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O “Crente Trader” e a desmoralização da religiosidade como escudo moral

O final do ano de 1997 é inesquecível para mim por dois fatos: 1) o espetacular tricampeonato brasileiro do Vasco com show de Edmundo; 2) a lição de que demonstrações de religiosidade não são garantias de honestidade e retidão moral.

Deixando o futebol de lado trago a lição que guardei para o resto da vida.

Era de uma típica família de classe C dos anos 1990, daquelas que passava o ano no aperto e só dava para fazer alguma coisa no final de ano. Minha mãe decidiu investir o 13º na troca dos armários da cozinha que estavam bem deteriorados e pagou antecipado a um casal de evangélicos que prometeram entregar material de primeira com preços abaixo do mercado.

Lembro deles fazendo as medidas para os armários que seriam colocados sempre incluindo uma religiosidade fervorosa no discurso. Minha mãe, estava confiante, afinal de contas nunca pessoas tão religiosas seriam capazes de dar um golpe.

Os armários não chegaram na data combinada, nem na segunda, os telefonemas não eram mais atendidos e o caso terminou em uma disputa judicial em que somente um ano depois o dinheiro foi devolvido em parcelas suaves.

Para mim ficou a lição: bíblia, batina, terno de tergal, saião jeans e expressões de fervor religioso não significam nada no tribunal da vida.

Em Natal, Mário Borges está desaparecido após dar uma tromba milionária ao oferecer investimentos com juros de 8% a endinheirados deslumbrados da capital. Evangélico, ele ficou conhecido como “Crente Trader”.

Muita gente se confiou na religiosidade como um fator de garantia de que o negócio era seguro. A vereadora bolsonarista e evangélica, Camila Araújo (União), chegou a prestar homenagens ao cidadão.

Acredito que a maioria das pessoas religiosas são bondosas, mas há muitos canalhas que se escondem atrás do fervor religioso para dar golpes, estuprar, assediar e fazer atrocidades.

Precisamos refletir sobre a necessidade de desconfiar sempre de quem faz promessas mirabolantes e não idealizar outros seres humanos a partir de clichês.

É uma questão de autopreservação!