de 1964

O deputado federal General Girão (PL) teve postagem sobre o golpe militar de 1964 no Instagram registrada ccom alerta de informação falsa.

Girão expôs o vídeo gravado no ano passado em que o jornalista gaúcho Paulo Martins se apresenta como testemunha ocular da história ocorrida há 59 anos.

O Estadão Verifica apontou erros de datas e informações enganosas, gerando o alerta de notícia falsa do Instagram para quem posta o vídeo.

Uma das mentiras contadas é que o então presidente João Goulart fugiu do país, o que descartaria, na fala dele, a hipótese de golpe de estado. A versão é fantasiosa porque o “Jango”, como era conhecido, estava em Porto Alegre quando a abolição do Estado Democrático de Direito foi consumada.

No post, Girão ainda teve a coragem de chamar uma mentira de verdade e citou o versículo bíblico usado como mantra no bolsonarismo. “A verdade contada por quem realmente vivenciou a contra revolução (sic) de 64.‘E conhecereis a verdade; e a verdade vos libertará’”, escreveu.

Girão é um dos investigados no inquérito das fake news. Ele chegou a tentar derrubar as investigações ao propor um decreto para derrubar a investigação que quebrou o sigilo telefônico do parlamentar em 2020.

Confira a verificação de fatos AQUI.

 

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Revolução ou golpe? A tentativa bolsonarista em ressuscitar o lixo da história

Teses bolsonaristas tentam dar roupagem positiva a um golpe de estado (Foto: Web/autor não identificado)

Por Tales Augusto*

Antes que venham me atacar, leiam o texto. Depois falem o que quiserem, mas de antemão aviso, escrevo fatos, provados, não a partir, partindo de achismos. Ações deste tipo, deixo para os que não leem, não estudam e ainda se informam apenas através das redes sociais e por falsos filósofos, até falsos messias. Outra coisa, sou contra ditadura, seja de direita ou esquerda, Estado Totalitário ainda mais.

Vimos neste último dia 31 de março de 2021, 57 anos depois de forma nefasta, vil, cruel e desprezível, a retirada de João Goulart do cargo. Numa ação militar-civil que muitos insistem em tentar criar um discurso que justifique o injustificável, a quebra do Estado Democrático de Direito. Este, que na nossa República, na nossa História, fora tantas vezes tornado mesmo que legitimo, em letra morta. Inclusive na ascensão da República em 1889. Não por acaso, tantas vezes as Forças Armadas, principalmente o Exército, fora o protagonista dos golpes, ora apoiando, noutro momento sendo o próprio governo.

Dentre os membros das Forças Armadas, mais recentemente, um senhor que saiu da caserna aposentado por apresentar sérios problemas não só de convívio, mas também psicológicos, ou é mentira que a aposentadoria precoce do capitão Bolsonaro fora fruto disso? Ah, vale salientar que ele entende de golpe (pelo menos de tentativa), tentara sem sucesso explodir (literalmente) parte da caserna para ter maiores vencimentos. Sendo mediano, sem ascender nas Forças Armadas, buscou na política espaço. Encontrou muitos iguais a ele, com ódio, mentiras e falso moralismos até conseguir a vaga de presidente. Não destoando de muitos que em 1964, gritavam “Deus, Pátria e Família” e agora os que sobreviveram e outros que mostraram suas reais caras, faces, ou melhor, deixaram que as máscaras caíssem. Incluindo-os também como falsos cristãos, não tem como ser cristão e apoiar a ditadura, a morte, a tortura.

O mais interessante, como falou Chico Buarque na canção Vai Passar, “num tempo, página infeliz da nossa História”, devendo ser por todos motivo de vergonha, para alguns é vista hoje como Revolução por ter impedido um Golpe de Esquerda que vislumbraram. A época, nem colocar em prática as Reformas de Base o Jango conseguiu, sonhar que haveria a tomada de poder pela esquerda é desconhecer o que vivíamos em 1964, lembro-lhes, esquerdas e não esquerda. Não havia entre os que seguiam tal ideologia uma homogeneidade. Poderia haver grupos que queriam tomar o poder e implantar uma ditadura? Com certeza sim, só que não causavam medo e nem tinham força. As guerrilhas urbana e rural só vieram por parte da esquerda após o Ato Institucional número 5, o famigerado AI-5. Por isso, não venham com discursos vazios, sem bases e sem leituras, continuam passando vergonha.

Muitos se esquecem que o Golpe de 1964, fora adiado em uma década devido o suicídio de Vargas. Situação muito bem avaliada no livro O Dia em que Getúlio Matou Allende, do Flavio Tavares (indico a leitura). Ou seja, não foi a esquerda que tentou o golpe, já estava em curso desde 1954, de lá até o 31 de março de 1964, muita coisa aconteceu, inclusive a Operação Brother Sam. Não é de hoje que os estadunidenses se metem na política interna brasileira, falo do Golpe Contra Dilma e a participação dos Estados Unidos na Operação Lava Jato. Documentos do Wikileaks, complementam e muito minha fala, só que leiam antes, não é Tales Augusto, este Historiador que está afirmando tudo isso.
Então o que leva muitos a tentarem tirar do Lixo da História o Golpe de 1964, buscar o tornar uma Revolução? O Discurso é uma prática que tem força quando usado de forma organizada. Na nossa História tivemos páginas rasgadas, escondidas, queimadas e outras adicionadas como no Stalinismo e Fascismos diversos como o italiano, o nazismo, o franquismo e ainda o salazarismo. O discurso é peça tratada por Foucault no seu livro A Ordem do Discurso.

Bolsonaro e seus asseclas há tempo buscam solidificar que tivemos uma revolução, inclusive alguns grupos tendo conquistado o direito de comemorar a data, só lembro que não foi revolução e sim golpe e vergonhoso. Por quais motivos eu afirmo ter sido golpe? Vamos lá.

De acordo com Pandolfi, “no Brasil, ao longo do século XX, ocorreram, pelo menos, dois movimentos conhecidos também como revoluções: um em 1930 e outro em 1964. Nenhum dos dois totalmente afinado com a ideia que se tem de uma revolução. Nenhum comparável ao que aconteceu na França em 1789 ou na Rússia em 1917. Isto porque sempre que se pensa na categoria revolução pensa-se imediatamente em uma total ruptura da ordem, em uma tomada brusca do poder, em uma substituição radical da classe dominante, em uma ampla participação popular. No Brasil, tanto em 1930 como em 1964, apesar de ter havido uma ruptura da ordem constitucional, não houve alterações substantivas na estrutura de classe do País, nem uma total substituição dos grupos no poder.
Em diferentes medidas, mesmo que esses movimentos tenham recebido apoio da população, não contaram com uma significativa participação popular. Em ambos, o apoio decisivo veio dos militares. Por isso, muitas vezes, as chamadas revoluções brasileiras são registradas na categoria de golpe. Entretanto, enquadrá-las como golpe ou como revolução não é o mais importante. Importa entender o significado, os dilemas e, sobretudo, o legado deixado por esses movimentos.”

Ou seja, o que aconteceu não configura como Revolução nem no Brasil, nem na baixa da égua. Só que o saudosismo bate a porta de pessoas eu nem viveram isso, costumo passear nos perfis de alguns bolsonaristas. Não todos, mas boa parte noto que não buscam leitura para defender o indefensável e tem mais, nesses passeios entrei em alguns grupos do whatsapp, facebook, instagram e é impressionante o que defendem com todas as forças.
São tão sem noção, que falam que o estado atual onde prefeitos e governadores no Brasil devido a Covid-19, restringem certas práticas, são ditaduras, vou repetir, são DITADURAS. Sinceramente, é difícil os levar a sério.
Esses também não compreendem o que cada ente da federação tem como premissa de suas obrigações e responsabilidades, somo ainda que nem entender como funcionam os três poderes. É ou não difícil levar a sério adultos (na idade pelo menos) que não conseguem aprender o que alunos do 8º ano (antiga 7ª série) do Ensino Fundamental já sabem? Aliás, não, sabem, APRENDERAM.

Tivemos ainda nesta semana, a demissão do Ministro da Defesa e o pedido de demissão coletivo dos chefes das Forças Aramadas em bloco, Todos saíram do governo, comentasse que isto ocorreu em decorrência do Bolsonaro buscar reviver 1964, aumentando seu poder e não foi uma ou duas vezes que ele falou em Estado de Sítio e ainda usou a Lei de Segurança Nacional (LSN).

