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Reportagem especial

Há 60 anos militares invadiam o Palácio Felipe Camarão e tiravam o prefeito de Natal Djalma Maranhão do poder

Há 60 anos enquanto o golpe militar transcorria a política potiguar se dividia entre os que apoiavam a derrubada da democracia, como o governador Aluízio Alves, que abraçou a queda de João Goulart após um curto período de indecisão, e o prefeito de Natal Djalma Maranhão, que desde o primeiro momento foi contra a ruptura institucional.

Num 2 de abril, como hoje, Djalma, primeiro prefeito eleito na capital pelo voto direto em 1962, e até hoje o único alcaide progressista de Natal, sofreu as consequências de ter escolhido o lado da democracia. Ele foi tirado do poder de forma violenta.

Essa é uma história pouco contada nos livros de história do Rio Grande do Norte e apagada da memória coletiva potiguar.

Djalma chegou ao trabalho pela manhã, logo cedo para aquele que seria seu último dia no Palácio Felipe Camarão. O prefeito acompanhava os acontecimentos pelo rádio e não escondia a tensão. Naquela época a sede do Governo do Rio Grande do Norte era o Palácio Potengi, que ficava em frente a sede do governo municipal.

De lá Djalma também observava o movimento no local de trabalho de Aluízio Alves.

Ao longo do dia, o prefeito já tinha percebido que algo aconteceria com ele porque um dia antes o governador de Pernambuco Miguel Arraes, de perfil semelhante ao de Djalma, havia sido deposto pelos militares.

Temendo o pior, liberou os funcionários do gabinete por 15h enquanto apenas dois assessores permaneciam ao lado de Djalma: Flávio Cláudio Simineia e Carlos Lima. Por exigência do prefeito, eles se retiraram do gabinete, mas escolheram permanecer no salão nobre do palácio.

Djalma recebeu os militares sozinho para ouvir o sepultamento de sua carreira política de forma violenta.

No final da tarde, Djalma escutou o batido dos coturnos subindo as escadas. O oficial grita no caminho: “acabou a baderna! Pra fora seus comunistas”.

A porta do gabinete foi aberta aos chutes de um oficial do Exército acompanhado por soldados fortemente armados.

Djalma ensaia uma tentativa de diálogo, mas às 17h deixa o Palácio Felipe Camarão preso em direção ao Quartel General do Exército na Praça André de Albuquerque, poucos metros de distância onde o voto popular do eleitor natalense acabara de ser solapado pela truculência golpista.

Em conversa com o coronel Mendonça Lima, Djalma ouviu a sugestão para renunciar, mas se recusou em nome da honra e do povo. Ele foi levado ao 16 RI para ficar preso enquanto a força das armas impunha a Câmara Municipal do Natal o papel de conduzir a farsa aprovando por unanimidade os impeachments de Maranhão e do vice Luís Gonzaga dos Santos no dia 3 de abril.

No dia 6 de abril a Câmara Municipal de Natal elege indiretamente o almirante Tértius César Pires de Lima Rabelo. Natal sentiu o gosto amargo do golpe com o prefeito deposto à força.

Djalma foi encaminhado para a Ilha de Fernando de Noronha e depois exilado no Uruguai onde morreu sem voltar ao Brasil em 30 de julho de 1971.

A deposição de Djalma foi simbolicamente anulada pela Câmara de Natal em 20 de fevereiro de 2014. Os seus restos mortais foram trazidos e sepultados no Cemitério do Alecrim.

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Reportagem especial

Há 60 anos os militares derrubavam a democracia no Brasil. Entenda o que aconteceu no RN naquela data

Por Bruno Barreto

A madrugada que separou os dias 31 de março e 1º de abril de 1964 foi marcada pela ruptura do Estado Democrático de Direito no Brasil levando o país a 21 anos de ditadura militar.

Tudo isso há exatamente 60 anos*.

Entre historiadores renomados é unanime que foi um Golpe de Estado com direito a tanques nas ruas, inclusive.

No Rio Grande do Norte os efeitos da ruptura com a democracia foram sentidos de forma imediata. O Estado vinha de uma eleição acirrada e marcada pelo radicalismo em 1960 quando Aluízio Alves, após romper com Dinarte Mariz, derrotou Djalma Marinho e se tornou governador do Estado.

Aluízio deu apoio ao golpe e foi um aliado de primeira hora dos militares.

O prefeito de Natal era Djalma Maranhão, político abertamente de esquerda que atuava como terceira via entre as oligarquias comandadas por Aluízio e Dinarte. Djalma possui fortes divergências públicas com Aluízio.

Maranhão entraria para história também por ter feito a campanha de alfabetização “Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, baseada nos métodos do pedagogo Paulo Freire.

