Por Rogério Tadeu Romano*
Em uma greve organizada pelo sindicato da categoria observa-se a paralisação de professores do município de Natal por conta de discussão quanto a aplicação do piso salarial estabelecido por lei.
O certo é que com esse constrangimento à sociedade a rede escolar municipal está sem oferecer aos alunos o ensino necessário logo após um longo período causado de suspensão de atividades por conta da pandemia.
Tal situação revela-se sem dúvida injusta.
A Justiça do Rio Grande do Norte determinou, no dia 8 de abril do corrente ano, a imediata suspensão da greve dos professores da rede municipal de Educação de Natal. O desembargador Virgílio Macedo acatou pedido da Prefeitura do Natal e entendeu que a paralisação dos profissionais, que está em curso desde 28 de março, poderia trazer prejuízos irreparáveis aos estudantes.
A educação, como se sabe, é um serviço essencial e inadiável.
Como noticiou o site de notícias da Tribuna do Norte, “os professores estão em greve cobrando reajuste salarial após a determinação de aumento no piso dos profissionais em 33,24%. A Prefeitura argumenta que já paga valor superior, inclusive ao do estado, e que os profissionais já teriam recebido reajuste de pouco mais que 6% no fim do ano passado. Atualmente, os professores da rede municipal de nível superior, com carga horária de 40h, têm salário de R$ 5.154,00, enquanto o piso nacional é de R$ 3.845,63. A Prefeitura entende que não está obrigada a conceder o reajuste de 33,24% neste momento.”
Agiu bem o Judiciário.
A greve é um direito de coerção que visa à solução de um conflito coletivo. Pode ser considerada um direito protestativo dos empregados. Assim, a parte contrária deve submeter-se à situação. A greve tem um único objetivo: fazer a parte contrária ceder sob um determinado ponto da negociação.
Por fim, a Constituição Federal de 1988 insere a greve no elenco dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores no setor privado. Prevê que a lei definirá os serviços e atividades essenciais e disporá sobre o atendimento às necessidades inadiáveis da comunidade. Apenas os abusos sujeitam os infratores às penas da lei.
A Constituição Federal reconhece ainda, no artigo 37, inciso VII, o direito de greve dos servidores públicos, proibindo-a apenas aos servidores militares. Todavia, o exercício desse direito dependeria da edição posterior de lei complementar para a sua regulamentação. O setor privado é regulamentado pela Lei nº 7.783/1989.
A Emenda Constitucional nº 19/1998 altera o inciso VII, do artigo 37, da CF apenas para dispor que o exercício da greve no serviço público será definido por lei específica, até o momento, contudo, esta lei não foi regulamentada.
Aguarda-se desde esse tempo legislação na matéria.
Foi ajuizado, para tanto, mandado de injunção, diante da mora do legislador.
O STF decidiu a questão por maioria (8 votos a 3), nos seguintes termos:
“Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu do mandado de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber, vencidos, em parte, o Senhor Ministro Maurício Corrêa (Relator), que conhecia apenas para certificar a mora do Congresso Nacional, e os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Lavrará o acórdão o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Não votaram os Senhores Ministros Menezes Direito e Eros Grau por sucederem, respectivamente, aos Senhores Ministros Sepúlveda Pertence e Maurício Corrêa, que proferiram voto anteriomente. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Cármen Lúcia, com voto proferido em assentada anterior. Plenário, 25.10.2007.”
Com esta decisão, o setor público se submete, no que couber, à Lei nº 7.731/1989. Esta decisão terá validade até a aprovação da lei para o setor público.
Os ministros que votaram em sentido contrário sustentaram que o era necessário estabelecer especificações para o setor público. Ademais, limitavam a decisão apenas aos sindicatos impetrantes.
Como lembrou Camila Cotovicz Ferreira (O direito de greve do servidor público parametrizado pelo STF, in Migalhas) “o direito de greve do servidor público, conforme contemplado no art. 37, inc. VII, da Constituição da Republica, exige a edição de ato normativo que integre sua eficácia. No entanto, até o momento, não se verifica atuação legislativa que dê concreção ao comando positivado no texto constitucional.”
Diante da mora legislativa contumaz, o STF consolidou, nos Mandados de Injunção 670, 708 e 712, entendimento no sentido de ser aplicável a Lei de Greve (lei 7.783/89) aos servidores.
Contudo, a aplicação da legislação trabalhista não se dá nos seus exatos termos, mas com adaptações predeterminadas pelo Supremo Tribunal Federal. Nas palavras do ministro Eros Grau: “não se aplica ao direito de greve dos servidores públicos, repito-o, exclusivamente, e em sua plena redação, a Lei n. 7.783/89, devendo o Supremo Tribunal Federal dar os parâmetros de seu exercício. Esses parâmetros hão de ser definidos por esta Corte de modo abstrato e geral”.
Consoante Camila Cotovicz Ferreira (O direito de greve no serviço público parametrizado pelo STF, in Migalhas, em 12 de julho de 2018), nos termos definidos pelo STF, a greve dos servidores deve atender ao princípio da continuidade dos serviços públicos. Por esse motivo, a paralisação dos serviços, quaisquer que sejam, pode ser apenas parcial. Não pode haver greve total no serviço público. Logo, a regularidade na prestação de serviços deve ser mantida, atentando-se especialmente para o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, sob pena de que se configure o abuso de direito.
Outra questão pacificada pelo Supremo refere-se ao desconto na remuneração de servidores públicos decorrente da adesão ao movimento grevista. Em face dos inúmeros questionamentos sobre o assunto, o STF reconheceu a repercussão geral do tema no RE 693.456 e, em novembro de 2017, fixou a tese nos seguintes termos: “a administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público”.