Mas tudo isto não me surpreende, não esqueçam que a cadela do fascismo sempre está no cio e o ovo da serpente já eclodiu. Que não baixemos a guarda, seja onde for. Nós Historiadores principalmente, temos por missão, fazer com que o passado não seja esquecido, só que o principal está em aprender no passado o que não deve se repetir e que as novas gerações, não busquem no Lixo da História, soluções que não existem e discursos mentirosos. Não estudo o passado, o compreendo para pensar o hoje e quem sabe, termos um amanhã.

Mas não posso condenar quem acredita quando Bolsonaro disse que 1964 foi uma Revolução. Vocês acreditaram e alguns ainda acreditam que ele é o guardião da família tradicional brasileira, que ele não é corrupto, que ele é patriota, que ele defende o Brasil. Só não me diga que vocês também acreditam em Invermectina e Cloroquina como tratamento precoce, caso acredite, fica difícil até dialogar.

Fonte:

PANDOLFI, Dulce. O Brasil e suas revoluções. Século XX — Retrospectiva. Edição especial de O Estado de S. Paulo. Disponível em <www.estadao.com.br>. Acesso em jun. 2007.

*É Historiador, Professor e mestrando.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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31 de março de 1964: uma lembrança sinistra que não quer calar

Golpe de 1964 empurrou o Brasil em 21 de ditadura (Foto: arquivo nacional)

Por Rogério Tadeu Romano*

Volto-me ao passado a partir de 1963 e 1964.

“Na tarde de 22 de outubro, durante um churrasco realizado em Itapeva, no interior de São Paulo, Castello e Costa e Silva confraternizavam com a oficialidade que acabara de concluir manobras militares na região. O ministro, violando a programação, resolveu discursar para a tropa. (…) Costa e Silva desafiou-o diante de uma platéia que, como a do Automóvel Clube em março de 1964, gritava “Manda brasa”. Mandou-a. “O Exército tem chefe. Não precisa de lições do Supremo. […] Dizem que o Presidente é politicamente fraco, mas isso não interessa, pois ele é militarmente forte”, atacou Costa e Silva, pedindo desculpas ao presidente pela ênfase. (GASPARI, 2002a, p.271)

A mídia se dividia.

A reação da imprensa foi dividida. O Correio da Manhã denunciou a gravidade da situação e a indisciplina do ministro da Guerra, que colocava o presidente em posição difícil. Acusou o governo de atentar contra o princípio da independência e harmonia dos poderes. O Jornal do Brasil divulgou a existência de um projeto de novo Ato Institucional, que permitiria novas cassações de mandatos, e relatou os incidentes relativos ao Supremo sem tomar partido. O jornal O Globo apoiou o governo, afirmando que a continuidade da revolução estava em jogo. Para atingir os seus fins, ela tinha que ser una, não podendo existir um Executivo pró-revolucionário, um Legislativo ambivalente e um Judiciário neutro. (COSTA, 2006, p.166)

O presidente do STF, entretanto, mesmo partidário da UDN, tentava manter a moral do tribunal intacto, “(…) segundo a história oral do Tribunal, depois Moutinho da Costa reagiu a ameaças do ministro do Exército, Costa e Silva, ameaçando fechar a casa e mandar a chave da instituição ao Planalto”. (CARVALHO, L. MAKLOUF, 2010a). Em 25 de Outubro, antes de votar habeas corpus em favor de Juscelino Kubitschek, os ministros do STF votam moção de apoio à manutenção de Ribeiro da Costa na presidência do STF até o término de sua judicatura.

O Supremo preparava-se para considerar um pedido de habeas corpus em favor do ex-presidente Juscelino Kubitschek, alvo de inquérito policial militar. A 25 de outubro, em sessão plena, os ministros aprovaram, em emenda regimental, o prolongamento do mandato do ministro Ribeiro da Costa até o término de sua judicatura, medida obviamente de desagravo pelas críticas que ele vinha sofrendo por parte de militares e de alguns setores da imprensa. (COSTA, 2006, p.166-7).

O mandato dele terminava em 1966, e a emenda prorrogou por mais seis ou sete meses. Ribeiro da Costa ficou, com uma posição muito vigilante, atuante, brava. (SILVA, 1997, p. 382)

Nesse momento a configuração dos ministros era a mesma que havia presenciado o golpe de 1964. A partir de então começa o desmonte do antigo STF e a reformulação de uma nova composição da corte. O primeiro golpe foi o AI-2.

Dois dias depois, a 27 de outubro de 1965, o presidente Castelo Branco emitiu o Ato Institucional na 2, que veio atingir diretamente o Supremo Tribunal Federal, alterando a sua composição. O número de ministros foi aumentado de onze para dezesseis, tendo sido nomeados cinco ministros com militância partidária na UDN, mais adequados, portanto, à política do momento. (COSTA, 2006, p.167)

O documento estabelecia ainda o aumento de 11 para 16 do número de ministros do Supremo Tribunal Federal. Esta reforma do STF fora imposta a Castelo pelos militares da linha dura irados com as sucessivas decisões da mais alta corte judiciária contra os procuradores do governo em graves casos de “subversão”. O presidente do Tribunal, ministro Ribeiro da Costa, denunciou a manobra, mas inutilmente. (SKIDMORE, 1988, p. 102)

Foram nomeados 5 ministros aliados ao regime militar, com tendências políticas ligadas a UDN e que facilitariam a aprovação dos interesses do regime militar no STF. Entretanto não garantiriam ainda a plena maioria contra o antigo liberalismo judiciário.

Tabela 2 – Ministros nomeados para assumir as cadeiras criadas pelo AI 2 em 16/11/1965
1 Adalício Coelho Nogueira
2 José Eduardo do Prado Kelly
3 Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello
4 Aliomar de Andrade Baleeiro
5 Carlos Medeiros Silva
Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/ministro/ministro.asp

Além dos novos ministros o AI-2 trouxe diversas novas configurações ao governo.

O Ato Institucional no 2, de outubro de 1965, aboliu a eleição direta para presidente da República, dissolveu os partidos políticos criados a partir de 1945 e estabeleceu um sistema de dois partidos. O AI-2 aumentou muito os poderes do presidente, concedendo-lhe autoridade para dissolver o parlamento, intervir nos estados, decretar estado de sítio, demitir funcionários civis e militares. Reformou ainda o judiciário, aumentando o numero de juizes de tribunais superiores a fim de poder nomear partidários do governo. O direito de opinião foi restringido, e juizes militares passaram a julgar civis em causas relativas a segurança nacional. (CARVALHO, 2005, p.161)

Apesar dos protestos dos membros do STF (…) nada aconteceu quando o Ato Institucional nº 2 aumentou o número de ministros de onze para dezesseis. (CARVALHO, L. MAKLOUF, 2010a). Seguiram-se os trabalhos do STF, porém o espaço para decisões contrárias ao governo militar diminuiu. Os atos impetrados pelo governo militar com base no AI-2 não podiam ser apreciados pelo poder judiciário. “O controle jurisdicional desses atos se limitaria a formalidades extrínsecas, ficando vedada à apreciação dos fatos que os motivaram. (…) “excluída a apreciação judicial desses atos”. O AI-2 institucionalizava o arbítrio sob a fachada de legalidade”. (COSTA, 2006, p.167)

Para não cassar ministros do STF, Castello Branco aumentou o número de magistrados do Tribunal de 11 para 16, por meio do AI-2, de 27 de outubro de 1965. Nomeou cinco ministros: Adalício Nogueira, Prado Kelly, Oswaldo Trigueiro, Aliomar Baleeiro e Carlos Medeiros. Mais tarde, em fevereiro de 1967, nomeou o deputado federal Adaucto Lucio Cardoso, da União Democrática Nacional (UDN), para ocupar a vaga deixada pela aposentadoria do ministro Ribeiro da Costa. Foi justamente Adaucto Lucio o protagonista de outro célebre exemplo de resistência do STF, o caso da lei da mordaça.

A lei da mordaça, um decreto-lei que instituía a censura prévia de originais de qualquer livro que se quisesse publicar, foi aprovada pelo Congresso no governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). A oposição entrou com um recurso no STF, dizendo que aquela norma era inconstitucional, por atentar contra a liberdade de expressão, mas o Supremo disse que não poderia se intrometer nos interesses da revolução.