Com deflagração do golpe, ele faria da Prefeitura de Natal o principal foco de resistência no Rio Grande do Norte. O Palácio Felipe Camarão se tornaria o “QG da Legalidade e da Resistência”. No entanto, o entorno de Maranhã era frágil por se limitar a lideranças sindicais, estudantes e assessores.

Enquanto isso, Aluízio publicava na Tribuna do Norte uma nota em que pedia ao povo potiguar para se conservar calmo evitando manifestações que aprofundem divisões.

Apesar do discurso apaziguador caberia ao governador encaminhar as primeiras ações de repressão política no Rio Grande do Norte perseguindo lideranças sindicais e políticos adversários.

Djalma foi deposto do cargo em 2 de abril de 1964 quando tropa militares invadiram o Palácio Felipe Camarão e o prenderam enviando para o 16º Regimento de Infantaria, o conhecido 16 RI.  Os militares ainda propuseram que ele renunciasse ao mandato conquistado nas urnas em 1962, mas o prefeito preferiu resistir.

Mas não seria Maranhão o primeiro preso político do novo regime. Durante as negociações para tirar o prefeito do poder o líder sindical Evlim Medeiros (Sindicato da Construção Civil de Natal) seria preso após ser reconhecido por um oficial do exército sendo levado para o 16 RI antes do desfecho que culminou com a prisão do líder da resistência ao golpe no RN.

Após ser posto em liberdade, Djalma Maranhão se exilou em Montevidéu onde morreu em 30 de julho de 1971, segundo seu companheiro de exílio Darcy Ribeiro, a causa teria sido saudade.

Aluízio que comandava as perseguições logo seria convertido de vilão a vítima.

Os dias seguintes ao Golpe seriam marcados no Rio Grande do Norte pelo fechamento de sindicatos e prisões de lideranças políticas.

Enquanto isso, o golpe reunia formalmente ferrenhos adversários. Aluízio e Dinarte estaria alinhados dentro do sistema governista e fundariam juntos a Arena no Rio Grande do Norte em 1965 embora a convivência não fosse boa.

Mossoró no contexto do Golpe

Na época do Golpe Militar Mossoró era administrada por Raimundo Soares, aliado da família Rosado, que comandava a política local.

Os principais líderes políticos da cidade, Vingt e Dix-huit Rosado, logo aderiram ao regime e fariam parte das articulações alinhados à liderança de Dinarte Mariz.

Em Mossoró não há muitos estudos sobre o que aconteceu na cidade na madrugada entre 31 de março e 1° de abril.

O único político mossoroense a organizar alguma forma de resistência foi o deputado estadual eleito em 1958 Cesário Clementino que fora líder sindical dos ferroviários. Em 1964 ele era suplente, mas teve esta condição política cassada pelo regime.

O período militar foi de hegemonia rosadista e de disputas pelo comando do Palácio da Resistência. A única quebra dessa sequência aconteceu em 1968 quando o ex-aliado dos Rosados Antônio Rodrigues de Carvalho derrotou Vingt-un por 98 votos.

 

O relatório Veras

Nos primeiros dias pós-Golpe, Aluízio Alves mandou buscar em Recife os delegados da Polícia Federal José Domingos da Silva e Carlos Moura de Moraes Veras que produziriam o “Relatório Veras” identificando os “subversivos” do Estado.

Eles produziram um trabalho de 67 páginas em que apontaram cujos alvos preferidos eram servidores da rede ferroviária, da Prefeitura de Natal, estudantes, artistas e sindicalistas.

Na lista constam o professor Moacyr de Góes, o médico Vulpiano Cavalcanti, o jornalista Ubirajara de Macedo e o pastor José Fernandes Machado. Além de, claro, Dajalma Maranhão.

No mesmo período, Aluízio Alves efetuou a demissão de 82 servidores públicos estaduais acusados de “subversão”.

A política no RN durante a Ditadura Militar

Aluízio Alves acabou punido pela ditadura que ajudou a instalar (Foto: reprodução/Youtube)

Nos primeiros dias pós-Golpe o processo de união das oligarquias Alves e Mariz se deu no campo formal com os dois grupos organizando a Aliança Renovadora Nacional (ARENA).

No campo político o confronto entre os dois continuava ainda que estivessem alinhados com o regime. Apoiado por Aluízio, Walfredo Gurgel foi eleito governador derrotando Dinarte. O troco foi dado no ano seguinte quando Dinarte conseguiu vetar a candidatura de Aluízio ao Senado. Foi feito um acordo entre a Arena Verde e a Arena Vermelha que fez do mossoroense Duarte Filho senador. Isso não garantiu a pacificação do partido.

Estava claro que a força eleitoral de Alves não seria forte o suficiente diante de Mariz no plano nacional. Isso se materializou em 1969 quando uma articulação de Dinarte Mariz junto ao presidente Costa e Silva resultou na cassação do mandato dos direitos políticos de Aluízio Alves que ficaria dez anos impedido de candidatar-se.