Lembrou Camila Cotovicz Ferreira (O direito de greve no serviço público parametrizado pelo STF, in Migalhas, em 12 de julho de 2018) que “esta tese foi recentemente referendada pela ministra Carmén Lúcia ao suspender os efeitos de decisões do STJ que proibiam a União de descontar os dias não trabalhados nos salários de auditores fiscais da Receita Federal que aderiram à greve da categoria. Em exame preliminar do pedido, a ministra resgatou a tese acima mencionada, ressaltando que “a aplicação do art. 7º da Lei nº 7.783/89 – determinada por esta Corte -, que estabelece que a ‘participação em greve suspende o contrato de trabalho’, induz ao entendimento de que, em princípio, a deflagração de greve corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Isso porque, na suspensão não há falar em prestação de serviços, tampouco no pagamento de sua contraprestação. Desse modo, os servidores que aderem ao movimento grevista não fazem jus ao recebimento das remunerações dos dias paralisados, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão da relação jurídica de trabalho e, por consequência, da atividade pública”. (STA 867 MC, Rel.: Min. Presidente Cármen Lúcia, j. em 28.05.2018.)”
Disse Camila Cotovicz Ferreira (obra citada) que o Plenário do STF julgou improcedentes duas ações diretas de inconstitucionalidade propostas em face do decreto 4.264/95, do Estado da Bahia, o qual “determina providências a serem adotadas, em caso de paralisação de servidores públicos, a título de greve”. O normativo contempla, entre outras regras, a convocação dos grevistas a reassumirem imediatamente o exercício dos respectivos cargos; a instauração de processo administrativo disciplinar para apuração do fato e aplicação das penalidades cabíveis; o desconto do valor correspondente aos vencimentos e vantagens dos dias de falta ao serviço e a contratação de pessoal, por tempo determinado, configurada a necessidade temporária de excepcional interesse público, gerada pela paralisação do serviço.
Observo então, em síntese:
Mandado de injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima especificados, determinar a aplicação das Leis nos 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis” (MI nº 708/DF, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 31/10/08).
É certo que na doutrina pátria e no próprio STF tem-se reconhecido o caráter aditivo nessas decisões de reconhecimento de mora via mandado de injunção. Poder-se-á ir além dizendo o que o legislador deveria dizer na matéria.
Observo, então, o julgamento do STF no RE nº 693.456/RJ.
Ali foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público”.
Anote-se que o STF, naquele julgamento, entendeu que “o desconto somente não se realizará se a greve tiver sido provocada por atraso no pagamento aos servidores públicos civis ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão da relação funcional ou de trabalho, tais como aquelas em que o ente da administração ou o empregador tenha contribuído, mediante conduta recriminável, para que a greve ocorresse ou em que haja negociação sobre a compensação dos dias parados ou mesmo o parcelamento dos descontos.”
Naquele julgamento o ministro Toffoli disse:
“Destarte, são requisitos para a deflagração de uma greve no serviço público: i) tentativa de negociação prévia, direta e pacífica; ii) frustração ou impossibilidade de negociação ou de se estabelecer uma agenda comum; iii) deflagração após decisão assemblear; iv) comunicação aos interessados, no caso, ao ente da Administração Pública a que a categoria se encontre vinculada e à população, com antecedência mínima de 72 horas (uma vez que todo serviço público é atividade essencial); v) adesão ao movimento por meios pacíficos; e vi) a garantia de prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades dos administrados – usuários ou destinatários dos serviços – e à sociedade.”
No julgamento ainda lembrou o ministro Dias Toffoli:
“O argumento apresentado pelo Ministro Gilmar Mendes durante os debates: “por definição a greve é uma opção de risco”, ao que aditou o Ministro Sepúlveda Pertence, com toda a sua experiência jurídica e de vida, afirmando que a suspensão dos pagamentos constitui um “risco inerente ao mecanismo de greve, o qual normalmente há de resolver-se mediante negociação[,] que existirá – não tenhamos dúvida – [,] haja ou não mecanismos formais para tanto. Porque o risco de suspensão do pagamento pelos dias de greve será um instrumento necessário à ponderação de interesses em choque a fim de chegar-se ao fim da paralisação”.
A tese formulada pelo Supremo diz que a remuneração deve ser suspensa imediatamente após a decretação da greve. Acrescenta que uma eventual compensação só é cabível quando o empregador aceitar essa condição para chegar a um acordo com os trabalhadores. “O poder público não apenas pode, mas tem o dever de cortar o ponto. Esse entendimento não viola o direito de greve[…] o atual regime é insuficiente para incentivar a rápida composição do litígio pelas partes”, disse o ministroLuís Roberto Barroso.
Gilmar Mendes fez um discurso enfático. Em tom irônico, ele citou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e questionou se as paralisações em que funcionário público não sofre sanções equivaleriam a férias. “A greve, no mundo todo, envolve a suspensão do contrato imediato. Quem dizia isso é o insuspeito presidente Lula. Greve subsidiada, como explicar isso?[…] É férias? Como sustentar isso? A rigor, funcionário público no mundo todo não faz greve. O Brasil é realmente um país psicodélico”, disse.
O que se quer dizer é que o contribuinte não pode sustentar algo injusto, envolvendo a paralisação de servidores públicos em detrimento da população. O ônus por uma greve injusta é o corte dos vencimentos pelos dias não trabalhados.
*É procurador da República aposentado com atuação no RN.
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