Indignado com o posicionamento do Tribunal, o ministro Adaucto Cardoso, que fora nomeado pelo militares, levantou-se, retirou a toga e disse que nunca mais voltaria ao Supremo, solicitando sua aposentadoria nessa sessão de março de 1971, logo após o julgamento do recurso. Na opinião de Carlos Chagas, esse foi um ato libertário.

Em novembro de 1965, o Presidente da República submeteu ao Senado a indicação de Alcino Paulo Salazar para substituir Osvaldo Trigueiro no cargo de Procurador-Geral da República.

Com a linha dura no governo militar, a edição do AI 5, três ministros do STF foram obrigados a se aposentar: Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva.”

Foto: Evandro Teixeira

Essas duas providências aqui trazidas são de grave repercussão sobre os direitos e garantias constitucionais, porque a Corte Suprema representa a guarda, a defesa da ordem constitucional e ainda preservação de direitos fundamentais, representando um sério perigo que a sociedade deve atentar na defesa do Estado Democrático de Direito.

Passo ao tema da tortura.

Na década de 1970, a ex-presidente Dilma Roussef ficou presa por três anos em razão de sua atuação contra a ditadura. No dia 28 de dezembro deste ano, o presidente Bolsonaro falava com apoiadores no Alvorada quando foi questionado sobre o atentado que sofreu na campanha eleitoral de 2018. Nesse momento, ele falou sobre a ex-presidente.

“Dizem que a Dilma foi torturada e fraturaram a mandíbula dela. Traz o raio-X para a gente ver o calo ósseo. Olha que eu não sou médico, mas até hoje estou aguardando o raio-X”, disse o presidente, entre gargalhadas, como acentuou o Valor Econômico.

Em 2016, durante a votação do impeachment da ex-presidente, na Câmara dos Deputados, o então parlamentar Jair Bolsonaro, ao votar pelo impedimento, exaltou o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi do 2º Exército – órgão de repressão política da ditadura militar – entre 1970 e 1974. Na ocasião, chamou-o de “o pavor de Dilma Rousseff”.

Foi extremamente infeliz a lembrança pelo presidente da República de um período tão triste e sinistro da história do Brasil.

Roberto Navarro (Mundo estranho) assim escreveu sobre a tortura na ditadura militar, no Brasil:

“Uma pesquisa coordenada pela Igreja Católica com documentos produzidos pelos próprios militares identificou mais de cem torturas usadas nos “anos de chumbo” (1964-1985). Esse baú de crueldades, que incluía choques elétricos, afogamentos e muita pancadaria, foi aberto de vez em 1968, o início do período mais duro do regime militar. A partir dessa época, a tortura passou a ser amplamente empregada, especialmente para obter informações de pessoas envolvidas com a luta armada. Contando com a “assessoria técnica” de militares americanos que ensinavam a torturar, grupos policiais e militares começavam a agredir no momento da prisão, invadindo casas ou locais de trabalho. A coisa piorava nas delegacias de polícia e em quartéis, onde muitas vezes havia salas de interrogatório revestidas com material isolante para evitar que os gritos dos presos fossem ouvidos. “Os relatos indicam que os suplícios eram duradouros. Prolongavam-se por horas, eram praticados por diversas pessoas e se repetiam por dias”, afirma a juíza Kenarik Boujikain Felippe, da Associação Juízes para a Democracia, em São Paulo. O pau comeu solto até 1974, quando o presidente Ernesto Geisel tomou medidas para diminuir a tortura, afastando vários militares da “linha dura” do Exército. Durante o governo militar, mais de 280 pessoas foram mortas – muitas sob tortura. Mais de cem desapareceram, segundo números reconhecidos oficialmente. Mas ninguém acusado de torturar presos políticos durante a ditadura militar chegou a ser punido. Em 1979, o Congresso aprovou a Lei da Anistia, que determinou que todos os envolvidos em crimes políticos – incluindo os torturadores – fossem perdoados pela Justiça.”

Até os dias de hoje a ditadura militar é tema polêmico.

Em texto, publicado no dia 31 de Março de 2020, o Ministério da Defesa disse que “o movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira” e que “a sociedade brasileira, os empresários e a imprensa entenderam as ameaças daquele momento, se aliaram e reagiram. As Forças Armadas assumiram a responsabilidade de conter aquela escalada, com todos os desgastes previsíveis”. O texto foi assinado pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e pelos comandantes das Forças Armadas.

O golpe militar de 31 de março de 1964 veio para dar solução a problemas daquele momento, mas durou mais de 20 anos.

A tortura foi um dos métodos violentos e cruéis utilizados no combate aos inimigos, principalmente aqueles que adotaram a chamada “luta armada”.

Fala-se do crime de tortura.

O crime de tortura se encontra balizado pela Lei 9.455/97, que teve como ponto de partida os termos da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, ficando a tortura no processo de progressiva incorporação no Ordenamento Jurídico Internacional. Isto se vê no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1976, que foi ratificado pelo Brasil, em 1992, onde se lê, no artigo 7º, que “ninguém será submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos crués, desumanos ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa sem seu livre consentimento , a experiências médicas e científicas”.

Em 1975 foi elaborado texto constante da Declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.

A Assembleia-Geral da ONU adotou a Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas crueis, desumanos ou degradantes(1984) e foi ratificada pelo Brasil no ano de 1989 e por mais de aproximadamente 123 países.

Dirão os que apoiaram a ditadura militar: “Até os heróis matam”.

Tem-se o conceito de tortura:

Art. 1º – O termo tortura designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido: de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação ou como o seu consentimento ou aquiescência.

A Lei 9.455/97, primeira norma nacional que traz definição do que seja crime de tortura, dita:

Art. 1º. Constitui crime de tortura:

I. constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico e mental:

  • com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
  • para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
  • em razão de discriminação racial ou religiosa;

II. submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

§  1º. Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.

§  2º. Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.

Por sua vez, o crime de tortura-castigo está elencado no artigo 1º, inciso II da Lei 9.455/97, onde se diz: “Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. Não são todas as pessoas que podem praticar tortura, mas somente quem tem alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, e emprega contra essa pessoa violência ou grave ameaça, causando intenso sofrimento físico ou mental, com o objetivo de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Assim a intensidade do sofrimento irá definir o crime de tortura.

Mário Coimbra (Tratamento do injusto penal da tortura, 2002, pág. 186) ensinou com relação ao crime de tortura-castigo que, no tocante à quarta modalidade de tortura, inserida no art. 1º, inciso II, da lei em exame, o núcleo reitor do tipo está representado pelo verbo submeter, que, no sentido do texto, denota a ação de sujeitar, de subjugar a vítima a intenso sofrimento físico ou mental. Tal modalidade de tortura é conhecida por punitiva/vingativa e intimidatória, por ser aplicada, com a finalidade de castigar a vítima ou mesmo para prevenir a prática de eventual indisciplina, nos casos em que o torturador detém a sua guarda ou tenha, sobre ela, poder ou autoridade”.

Necessário para se caracterizar o crime de tortura: o meio empregado(violência ou grave ameaça), as consequências sofridas pela vítima(constrangimento e o sofrimento físico/mental) e a finalidade pretendida.

Na lição abalizada de Luciano Maia(Tortura no Brasil: a banalidade do mal)    há várias condutas que podem tipificar o delito de tortura. Nenhuma delas é exclusiva de agente púbico. Disse ele: “ A lei brasileira, contrariamente às convenções internacionais, optou por criminalizar a tortura como tal, deixando de lado a tendência consolidada nas Nações Unidas, e mesmo no âmbito da Organização dos Estados Americanos, de relacioná-la a agentes do Estado.

Fala-se em sofrimento físico ou mental. Ainda nos diz Luciano Maia(obra citada) que “enquanto não parece haver dúvida quanto ao que significa sofrimento físico, o mesmo não se dá quando se refere a sofrimento mental. McGoldrick critica o Comitê de Direitos Humanos da ONU que, examinando casos de violação ao artigo 7º do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, não se revelou capaz de definir sofrimento mental ou psicológico, muito menos de apontá-lo como forma de tortura.