Isso definiria os rumos da política potiguar nos anos seguintes com Aluízio se alinhando ao MDB e lançado o filho Henrique Alves e o sobrinho Garibaldi Alves Filho na política.

A partir de 1970, os governadores de todo o Brasil passariam a ser escolhidos de forma indireta e com influência dos ditadores de plantão. Nas escolhas de 1970, 74 e 78, mesmo no ostracismo Aluízio mantinha a popularidade e consultado em todas as definições dos governadores.

Assim, foram escolhidos governadores pela ordem: Cortez Pereira, Tarcísio Maia e Lavoisier Maia. Nas três disputas o mossoroense Dix-huit Rosado tentou sem sucesso se tornar governador do Estado, mas sempre fora preterido.

A escolha mais dramática aconteceu em 1974 quando estava tudo acertado para que o empresário Osmundo Faria (pai do ex-governador Robinson Faria) seria anunciado e na madrugada do dia que seria feito o anúncio, o padrinho político da escolha, o general Dale Coutinho sofreu um infarto e morreu. A fatalidade zerou as articulações levando Tarcísio Maia a ser escolhido.

PAZ PÚBLICA

Na eleição de 1978 foi forjada a primeira aliança entre as oligarquias Alves e Maia por meio da paz pública quando Aluízio Alves e Tarcísio Maia se juntaram em torno da candidatura ao Senado de Jessé Freire, da Arena. Aluízio chegou a indicar nomes no Governo de Lavoisier Maia.

A tal paz se desfez com o processo eleitoral de 1982 quando os estados voltaram a eleger seus governadores. Aluízio seria derrotado por 106 mil votos de diferença para o jovem ex-prefeito de Natal José Agripino.

Os perseguidos políticos e desaparecidos no RN

Anatália de Melo Alves morreu torturada (Foto: reprodução)

Após os primeiros dias do regime como já citado nesta reportagem a repressão voltou a se intensificar no Estado a partir do Ato Institucional número 5.

Em 1968, foram presos os estudantes Ivaldo Cartano, José Bezerra Marinho e Jaime de Araújo Sobrinho. O padre marista Emanuel Bezerra.

Gileno Guanabara também foi preso.

Um dos primeiros potiguares assassinados pela repressão foi Emmanuel Bezerra dos Santos, líder estudantil e liderança do Partido Comunista Revolucionário (PCR).

No Governo Médice, a repressão ainda foi mais intensa.

Um dos casos mais marcantes envolveu o casal mossoronse Luiz Alves e Anatália de Melo Alves. Ele foi preso e torturado, inclusive ouvindo gemidos de dor enquanto sua esposa também era seviciada.

Ela não resistiu e morreu em 22 de janeiro de 1972 após sessão de tortura em Recife se tornando uma mártir da resistência ao regime no Rio Grande do Norte. Os militares tentaram abafar o caso por meio de censura, mas os testemunhos de outros presos ajudaram a provar que ela foi executada por torturadores.

Em 17 de janeiro de 1973, outro potiguar  atingindo pelo regime foi José Silton Pinheiro dos Santos foi outro potiguar assassinado pelo regime. Ele era estudante de pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e membro do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).

SEQUESTRO

Um dos momentos mais tensos da ditadura militar foi quando os grupos de esquerda que aderiram a lutar MR8 e ALN sequestraram o embaixador americano Burker Ellbrick em 4 de setembro de 1969.

A ação contou com a participação do potiguar Virgílio Gomes da ALN que seria morto após espancamento por parte de membros da Operação Bandeirantes em 29 de setembro daquele mesmo ano.

Vítima do “Cabo Anselmo”

Uma das figuras mais controversas da ditadura militar foi José Anselmo dos Santos, conhecido como “Cabo Anselmo” que se infiltrou dentro das organizações paramilitares de esquerda como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Neste agrupamento ele encontrou o potiguar Edson Neves Quaresma que foi assassinado após delação do “Cabo Anselmo”.

Bibliografia consultada

O golpe militar no Rio Grande do Norte e os norte-riograndenses mortos e desaparecidos: 1969-1973.

Autor: Luciano Fábio Dantas Capistrano

1964: Aconteceu em abril.

Autora: Mailde Pinto Galvão

Como se Fazia Governador Durante o Regime Militar: o ciclo biônico no Rio Grande do Norte.

Autor: João Batista Machado.

História do Rio Grande do Norte

Autor: Sérgio Luiz Bezerra Trindad

Subversão no Rio Grande do Norte: relatórios dos inquéritos realizados por José Domingos da Silva e Carlos Moura de Moraes Veras a mando do governo Aluízio Alves.

Autor: Comitê Estadual pela Verdade/RN.

Bastidores do Poder: memórias de um repórter.

Autor: João Batista Machado.

*Reportagem especial publicada há cinco anos e postada hoje com alterações de data.