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CPI não pode ameaçar PGR e STF

Por Ney Lopes*

Infelizmente está se tornando comum ouvir-se de pessoas sensatas, que desejam construir uma nação próspera e pacífica para os seus filhos, a expressão de que se fossem mais jovens deixariam o Brasil e iriam morar no exterior.

Quem é mais novo e consegue sair não quer voltar, embora o sentimento da saudade e amor à terra os domine.

Triste realidade.

A pandemia causou o descontrole, não apenas da economia, mas também influi nas atitudes de grupos fanatizados, que atuam na política brasileira.

Tais sentimentos estimulam o pessimismo, o derrotismo, descrença e conduzem até a patologias mentais individuais, ou coletivas.

São pessoas amargas, que se alimentam do ódio e do ressentimento e buscam caminhos de intolerância, quebra das liberdades e das instituições, como fórmula de solução das questões nacionais.

Ao invés de assumirem responsabilidades e assumirem posturas em defesa do aperfeiçoamento da democracia, buscam destrui-la, juntamente com as instituições.

Repetem chavões como autônomos, alimentados por postagens “transmitidas” pelas “centrais do fake news”, em plena atuação.

Na verdade, não sabem o que fazem. Seguem ritos pré-ordenados, sem consciência crítica.

O único prazer é a pregação do caos generalizado para justificar quem “eles” acreditam seja o único salvador.

A análise sob o aspecto político constata clima de tensão nunca vista no país, nas vésperas das eleições de 2022.

O radicalismo impera, com a polarização existente entre os grupos políticos do bolsonarismo e do lulismo.

Por justiça, existem em ambos os grupos militantes que não concordam com esse sectarismo e buscam a racionalidade.

Porém, nas manifestações exteriores são vencidos pelos radicais, dominados pelo fanatismo, intolerância, paixão, ódios e ressentimentos.

Veja-se um exemplo: a CPI do Senado encerrou os seus trabalhos. Pessoalmente, já fui relator de três CPIs importantes no Congresso e conheço a tramitação pós-término das investigações.

O que se observa são senadores da extinta CPI intimidando, pressionando por via agressiva, fazendo insinuações e ameaças, com o objetivo de obrigar a PGR denunciar o presidente Bolsonaro e os demais indiciados que lhes convém.

Chegam a anunciar que irão ao STF com esse objetivo, o que é legalmente absurdo.

A Suprema Corte só intervirá quando as denúncias forem formalizadas e recebidas.

Antes não pode pressionar o Ministério Público, que tem prazos legais e é autônomo.

A observação é feita não para isentar o presidente Bolsonaro ou indicados de culpa. Mas para repelir ameaças descabidas e diria ilegais, tanto em relação a PGR, quanto o STF.

Não se pode omitir que todos – governantes e cidadãos – têm o dever de assumirem comportamentos de equilíbrio, diante do clima de intranquilidade política que atravessa a nação.

O Senado poderá acompanhar e até cobrar civilizadamente as providências pós-CPI da Covid.

O que não pode é intimidar quem irá tomar as decisões de indiciar, absolver ou não.

Tal procedimento é abuso de poder.

*É jornalista, ex-deputado federal e advogado – nl@neylopes.com.br – blogdoneylopes.com.br    

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

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A ameaça ao poder judiciário e suas consequências

Foto: AFP / Paulo Lopes

Por Rogério Tadeu Romano*

Segundo o site da Folha de São Paulo, em 7 de setembro de 2021, em discurso diante de milhares de apoiadores), na avenida Paulista, o presidente Jair Bolsonaro repetiu as ameaças golpistas contra o STF (Supremo Tribunal Federal), exortou desobediência às decisões do ministro Alexandre de Moraes e desafiou quem o investiga. “Digo aos canalhas que nunca serei preso.”

“Nós devemos sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade. Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou.”

“Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair. Não se pode admitir que uma pessoa apenas, um homem apenas turve a nossa liberdade.”

“Dizer a esse ministro que ele tem tempo ainda para se redimir. Tem tempo ainda de arquivar seus inquéritos. Sai Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha, deixa de oprimir o povo brasileiro.”