Disse ainda Luciano Maia: “Alcança várias situações reclamadas no âmbito internacional como necessárias de serem incluídas no rol de condutas que significam tortura, tais como violência doméstica contra crianças, em que os agressores são indivíduos destituídos de poder do Estado, mas imbuídos da autoridade paterna. Alcançará maridos, namorados, amantes, que, através da força física e econômica, submetem suas mulheres ou companheiras a intenso sofrimento físico ou mental? Terão eles guarda, poder ou autoridade sobre suas mulheres, companheiras ou amantes, para que possa se configurar tortura a violência praticada?

Creio que a resposta deve ser afirmativa. Com Lisa Kois, também considero possível afirmar que essas formas de violência contra a mulher resultam de um contexto de construção patriarcal da sexualidade feminina, e “conquanto a violência perpetrada contra as mulheres em casa não seja inteiramente análoga com a tortura oficial de mulheres, inobstante isso ela existe em um mesmo continuum de violência contra a mulher como um instrumento poderoso em sistemas que mantêm a mulher oprimida e lhes nega seus direito de plena participação em suas sociedades. As técnicas empregadas na perpetração de tortura oficial e de tortura doméstica são análogas, assim como o são os objetivos“.

Com relação ao crime previsto no 1º, §1º, da Lei nº 9.455/97, que se trata de forma de tortura, afigura-se o exemplo da aplicação de “corretivo”, ao detento. No caso, como ensinam Sheila Bierrenbach e Marcellus Polatri Lima (Comentários à lei de tortura – Aspectos penais e processuais penais – 2006, pág. 70), Guilherme de Souza Nucci(Leis penais e processuais penais comentadas, 2008, pág. 1.093) e ainda Antônio Lopes Monteiro(Crimes hediondos, 2008, pág. 98), basta, para a configuração do crime, o dolo de praticar a conduta descrita no tipo objetivo. Neste aspecto a ausência do especial fim de agir nesta modalidade de tortura diferencia-se das demais previstas no texto legal que, por outro lado, exigem sua presença. Nas formas de tortura, descritas no artigo 1º, incisos I e II,  somente se perfazem se tiver agido o agente imbuído por uma finalidade específica. No caso do inciso I, para “obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; provocar ação ou omissão de natureza criminosa e por motivo de descriminação racial ou religiosa”. Já no caso do inciso II, no intuito de “aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”, se  a vítima se encontra presa não se exige o especial fim de agir na conduta do agente. A esse respeito, é mister a leitura do voto-vista do Ministro Félix Fischer, no Recurso Especial 856.706 – AC.

A teor do artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal a tortura é crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

Trata-se de crime próprio em que o sujeito ativo é quem detém autoridade, guarda ou poder sobre a vítima. O sujeito passivo é quem estiver sob essa relação que deve ser de dependência, não necessariamente no exercício de uma função pública. Tem-se a lição de José Ribeiro Borges(Tortura: aspectos históricos e jurídicos: o crime de tortura na legislação brasileira – análise da lei nº 9.455/97, 2004, pág. 178) de que “é punição, penalidade, provocação com objetivo de correção ou emenda. Não precisa ser lesivo à pessoa no sentido de causar-lhe lesões, muito menos revestir-se de natureza cruel”. A medida de caráter preventivo, como disse ainda João Ribeiro Borges, “não obstante o caráter vago do termo pode ser entendida como expediente de que se valha para coibir a prática de ações consideradas danosas sob o ponto de vista penal, ligando-se assim a ideia de prevenção criminal”.

Consuma-se o crime de perigo quando a vítima é submetida ao intenso sofrimento, podendo falar-se em tentativa.

Os crimes de lesões corporais leves, constrangimento ilegal e ameaça são absorvidos pelo crime de tortura.

A teor do artigo 1º, § 5º, da Lei nº 9.455/97, a condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. Pode-se entender, a teor do artigo 92, I, do Código Penal que os efeitos extrapenais da condenação passada em julgado são específicos e não automáticos. Só se aplicam a certas hipóteses de determinados crimes e dependem de a sentença condenatória tê-los motivadamente declarado, de modo a deixar claras a necessidade e a adequação ao condenado. No entanto, com relação ao crime de tortura, o Superior Tribunal de Justiça, do que se lê do julgamento do HC 92.247 – DF, Relatora Ministra Laurita Vaz, ao contrário do disposto no artigo 92, I, do Código Penal, que exige sejam externados os motivos para a decretação da perda do cargo, função ou emprego público, a Lei nº 9.455/97, em seu artigo 1º, § 5º, prevê como efeito extrapenal automático e obrigatório da sentença condenatória, a referida penalidade de perda de cargo, função ou emprego público. À propósito se tem o entendimento de Fernando Capez(Curso de direito penal, Legislação penal especial, volume IV, 2006, pág. 676 e 677) quando disse que: “De acordo com o artigo 92 do Código Penal, são efeitos da condenação a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, quando a pena aplicada for superior a 4 anos, qualquer que seja o crime praticado(redação determinada pela Lei nº 9.268/96). Dependem de o juiz declará-los expressa e motivadamente na sentença(CP, art. 92, parágrafo único). No entanto, para os crimes de tortura há o regramento específico no art. 1º, § 5º, da Lei nº 9.455/97, o qual dispõe que ‘a condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego e a interdição para seu exercício pelo prazo do dobro da pena aplicada’. Dessa forma, trata-se de efeito extrapenal secundário genérico e automático, o qual, ao contrário do art. 92 do CP, independerá de expressa motivação na sentença. Haverá, assim, automaticamente, a perda do cargo, função ou emprego e a interdição para o seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. Vejam que a Lei nº 9.455/97 não impôs para a perda do cargo, função ou emprego público qualquer limite de pena, diferentemente do art. 92 do CP”.

Ora, como consignado pelo Ministro Joaquim Barbosa, no julgamento do AI 769.637 AgR/MG, o crime de tortura é delito comum, sendo-lhe inaplicável o disposto no artigo 125, § 4º, da Constituição, que determina que compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. Decidiu-se ainda que, no caso da Lei nº 9.455/97, “a sanção de perda do cargo é acessória e automática”, como se lê do precedente no HC 92.181/MG, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgamento de 3 de junho de 2008.

Outro aspecto a ser levado em conta diz respeito a aplicação do artigo 2º da Lei nº 9.455/97, em que se lê: “O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira”. É sabido que o Código Penal acolhe como princípio geral o da territorialidade, pelo qual a lei penal brasileira é aplicada em nosso território, independentemente da nacionalidade do autor e da vítima do delito. Tal regra não é aplicada de modo absoluto, pois são previstas exceções à partir das ressalvas do artigo 5º do Código Penal. Por sua vez, o artigo 7º do Código Penal prevê casos especiais de extraterritorialidade, pela aplicação de outros princípios, como os da defesa, da nacionalidade, da justiça universal e da representação.

O caso do artigo 2º da Lei nº 9.455/97 é emblemático. Sabido é que são diversos os casos de tortura, que foram executados nos chamados “anos de chumbo”, envolvendo mais de um País. Aplica-se a lei brasileira de tortura, ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira. A primeira parte(crime de tortura praticado no estrangeiro sendo a vítima brasileira) se refere a uma hipótese de extraterritorialidade incondicionada(que não depende de requisitos), que se distancia da extraterritorialidade condicionada(quando se subordina a certas condições ou pressupostos). Já a segunda parte(crime de tortura praticado no estrangeiro encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira) é caso de extraterritorialidade condicionada, situação prevista em duas Convenções sobre tortura: Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes(artigo 12) e a Convenção interamericana para prevenir e punir a tortura(artigo 5º), quando se condiciona que a lei será aplicada caso não haja extradição.

O crime de tortura está disciplinado no artigo 468 do Anteprojeto do Código Penal.

O Brasil não aprende: no dia 30 de março de 2018, um jovem deputado federal, Major Vitor Hugo, apresente proposta de lei de mobilização nacional, instrumento próprio para o combate a guerra externa e interna. Ele dá plenos poderes ao presidente da República para intervenção nas unidades federativas, requisição de bens, de pessoal, de uso das polícias militares nos Estados e Distrito Federal. Tudo isso diante de uma Constituição democrática que visou extirpar os males do movimento militar de 1964, para muitos, um golpe no Estado Democrático de Direito regido então pela Constituição de 1946. São atos de truculência, de alguém que preside o país, com sonhos num passado de pesadelos.

O Brasil não pode ficar  entregue a golpistas delirantes e a velhacos. Isso representa para a Nação um “amargo regresso ao passado triste e diabólico”.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Natália Bonavides entra ação contra ministro da defesa

Bonavides questiona ministro na PGR (Foto: Ascom PT na Câmara)

A deputada federal Natália Bonavides (PT-RN) acionou a Procuradoria Geral da República (PGR) para que o ministro da defesa, Fernando Azevedo e Silva, e os comandantes das três Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) sejam processados por terem assinado e publicado nota exaltando o golpe militar de 1964. Além disso, entrou com uma Ação Popular na Justiça Federal do Rio Grande do Norte contra a União e o ministro, solicitando a exclusão da nota do site do Ministério da Defesa.

Na última segunda-feira (30) o site oficial do Ministério da Defesa publicou uma “ordem do dia” em alusão ao aniversário do golpe militar, promovendo exaltação da ditadura militar imposta ao país. Nela, destacaram que o golpe foi “um marco para a democracia brasileira”, ignorando a deposição de um presidente legitimamente eleito e os crimes, torturas e mortes praticados pelo Estado sob a tutela militar.

“A posição expressa na nota é um verdadeiro ataque às instituições republicanas e à história do povo brasileiro. Tentam legitimar um movimento golpista que levou militares a agirem contra autoridades civis, que promoveu o fechamento do Congresso, pisou nas liberdades democráticas e, sobretudo, que matou e torturou”, declarou Natália Bonavides, autora das ações.

A ditadura que se originou do golpe militar de 1964 durou 21 anos. Durante esse período, como destacado pela deputada, ocorreu o fechamento do Congresso Nacional, a suspensão do habeas corpus e das eleições diretas, a censura dos veículos de imprensa e o desaparecimento, assassinato e tortura de milhares de brasileiras e brasileiros, como comprovaram as investigações da Comissão Nacional da Verdade.

Não é a primeira vez que integrantes do governo Bolsonaro “comemoram” o Golpe de 1964. Em 2019 o próprio presidente da República orientou o Ministério da Defesa para que as unidades militares realizassem comemorações aos 55 anos do golpe. Na época, houveram posicionamentos contrários do Ministério Público Federal e da Ordem dos Advogados do Brasil.

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O RN no golpe de 1964

Leia também:

O Golpe Militar no RN: quem aderiu, quem resistiu e as consequências políticas

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Reportagem especial

O Golpe Militar no RN: quem aderiu, quem resistiu e as consequências políticas

Por Bruno Barreto

A madrugada que separou os dias 31 de março e 1º de abril de 1964 foi marcada pela ruptura do Estado Democrático de Direito no Brasil levando o país a 21 anos de ditadura militar.

Tudo isso há exatamente 55 anos.

Entre historiadores renomados é unanime que foi um Golpe de Estado com direito a tanques nas ruas, inclusive.

No Rio Grande do Norte os efeitos da ruptura com a democracia foram sentidos de forma imediata. O Estado vinha de uma eleição acirrada e marcada pelo radicalismo em 1960 quando Aluízio Alves, após romper com Dinarte Mariz, derrotou Djalma Marinho e se tornou governador do Estado.

Aluízio deu apoio ao golpe e foi um aliado de primeira hora dos militares.

O prefeito de Natal era Djalma Maranhão, político abertamente de esquerda que atuava como terceira via entre as oligarquias comandadas por Aluízio e Dinarte. Djalma possui fortes divergências públicas com Aluízio.

Maranhão entraria para história também por ter feito a campanha de alfabetização “Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, baseada nos métodos do pedagogo Paulo Freire.

Com deflagração do golpe, ele faria da Prefeitura de Natal o principal foco de resistência no Rio Grande do Norte. O Palácio Felipe Camarão se tornaria o “QG da Legalidade e da Resistência”. No entanto, o entorno de Maranhã era frágil por se limitar a lideranças sindicais, estudantes e assessores.

Enquanto isso, Aluízio publicava na Tribuna do Norte uma nota em que pedia ao povo potiguar para se conservar calmo evitando manifestações que aprofundem divisões.

Apesar do discurso apaziguador caberia ao governador encaminhar as primeiras ações de repressão política no Rio Grande do Norte perseguindo lideranças sindicais e políticos adversários.

Djalma foi deposto do cargo em 2 de abril de 1964 quando tropa militares invadiram o Palácio Felipe Camarão e o prenderam enviando para o 16º Regimento de Infantaria, o conhecido 16 RI.  Os militares ainda propuseram que ele renunciasse ao mandato conquistado nas urnas em 1962, mas o prefeito preferiu resistir.

Mas não seria Maranhão o primeiro preso político do novo regime. Durante as negociações para tirar o prefeito do poder o líder sindical Evlim Medeiros (Sindicato da Construção Civil de Natal) seria preso após ser reconhecido por um oficial do exército sendo levado para o 16 RI antes do desfecho que culminou com a prisão do líder da resistência ao golpe no RN.

Após ser posto em liberdade, Djalma Maranhão se exilou em Montevidéu onde morreu em 30 de julho de 1971, segundo seu companheiro de exílio Darcy Ribeiro, a causa teria sido saudade.

Aluízio que comandava as perseguições logo seria convertido de vilão a vítima.

Os dias seguintes ao Golpe seriam marcados no Rio Grande do Norte pelo fechamento de sindicatos e prisões de lideranças políticas.

Enquanto isso, o golpe reunia formalmente ferrenhos adversários. Aluízio e Dinarte estaria alinhados dentro do sistema governista e fundariam juntos a Arena no Rio Grande do Norte em 1965 embora a convivência não fosse boa.

Mossoró no contexto do Golpe

Cesário Clementino: resistência em Mossoró

 

Na época do Golpe Militar Mossoró era administrada por Raimundo Soares, aliado da família Rosado, que comandava a política local.

Os principais líderes políticos da cidade, Vingt e Dix-huit Rosado, logo aderiram ao regime e fariam parte das articulações alinhados à liderança de Dinarte Mariz.

Em Mossoró não há muitos estudos sobre o que aconteceu na cidade na madrugada entre 31 de março e 1° de abril.

O único político mossoroense a organizar alguma forma de resistência foi o deputado estadual eleito em 1958 Cesário Clementino que fora líder sindical dos ferroviários. Em 1964 ele era suplente, mas teve esta condição política cassada pelo regime.

O período militar foi de hegemonia rosadista e de disputas pelo comando do Palácio da Resistência. A única quebra dessa sequência aconteceu em 1968 quando o ex-aliado dos Rosados Antônio Rodrigues de Carvalho derrotou Vingt-un por 98 votos.

O relatório Veras

 

Nos primeiros dias pós-Golpe, Aluízio Alves mandou buscar em Recife os delegados da Polícia Federal José Domingos da Silva e Carlos Moura de Moraes Veras que produziriam o “Relatório Veras” identificando os “subversivos” do Estado.

Eles produziram um trabalho de 67 páginas em que apontaram cujos alvos preferidos eram servidores da rede ferroviária, da Prefeitura de Natal, estudantes, artistas e sindicalistas.

Na lista constam o professor Moacyr de Góes, o médico Vulpiano Cavalcanti, o jornalista Ubirajara de Macedo e o pastor José Fernandes Machado. Além de, claro, Dajalma Maranhão.

No mesmo período, Aluízio Alves efetuou a demissão de 82 servidores públicos estaduais acusados de “subversão”.

A política no RN durante a Ditadura Militar

 

Aluízio Alves acabou punido pela ditadura que ajudou a instalar (Foto: reprodução/Youtube)

Nos primeiros dias pós-Golpe o processo de união das oligarquias Alves e Mariz se deu no campo formal com os dois grupos organizando a Aliança Renovadora Nacional (ARENA).

No campo político o confronto entre os dois continuava ainda que estivessem alinhados com o regime. Apoiado por Aluízio, Walfredo Gurgel foi eleito governador derrotando Dinarte. O troco foi dado no ano seguinte quando Dinarte conseguiu vetar a candidatura de Aluízio ao Senado. Foi feito um acordo entre a Arena Verde e a Arena Vermelha que fez do mossoroense Duarte Filho senador. Isso não garantiu a pacificação do partido.

Estava claro que a força eleitoral de Alves não seria forte o suficiente diante de Mariz no plano nacional. Isso se materializou em 1969 quando uma articulação de Dinarte Mariz junto ao presidente Costa e Silva resultou na cassação do mandato dos direitos políticos de Aluízio Alves que ficaria dez anos impedido de candidatar-se.