Assim como tem dito em discursos no interior do país, Bolsonaro disse que só deixa morto o Palácio do Planalto.

O presidente da República praticou crimes contra a honra do ministro Alexandre de Moraes, no que concerne a injúria.

Conhecida é a lição de Antolisei, citada por Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, parte especial, 7º edição, pág. 179), de que “a manifestação ofensiva tem um significado que, embora relacionado com as palavras pronunciadas ou escritas, ou com os gestos realizados, nem sempre é idêntico para todas as pessoas. O que decide é o significado objetivo, ou seja, o sentido que a expressão tem no ambiente em que o fato se desenvolve, segundo a opinião da generalidade das pessoas. Como bem esclarece o antigo professor da Universidade de Turim, o mesmo critério deve ser seguido, em relação ao valor ofensivo da palavra ou do ato, não se considerando a especial suscetibilidade da pessoa atingida. Isto, porém, não significa que não seja muitas vezes relativo o valor ofensivo de uma expressão, dependendo das circunstâncias, do tempo e do lugar, bem como do estado e da posição social da pessoa visada, e, sobretudo, da direção da vontade (animus injuriandi).”

A injúria refere-se à dignidade e ao decoro, que a doutrina interpreta no sentido de honra subjetiva.

As injúrias podem ser praticadas pelas mais variadas formas, por gestos, palavras, símbolos, atitudes, figuras etc, consumando-se desde que chegue a conhecimento do ofendido ou de qualquer outra pessoa.

Havendo ofensa a honra do funcionário público que diga respeito ao exercício das funções, artigo 145, parágrafo único, parte final, há uma ação penal pública condicionada à representação. O Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento no sentido de que a legitimidade, nessa hipótese, seria concorrente, cabendo ao funcionário público optar entre representar, estando-se na hipótese de ação penal pública condicionada, ou poderá contratar advogado para patrocínio de ação penal privada. É o que se lê da Súmula 714 do Supremo Tribunal Federal onde se diz que é concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada a representação do ofendido, nos crimes contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções. É o que se lê do julgamento do Supremo Tribunal Federal, no AgR Inq 726, de 8 de setembro de 1993, Pertence, RTJ 154/2: Lex STF 188/378. Vem um problema: o funcionário público representa e o órgão ministerial, ao invés de ofertar a denúncia, promove o arquivamento. É possível ao agente público contratar advogado para promoção de ação penal privada? Uma vez oferecida a representação, ocorre a preclusão da segunda via da persecutio criminis, de modo que não poderá mais o funcionário público oferecer a queixa-crime correspondente. Daí porque se fala em legitimação alternativa e não concorrente, que seria disjuntiva. A propósito, tem-se decisão do Supremo Tribunal Federal, no Inq. 1.939 – 9/BA, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 2 de abril de 2004. Assim se o ofendido opta pela representação, com o seu oferecimento se investe, em definitivo, o Ministério Público de legitimação para a causa, ficando preclusa a via da ação privada. Electa una via non datur regressus ad alteram.

Ademais ele incitou os seus correligionários contra o Poder Judiciário.

Cometeu crime contra a segurança nacional.

Cometeu o chefe do Poder Executivo delito que depõe contra o decoro do cargo.

Tem-se do artigo 6º da Lei 1.079/50:

São crimes de responsabilidade (…) 6 – usar de violência ou ameaça, para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar de proferir despacho, sentença ou voto, ou a fazer ou deixar de fazer ato do seu ofício.

O presidente da República ultrapassou o limite do decoro. O presidente da República perdeu o lastro junto à institucionalidade.

Constitui crime de responsabilidade contra a probidade da administração “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. De forma semelhante dispunha o Decreto nº 30, de 1892, ao preceituar, no artigo 48, que formava seu capitulo VI, ser crime de responsabilidade contra a probidade da administração “comprometer a honra e a dignidade do cargo por incontinência política e escandalosa, ……, ou portando-se com inaptidão notória ou desídia habitual no desempenho de suas funções”.