Isso definiria os rumos da política potiguar nos anos seguintes com Aluízio se alinhando ao MDB e lançado o filho Henrique Alves e o sobrinho Garibaldi Alves Filho na política.

A partir de 1970, os governadores de todo o Brasil passariam a ser escolhidos de forma indireta e com influência dos ditadores de plantão. Nas escolhas de 1970, 74 e 78, mesmo no ostracismo Aluízio mantinha a popularidade e consultado em todas as definições dos governadores.

Assim, foram escolhidos governadores pela ordem: Cortez Pereira, Tarcísio Maia e Lavoisier Maia. Nas três disputas o mossoroense Dix-huit Rosado tentou sem sucesso se tornar governador do Estado, mas sempre fora preterido.

A escolha mais dramática aconteceu em 1974 quando estava tudo acertado para que o empresário Osmundo Faria (pai do ex-governador Robinson Faria) seria anunciado e na madrugada do dia que seria feito o anúncio, o padrinho político da escolha, o general Dale Coutinho sofreu um infarto e morreu. A fatalidade zerou as articulações levando Tarcísio Maia a ser escolhido.

PAZ PÚBLICA

Na eleição de 1978 foi forjada a primeira aliança entre as oligarquias Alves e Maia por meio da paz pública quando Aluízio Alves e Tarcísio Maia se juntaram em torno da candidatura ao Senado de Jessé Freire, da Arena. Aluízio chegou a indicar nomes no Governo de Lavoisier Maia.

A tal paz se desfez com o processo eleitoral de 1982 quando os estados voltaram a eleger seus governadores. Aluízio seria derrotado por 106 mil votos de diferença para o jovem ex-prefeito de Natal José Agripino.

Os perseguidos políticos e desaparecidos no RN

Anatália de Melo Alves morreu torturada (Foto: reprodução)

Após os primeiros dias do regime como já citado nesta reportagem a repressão voltou a se intensificar no Estado a partir do Ato Institucional número 5.

Em 1968, foram presos os estudantes Ivaldo Cartano, José Bezerra Marinho e Jaime de Araújo Sobrinho. O padre marista Emanuel Bezerra.

Gileno Guanabara também foi preso.

Um dos primeiros potiguares assassinados pela repressão foi Emmanuel Bezerra dos Santos, líder estudantil e liderança do Partido Comunista Revolucionário (PCR).

No Governo Médice, a repressão ainda foi mais intensa.

Um dos casos mais marcantes envolveu o casal mossoronse Luiz Alves e Anatália de Melo Alves. Ele foi preso e torturado, inclusive ouvindo gemidos de dor enquanto sua esposa também era seviciada.

Ela não resistiu e morreu em 22 de janeiro de 1972 após sessão de tortura em Recife se tornando uma mártir da resistência ao regime no Rio Grande do Norte. Os militares tentaram abafar o caso por meio de censura, mas os testemunhos de outros presos ajudaram a provar que ela foi executada por torturadores.

Em 17 de janeiro de 1973, outro potiguar  atingindo pelo regime foi José Silton Pinheiro dos Santos foi outro potiguar assassinado pelo regime. Ele era estudante de pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e membro do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).

SEQUESTRO

Um dos momentos mais tensos da ditadura militar foi quando os grupos de esquerda que aderiram a lutar MR8 e ALN sequestraram o embaixador americano Burker Ellbrick em 4 de setembro de 1969.

A ação contou com a participação do potiguar Virgílio Gomes da ALN que seria morto após espancamento por parte de membros da Operação Bandeirantes em 29 de setembro daquele mesmo ano.

Vítima do “Cabo Anselmo”

Uma das figuras mais controversas da ditadura militar foi José Anselmo dos Santos, conhecido como “Cabo Anselmo” que se infiltrou dentro das organizações paramilitares de esquerda como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Neste agrupamento ele encontrou o potiguar Edson Neves Quaresma que foi assassinado após delação do “Cabo Anselmo”.

Bibliografia consultada

O golpe militar no Rio Grande do Norte e os norte-riograndenses mortos e desaparecidos: 1969-1973.

Autor: Luciano Fábio Dantas Capistrano

1964: Aconteceu em abril.

Autora: Mailde Pinto Galvão

Como se Fazia Governador Durante o Regime Militar: o ciclo biônico no Rio Grande do Norte.

Autor: João Batista Machado.

História do Rio Grande do Norte

Autor: Sérgio Luiz Bezerra Trindade

 

Subversão no Rio Grande do Norte: relatórios dos inquéritos realizados por José Domingos da Silva e Carlos Moura de Moraes Veras a mando do governo Aluízio Alves.

 

Autor: Comitê Estadual pela Verdade/RN.

 

Bastidores do Poder: memórias de um repórter.

Autor: João Batista Machado.

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Reportagem

31 de março: entenda os bastidores do mais famoso golpe de estado do Brasil

Por André Nogueira

Aventuras na História

O termo “golpe de Estado”, antes de tudo, é um conceito das ciências humanas. Principalmente os historiadores e sociólogos buscam entender esse conceito para, na utilização em meio à análise, haver precisão metodológica.

Esse conceito já possui muita bibliografia. Há produção sobre essa noção desde o século XVII, quando as mudanças no funcionamento do mundo das cortes fez necessária a criação de um novo arcabouço de ideias para entender o mundo autofágico da política. Partindo da realidade política palaciana, o conceito se emoldura em sua forma moderna entre o XVIII e o XIX. Um golpe de Estado é uma anormalidade institucional, assim como uma revolução, uma revolta, uma invasão ou um impedimento, mas se diferencia destas outras em sua forma. Os historiadores hoje entendem golpe como a interrupção de um mandato ilegalmente por parte de membros internos à própria instituição.

Este é o caso do ocorrido no Brasil em 1964: há uma interrupção – vacância do cargo de Jango – ilegal – constitucionalmente, o mandato seria inviolável – por membros internos – Exército, que é parte do organograma do Estado – à instituição – Estado brasileiro.

Entenda como se compôs o cenário em que uma atitude drástica como um golpe militar foi viabilizada e com amparo de parte da sociedade.

Equipe de governo de Vargas, em que vemos Jango / Wikimedia Commons

Para tanto, voltamos a 1961, ano fulcral deste processo. Neste período, o presidente Jânio Quadros, numa tentativa de reatar relações com a população e aumentar seu poder, declara sua renúncia. Com isso, fica legalmente indicado que assuma o vice-presidente eleito, João Goulart, do PTB. Jango, na visão dos militares, era tido como um comunista – mesmo que sua proposta política desenvolvimentista beire a social-democracia – e não poderia assumir. O gaúcho, para piorar sua situação aos olhos dos militares, voltava de uma viagem diplomática à China. Com a oportunidade, os militares da alta patente se aproximam do Congresso e aprovam um fechamento institucional que é solucionado com um acordo com Jango: ele assumiria como prevê a Constituição, mas seria sob regime parlamentarista.

Essa anormalidade foi estranha não somente pela ilegalidade, mas também pela intangibilidade do regime na tradição política brasileira. Em 1963, por iniciativa da situação, é convocado um plebiscito nacional com o tema do regime político. Ganhando com 82% dos votos, o Brasil volta a ser presidencialista, tendo João Goulart como líder legal.

Jango tinha um histórico relevante, principalmente ao lado de Vargas. Inclusive, foi seu ministro do Trabalho na década de 1950. Com isso, a direita mais conservadora, que ocupava espaços de poder no Clube Militar e na UDN, que detesta o legado varguista, volta a ameaçar o governo do presidente. Ao mesmo tempo, João Goulart tinha como eixo principal do governo a “Bandeira Unificadora” das Reformas de Base, um dossiê de propostas reformistas de reajuste estrutural de diversas esferas que competem ao governo, com o objetivo de humanizar e dinamizar a economia brasileira e o funcionamento da máquina democrática. Com isso, Jango defendia bandeiras como o direito irrestrito ao voto, incluindo analfabetos e soldados (que não votavam na época), a distribuição de lotes de terra na forma de propriedade privada rural (reforma agrária), uma reforma fiscal visando à distribuição da renda etc.

Comício da Central do Brasil / Wikimedia Commons

O governo de Jango foi marcado principalmente pela polarização política e ideológica. No cerne da Guerra Fria (e poucos anos após a vitória dos revolucionários cubanos em Havana, fazendo pairar ameaças exageradas da paranoia anticomunista), a sociedade, extremamente politizada à época, experimentou uma radicalização desta polaridade, que se traduz na série de manifestações e expressões públicas da sociedade civil em relação ao governo e suas opiniões, contra e a favor de Jango. Foi o momento, por exemplo, do Comício da Central do Brasil (que, junto da anistia presidencial aos marinheiros amotinados, alimentou o discurso direitista de que Jango era radical e imprudente demais para governar) dos janguistas e da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, exigindo intervenção militar contra o “comunismo infiltrado e antibrasileiro”.

Por outro lado, os militares estão inseridos num contexto de hipérbole da lógica da Guerra Fria. Versado na Doutrina de Segurança Nacional, o alto escalão das Forças Armadas estava estritamente associado à Escola Superior de Guerra do Panamá, órgão chefiado por órgãos da segurança dos EUA, em que os militares latino-americanos eram ensinados sobre a ideologia liberal americana, a doutrina de alinhamento com o país e a luta anticomunista. Com isso, há a formação de toda uma geração de mandatários militares que têm menos interesse na integridade institucional de seus países e mais no direcionamento ideológico e moral puxado a um nacionalismo conservador e autoritário.

Diante de todo esse contexto, migremos para o fatídico ano de 1964. Os conspiracionistas militares, mesmo que não de forma monolítica, tinham já entendido a suposta necessidade de derrubar João Goulart. Nessa lógica, no dia 31 de março de 1964 – hoje fazendo 55 anos –, o general Olímpio Mourão, do batalhão de Minas Gerais do Exército, pega uma série de tanques e ruma pela estrada em direção ao Rio de Janeiro. Lá havia um grande contingente populacional antijanguista, incluindo o governador da Guanabara, Carlos Lacerda, ícone do antivarguismo. Mourão acumula contingente e apoio no Rio de Janeiro de Lacerda e na São Paulo de Adhemar de Barros.

Tanques chegam a Brasília / Wikimedia Commons

Do Rio de Janeiro, os tanques conspiracionistas se voltam a Brasília. Na virada da noite, os golpistas já tinham ocupado o Planalto e exigiam a saída de Jango, que, incapaz de reagir, foge da capital e vai para o Rio Grande do Sul, onde tem grande base de apoio. O Rio Grande do Sul, historicamente, se associou à defesa dos projetos ligados a Vargas e Jango, tendo Leonel Brizola como governador e defensor da “Legalidade”, ou seja, a manutenção dos mandatos democraticamente eleitos.

Porém, para além do uso de contingente militar contra um representante do povo eleito, está no momento de ocupação do Congresso Nacional o principal indício de ilegalidade desse processo. Com o recuo de Jango, o líder do Parlamento, Ranieri Mazzilli, associado à conspiração militar, declara vaga a Presidência da República, argumentando que o presidente abriu mão do cargo ao ter fugido e estaria fora do território nacional (supostamente Uruguai). Porém, Jango estava no sul do país e isso era fato conhecido. Ao assumir o cargo de presidente com esse argumento, Mazzilli rasga a Constituição de 1946 junto aos militares, dando fim a um ciclo político democrático iniciado com a queda do Estado Novo.

Mazzilli passa faixa para Castelo Branco / Wikimedia Commons

Com a vacância da Presidência, o Congresso convoca uma nova eleição indireta para declarar um indicado da junta militar como chefe de Estado. Elegem assim Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro presidente militar e membro da ala moderada entre os golpistas. Todo o processo vai envolver não somente o exílio de Jango, mas uma série de cassações em massa de deputados, governadores e membros de partidos políticos ligados tanto à esquerda quanto à direita. Até Carlos Lacerda, udenista de extrema-direita, foi perseguido pelos militares depois de um tempo. Logo no primeiro ano, a liberação de longas listas de cassação política remodelou a configuração das forças políticas no Estado. O PTB e o PSD passam a sofrer sanções governamentais claramente autoritárias. O calor do golpe atingiu até as Forças Armadas: além dos membros do Exército que eram de esquerda (Henrique Teixeira Lott se destaca, mas não era o único), hoje se calcula que mais de 6 mil militares, incluindo oficiais, foram afetados diretamente com as cassações e mortes do golpe.

Padres católicos tentam conter agentes da repressão / Wikimedia Commons

Ao mesmo tempo, o golpe envolveu uma confusão interna dentro da própria aliança golpista, em que pairava a dúvida sobre o retorno ou não da normalidade institucional dos anos anteriores. Castello Branco defendia o retorno do poder democrático às mãos civis, mas foi a ala ligada à “Linha Dura”, de Costa e Silva, que tomou as rédeas do processo e conduziu o golpe à instalação de um governo ditatorial que vai durar até 1985, com a morte de opositores, o fechamento do Congresso, a tortura sistemática e o uso de eleições indiretas para a manutenção do governo pelo Alto Escalão do Exército. Muitos morreram e desapareceram durante a ditadura (e não somente esquerdistas ligados à guerrilha) e a democracia brasileira até hoje é abalada pela desestruturação da democracia possibilitada pelo movimento vertical dos militares em 1964. Quando recomendaram a Jango que fechasse o Congresso para passar as Reformas, Jango recusou. A junta militar devia ter feito o mesmo.

Encerra-se com uma citação do presidente, general e ditador Ernesto Geisel sobre a alcunha de “golpe” ao movimento de 1964: “O que houve em 1964 não foi uma revolução. As revoluções fazem-se por uma ideia, em favor de uma doutrina. Nós simplesmente fizemos um movimento para derrubar João Goulart. Foi um movimento ‘contra’, e não ‘por’ alguma coisa. Era contra a subversão, contra a corrupção. Em primeiro lugar, nem a subversão nem a corrupção acabam. Você pode reprimi-las, mas não as destruirá. Era algo destinado a corrigir, não a construir algo novo, e isso não é revolução”.

Parada militar acontecendo dentro de batalhão, em que se expõe no desfile um preso no pau de arara / Documentário ‘Arara’

PARA CONHECER MAIS, RECOMENDAM-SE ALGUMAS OBRAS BÁSICAS:

Marcos Napolitano, 1964: História do Regime Militar Brasileiro

Octavio Ianni, O Colapso do Populismo do Brasil

Carlos Alberto Brilhante Ustra, A Verdade Sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça

Glaucio D. Soares, A democracia interrompida (Partidos Políticos 1945-1964).

Paulo Evaristo Arns (org). Projeto Brasil Nunca Mais

Adriano Codato. O golpe de 64 e o regime de 68. História, Questões e Debates

Camilo Tavares: O Dia que durou 21 anos (Documentário)

Leon Hirszman. Maioria Absoluta (Documentário)

Felipe Cânido. Arara: Um Filme Sobre um Filme Sobrevivente (Documentário)

Em instantes o Blog do Barreto traz reportagem especial resgatando o contexto do Golpe no Rio Grande do Norte.

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Enquetes do Blog

Para 89% dos leitores do Blog foi golpe de estado em 1964

 

Deu a lógica e o respeito ao entendimento de dez entre dez historiadores sérios: na noite/madrugada de 31 de março para 1° de abril de 1964 o Brasil sofreu um golpe de estado que derrubou o presidente João Goulart.

Esse é o entendimento de 89% dos nossos leitores.

Outros 7% entendem que houve uma revolução e 4% não souberam opinar.

Ufa!

Na próxima semana teremos mais enquete no grupo do Blog do Barreto no Facebook.

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Reportagem

O Golpe de 64 não salvou o país da ameaça comunista porque nunca houve ameaça nenhuma

Por Alexandre Andrada

The Intercept 

Há uma farsa historiográfica que ronda a praça de maneira persistente: a tese de que que a “revolução de 64” teria salvo o Brasil da ameaça comunista.

Conversa para boi dormir.

A renúncia de Jânio Quadros em 1961, e a ascensão do seu vice João Goulart, odiado pelo partido mais conservador da época, a UDN, de Carlos Lacerda, e por parte dos militares, foi o ápice de uma cisão ideológica que perdurava havia quase 20 anos. De agosto de 1961 a março de 1964, Jango foi alvo de uma guerra discursiva que o pintou como corrupto e conspirador de uma ofensiva comunista. Era tudo fantasia.