Como disse ainda Paulo Brossard(obra citada, pág. 56), “não é preciso grande esforço exegético para verificar que, na amplitude da norma legal – “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” – cujos confins são entregues à discrição da maioria absoluta da Câmara e de dois terços do Senado, cabem todas as faltas possíveis, ainda que não tenham, nem remotamente, feição criminal.

Mas, na feliz conclusão de Vera Magalhães, em opinião pelo jornal O Globo, “a abertura imediata de um processo de impeachment seria a resposta do Congresso, mas ainda não se pode esperar isso de Arthur Lira, que é cúmplice deste governo.”

A democracia é meio de convivência, despertar do diálogo, sensatez.

Sem o Poder Judiciário forte, o Poder Judiciário livre e o Poder Judiciário imparcial no sentido de não ter partes, não adotar atitudes parciais, não teremos uma democracia, que é o que o Brasil tem na Constituição e espera de uma forma muito especial dos juízes brasileiros para a garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos.

O que o presidente da República quer é “dar um golpe no Judiciário(no Supremo Tribunal Federal)”.

Entre os novos crimes tipificados no novo regime legal para o tema está o de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, “impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais”. Nesse caso, a pena é de prisão de 4 a 8 anos, além da pena correspondente à violência empregada. Já o crime de golpe de estado propriamente dito — “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído” — gera prisão de 4 a 12 anos, além da pena correspondente à violência.

Tem-se então:

Abolição violenta do Estado Democrático de Direito

Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Trata-se de crime formal, que exige o dolo como elemento do tipo. A ação pode vir por violência ou ameaça, que há de ser séria, objetivando, inclusive, restringir o exercício de um poderes da República, para o caso o Judiciário.

A ameaça deve ser realizável, verossímil, não fantástica ou impossível. O mal prometido, segundo forte corrente, entende que o mal deve ser futuro, mas até iminente, e não atual. Só a ameaça séria e idônea configura esse crime.

O crime é de perigo presumido.

O delito confronta o Estado de Direito.

Lecionou J.J.Gomes Canotilho(Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição, pág. 98) que o Estado de direito cumpria e cumpre bem as exigências que o constitucionalismo salientou relativamente à limitação do poder político. O Estado constitucional é assim, em primeiro lugar, o Estado com uma Constituição limitadora do poder através do império do direito. As ideias do “governo de leis e não de homens”, de Estado submetido ao direito, de constituição como vinculação jurídica do poder, foram tendencialmente imbuídos como instrumentos como de rule of law.

O Estado de Direito, que a Constituição de 1988 sufraga, é aquele da legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legislação do sistema jurídico; o da legitimidade do exercício do poder político, nos exatos quadrantes da Constituição.

O princípio democrático implica em democracia participativa, pois ela se faz através do povo, pelo povo e para o povo, como disse Lincoln.

Não há Democracia sem um Poder Judiciário independente e autônomo” e “sem Justiça não há paz social”. “Nas democracias, o equilíbrio do Estado de Direito passa necessariamente pelo Poder Judiciário, em especial pelos tribunais supremos.

Ameaçar o Judiciário é ameaçar a democracia.

Esse o contexto que se extrai do novo artigo 359 – L do Código Penal. Não se agride o Estado com tal conduta, agride-se a sociedade.

Fica nítido que o que o presidente da República quer é declarar o ministro Alexandre de Moraes, que irá presidir no Tribunal Superior Eleitoral, seu inimigo e como tal já colocar como ilegítimo o pleito eleitoral de 2022.

*É procurador da república com atuação no RN aposentado.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

 

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Ou as instituições reagem ou vai ter golpe

Bolsonaro testa instituições (REUTERS/Adriano Machado)

Por Bruno Barreto

As democracias não morrem do dia para noite. Elas caem quando as instituições não agem e se curvam aos candidatos a ditadores e são preservadas quando reagem à altura.