O rolo começou em 1946 com uma briga política que se estendeu por duas décadas entre os três partidos dominantes da chamada Terceira República (1946-1964), incendiada pela UDN de Lacerda. Os udenistas, derrotados nas urnas por Vargas (1950) e depois por Juscelino Kubistchek (1955), faziam uma guerrilha com notícias e editoriais falando sobre o risco iminente de o país virar comunista sem base nenhuma na realidade.

Na Constituinte de 1946, os comunistas do PCB formavam uma bancada respeitável, com um senador – Luís Carlos Prestes – e 14 deputados. Entre esses, Carlos Marighella.

Marighella, que se tornaria mundialmente conhecido por sua guerrilha urbana e acabaria morto pela Ditadura Militar em 1969, era um congressista como outro qualquer. Fazia discurso, frequentava gabinetes, apresentava moções e tomava cafezinho com seus pares.

 O fracasso nas urnas foi transformando a UDN em uma organização golpista.

Em maio de 1947, a justiça declarou ilegal a existência do PCB e os mandatos dos comunistas foram cassados. Diante do golpe jurídico, os comunistas não apelaram para as armas. Ao longo da Terceira República, eram três os partidos dominantes. O PTB, partido de Vargas e Jango, que ocupava a porção à esquerda do espectro político; o PSD, partido centrista, que abrigava Dutra e JK, e a UDN, partido de viés mais liberal, cujo ponto central era o ódio a Vargas.

A UDN era o partido favorito da grande imprensa, de setores da classe média  e da intelectualidade nacional. Só não era o partido favorito dos eleitores. O fracasso nas urnas foi transformando a UDN em uma organização golpista. Se hoje é o “bolivarianismo” que assusta o “cidadão de bem” brasileiro, nos anos 1950 o fantasma regional era o “peronismo”.

Carlos Lacerda em comemoração pela criação do Estado da Guanabara.

Carlos Lacerda em comemoração pela criação do Estado da Guanabara (Foto: Wikimedia Commons)

Às vésperas das eleições vencidas por Vargas, o jornal do udenista Carlos Lacerda, uma das grandes figuras do partido, publicava declarações de um general, afirmando: “o governo tem conhecimento de um vasto plano subversivo organizado pelos comunistas, cuja eclosão se daria ao mesmo tempo, em todo o território nacional. O governo brasileiro está de posse de dados concretos comprovando que o sr. Getúlio Vargas mantém relações com o general Perón, presidente da Argentina”. Dizia-se que Perón financiaria o movimento “para restaurar a Ditadura” no Brasil.

Apelava-se para o medo, plantava-se a semente da paranoia. Mas Vargas saiu-se vitorioso, com 48,5% dos votos. Quando a derrota ficou evidente, a UDN optou por não reconhecer o resultado. O jornal de Lacerda trazia em letras garrafais: “Getúlio não foi eleito legalmente”. Como Vargas não obteve mais de 50% dos votos, golpistas como Lacerda e Aliomar Baleeiro passaram a insistir na tese de que a maioria do eleitorado o rejeitara. Tentam na Justiça barrar a posse de Vargas.Ficou famosa a frase de Lacerda, repetida à exaustão naqueles tempos: “Vargas não deveria ser eleito. Se eleito, não deveria tomar posse. Se tomasse posse, não poderia governar”.

Ainda que tenha feito um governo algo conservador, segundo percepção de renomados historiadores do país, Vargas não pôde governar. Em 1954, em meio às denúncias de orquestrar um plano secreto junto com Perón e de corrupção no Banco do Brasil, a UDN pede seu impeachment, que é rejeitado no Congresso.

Após o episódio da rua Toneleros – quando morreu o oficial da Aeronáutica Rubens Vaz, e Lacerda é alvejado –, Vargas é instado pela cúpula militar a renunciar à presidência. Naquela noite, mata-se com um tiro no peito. Aos se aproximarem as eleições de 1955, temendo a derrota, a UDN volta a pregar o golpe. Primeiro são denúncias contra Juscelino Kubistchek, acusando-o de corrupto. Adiante, a defesa desavergonhada da não realização das eleições naquele ano.

Em editorial de junho de 1955, Lacerda afirmava:

“Não há mais a menor dúvida: a eleição, nas atuais circunstâncias, significa a vitória dos que há longo tempo se prepararam. […] Em nome de que se pretende que toleremos a volta da oligarquia, com o seu cortejo de corrupção e violência? Sustentamos que existe, ainda, uma saída ‘legal, para a falsa legalidade que se pretende manter… A saída que existe… é a concessão de plenos poderes a um Executivo responsável, capaz de realizar as reformas preliminares de que carece a nação…”

Com a chapa JK-Jango eleita, a UDN tenta o golpe na justiça. Afonso Arinos tenta barrar a diplomação dos vencedores, argumentando que teria havido participação do PCB (ainda ilegal) na campanha dos eleitos.

Em novembro de 1955, percebendo as movimentações de um golpe orquestrado por setores civis (leia-se UDN) e militares, o general Henrique Lott põe em marcha o chamado “golpe preventivo”, garantindo a continuidade da legalidade no país.

JK consegue tomar posse e chegar ao final de seu governo, feito raro para a época. Nas eleições de 1960, a UDN decide apoiar Jânio Quadros, fenômeno político e então governador de São Paulo, mas que não fazia parte do partido.

Jânio, porém, renuncia à Presidência em agosto de 1961, jogando o país no caos. É nesse cenário que João Goulart (PTB), seu vice, torna-se presidente. Iria se tornar, na verdade. É declarado persona non grata para a segurança nacional por parte do Congresso, que se articula para impedir que o herdeiro de Vargas tome posse. Setores civis e militares quiseram impedir o cumprimento do texto constitucional. Havia o que se chamava de “veto militar” ao nome de Goulart.

No Rio Grande do Sul, começava a campanha pela legalidade, liderada por Leonel Brizola. Entre os legalistas, estavam o chefe do Exército naquela região, o general Machado Lopes. Circula a notícia que o II Exército, com sede em São Paulo, se encaminharia para o sul, de forma a desbaratar a resistência.

Havia o que se chamava de “veto militar” ao nome de Goulart.

A ameaça passa a ser não de um golpe civil-militar, mas de guerra civil. O Jornal do Brasil em editorial afirmava: “a expressão guerra civil é a única que cabe para definir o que pode acontecer, a qualquer momento, no Brasil”. Até o The New York Times alertava: “os oficiais do Exército brasileiro, que desafiaram sua Constituição e a vontade dos eleitores ao se recusarem a deixar João Goulart assumir a presidência, trouxeram seu país à iminência de uma guerra civil.”

O jornal Correio da Manhã se manifestou em editorial intitulado “Ditadura”, no qual dizia: “o manifesto dos ministros militares, coagindo o Congresso… é o golpe abolindo o regime republicano no Brasil. É a ditadura militar.”

O meio-termo encontrado foi deixar Jango assumir, mas castrado dos poderes presidenciais, graças a um parlamentarismo de ocasião. Era o golpe envergonhado. Voltavam-se a utilizar as velhas armas contra Jango: uma suposta conspiração internacional de caráter peronista, as supostas tendências comunistas do latifundiário e as alegações de corrupção.

O golpe ocorreu quase sem resistência, pois resistência não havia.

Em 1964, o deputado udenista Bilac Pinto afirmava, sem qualquer prova concreta, que Goulart preparava uma revolução, que o presidente organizava uma guerrilha armada no país. Aproveitando-se do ambiente caótico de 1964, em que se somavam a crise econômica e alta polarização política, fez-se o golpe civil-militar de 31 de março.
A suposta guerrilha de Jango, o suposto armamento em posse das Ligas Camponesas (o MST da época), a suposta infiltração comunista nas Forças Armadas, era tudo fantasia.

O golpe ocorreu quase sem resistência, pois resistência não havia. Deu-se um golpe, pois um golpe se queria dar desde 1951, pelo menos. A luta armada comunista, que jamais colocou em risco o governo brasileiro, só emergiu após a implementação da ditadura, não antes. Enfim.

Houve um tempo no Brasil no qual políticos civis não reconheciam o resultado das eleições, que não se conformavam com uma democracia na qual os eleitores elegem seus adversários.

Houve um tempo no Brasil no qual militares de alta patente se arvoravam o direito de falar de política. Tempo em que generais ameaçavam não reconhecer o resultado das urnas, caso o eleito não fosse do seu agrado.

Às vésperas das eleições de 2018, o cenário se repete.