Sobre isso existem três livros fundamentais para entender o processo de colapso da democracia: “Como as Democracias Morrem” de Steven Levitsky, “Como a democracia chega ao fim” de David Runciman e o “Povo contra a Democracia” de Yascha Mounk.

Li os três ano passado num período do ano dedicado aos estudos sobre os processos de ruptura democrática. Até aqui as instituições têm funcionado, mas há alguns sintomas que precisam nos deixar em alerta.

O presidente Jair Bolsonaro está testando as instituições a cada provocação. Há quem diga que ele não tem inteligência ou sofisticação para fazer essa experiência. Ele pode até ser inculto, mas ninguém preside um país de 210 milhões de habitantes sem ter algum tipo de inteligência. A estupidez do presidente é um método que o levou ao poder num momento em que povo perdeu a crença na política.

Um dos princípios que servem de alerta é a quebra das regras não escritas. Foi o que Bolsonaro fez ao ignorar a lista tríplice na hora de escolher o procurador-geral da república. A gritaria se restringiu a notas. O mesmo aconteceu quando ele se envolveu no comercial do Banco do Brasil que abordava a diversidade. No fim, ficou por isso mesmo. Ele censurou a peça.

Bolsonaro vai avançando na intolerância aos costumes para manter a assustadora parcela de reacionários do país mobilizados.

Em outros episódios Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF) funcionaram como contrapeso barrando medidas absurdas como a proposta de excludente de ilicitude para policiais ou a nomeação de Eduardo Bolsonaro (PSL/SP) como embaixador nos EUA, mas o presidente segue aumentando a aposta contra os poderes e quando o assunto se restringe as palavras tudo fica por isso mesmo. No máximo alguma crítica pública das autoridades, uma nota de repúdio e uma zoada na Internet.

Enquanto isso, Bolsonaro vai mobilizando seus apoiadores, fazendo crescer a presença dos militares no círculo do poder e eles vão tomando gosto pelo mando fora da caserna.

Povo na rua quem bota é Bolsonaro. A população não tem tanto apreço pela democracia como se imagina. É uma aposta ingênua achar que as pessoas estão preocupadas com o regime político quando a prioridade é botar um prato de comida na mesa.

Um líder carismático e autoritário com o atual presidente pode intimidar as instituições e usar sua massa de apoiadores como escudo. Foi isso que Bolsonaro fez em outros momentos e é nisso que ele pensa quando convoca uma manifestação espalhando vídeo (ver abaixo) em grupo de Whatasapp.

As manifestações estão no contexto da luta do presidente contra o Congresso provocada pela inclusão de emendas impositivas para as bancadas, o que na prática tira o Governo o real controle do orçamento da União (entendeu que as instituições por enquanto funcionam?). Primeiro o general Augusto Heleno acusou os parlamentares de chantagear o Governo, depois o tenebroso motim dos policiais militares no Ceará. Agora o vídeo (ver acima). Não tem como não se preocupar porque nada disso foi por acaso.

Para piorar, a esquerda não tem a mesma capacidade de mobilização de outrora. As mudanças no capitalismo tiraram dos sindicatos a influência sobre a classe trabalhadora.

O centrão é uma piada de péssimo gosto e não gera empatia popular por mais que setores da grande mídia se esforcem para isso.

Bolsonaro tem seu pessoal mobilizado, a elite econômica satisfeita (uma das estratégias de ditadores é controlar as elites) e está enchendo de militares nos postos de comando. Nos Estados, o presidente conta com a simpatia dos quarteis das Polícias Militares.

Não dá para brincar.

Quem tem apreço pela democracia precisa fazer muito mais do que apenas dar declarações de repúdio ou divulgar notas formais. É fundamental despertar no povo o sentimento de apreço aos valores democráticos.

Por enquanto, Bolsonaro ataca tudo e todos sem ser incomodado de fato. Suas tentações autoritárias são inegáveis. Se as instituições funcionarem ele vai ter que disputar reeleição em 2022. Senão o risco tende a aumentar. Por enquanto ele xinga jornalistas para passar o tempo.

As democracias não morrem do dia para noite, mas sobrevivem quando a reação das instituições são mais duras.