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MPF propõe ação para punir Jovem Pan por desinformação e abre debate sobre liberdade e responsabilidade

Por Bruno Oliveira*

A emissora Jovem Pan, reconhecida por sua programação voltada para o público jovem, e mais recentemente pelo seu conteúdo político, está enfrentando um momento turbulento. O Ministério Público Federal decidiu mover uma ação contra a emissora alegando condutas que violam as normas éticas do jornalismo, com a veiculação de conteúdos que atentaram sistematicamente contra o regime democrático. A ação, além de pedir uma punição severa contra a emissora, contribui por levantar questões cruciais sobre a responsabilidade das empresas de mídia e a importância da ética na disseminação de informações.

A ação do Ministério Público

O MPF pede a cassação das concessões do grupo Jovem Pan e também o pagamento de R$ 13,4 milhões como indenização por danos morais coletivos. Além disso, o Ministério Público pleiteia que a emissora veicule ao menos 15 vezes por dia, durante quatro meses, mensagens com informações oficiais sobre a confiabilidade do processo eleitoral.

A ação baseia-se em alegações de disseminação de informações falsas e incitação ao ódio. “Com as informações falsas e sem fundamento que veiculou de maneira insistente, a Jovem Pan contribuiu para que um enorme número de pessoas duvidasse da idoneidade do processo eleitoral ou tomasse ações diretas como as vistas após o anúncio do resultado da votação, especialmente o bloqueio de estradas em novembro passado e o ataque de vandalismo em Brasília no dia 8 de janeiro”, ressalta o texto do MPF.

O MPF destaca que comentaristas da emissora defendiam atos violentos, elogiavam a ditadura militar e atentavam constantemente contra a autoridade do Supremo Tribunal Federal (STF). “Se as Forças Armadas estiverem dispostas a agir, o que o STF decide é absolutamente irrelevante” e “se vocês [Forças Armadas] vão defender a pátria, e vai haver reação de vagabundo, ué, passa o cerol, pô! Vocês são treinados pra isso”, demonstra o texto da ação, com algumas comentários realizados na programação da emissora.

Um debate pertinente

Falas contrárias ao sistema eleitoral brasileiro, que incitam as forças armadas e que tentam descredibilizar o STF perderam força nos comentários e análises dos principais programas políticos da Jovem Pan nos últimos dias. Ao invés disso, o que se viu essa semana foram inúmeras manifestações em “defesa da democracia” e principalmente da “liberdade de expressão”. Sem entrar no mérito da dosimetria de pena proposta pelo MPF que, de fato, pode ser questionada e certamente será no âmbito da justiça, a dúvida que surge a partir da provocação da ação é: a democracia é mais abalada quando se propõe a penalização de quem a atinge ou quando, em nome da liberdade, se permite que os ataques às instituições ocorram?

É muito óbvio que toda a narrativa que tentava desacreditar as urnas, a motivação pelas lideranças de extrema direita do país para que a população se instalasse em frente aos quartéis, o não reconhecimento da vitória do seu adversário por parte do ex-presidente, bem como a sua saída do país e a ausência de passagem da faixa presidencial, tudo isso ajudou a contribuir para a tentativa de golpe no 08 de janeiro.

Todavia, o debate trazido pela ação do MPF é importante para que os limites sejam melhor explicitados e alguns conceitos sejam expostos. É necessário diferenciar, por exemplo, a liberdade de pensamento (que é o direito de pensar o que se quer, independente de preconceitos, dogmas, ideologias e normas morais) e a liberdade de expressão (que é o direito de manifestar pela linguagem oral, escrita ou visual opiniões, ideias e pensamentos). Um preceito básico da democracia é o direito à liberdade de expressão, porém este não se reveste de caráter absoluto, pois sofre limitações de natureza ética e de caráter jurídico.

Algumas entidades e associações de imprensa manifestaram preocupação com a ação movida pelo Ministério Público contra a emissora. Mas é preciso entender que é necessário responsabilidade dos veículos de mídia e comunicação, principalmente nos casos de concessões públicas. E mais: é necessário que o público possa ter mais clareza sobre o que é a opinião de um comentarista ou articulista e sobre o que é verdadeiramente um fato jornalístico.

Na publicidade, por exemplo, o regramento construído ao longo do tempo e a ação das entidades que envolvem o setor ajudaram a demarcar limites éticos e legais, norteando os princípios da atividade e contribuindo para que o consumidor seja protegido de possíveis abusos.

É salutar a ampliação do debate sobre ética jornalística e a responsabilidade das empresas de mídia na disseminação de informações. Debater e contrapor opiniões até se chegar a um modelo adequado e justo é fundamental para que a própria democracia evolua e se fortaleça. A resposta do mercado e da sociedade pode moldar o futuro do jornalismo, estimulando um ambiente mais transparente e responsável.

*É cientista político e consultor de marketing.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Análise

Kelps revela a “maior propina de todos os tempos”, comete um crime e mente numa mesma entrevista

Finalmente o deputado estadual Kelps Lima (SD), presidente da CPI da covid-19 na Assembleia Legislativa, conseguiu o que queria: palco.

Sexta-feira em entrevista à rádio bolsonarista Jovem Pan, Kelps disse que a compra frustrada dos respiradores previa um pagamento de propina de mais de 50% em cima dos R$ 48 milhões.

Isso mesmo.

O assunto foi propagado de forma acrítica pela mídia natalense. Se Kelps que, na própria entrevista admitiu estar tratando de documentos sigilosos, estiver falando a verdade temos o maior esquema de corrupção da história em termos proporcionais.

Onde já se viu um esquema de desvio de dinheiro público com propina superior a 50%? Até onde sei corrupto é tudo menos burro. Um desvio nesses percentuais chamaria atenção do mais incompetente servidor dos órgãos de controle.

Muito me admira ninguém ter se atentado a isso.

Além disso, a atitude de Kelps em trazer uma informação em sigilo de justiça ao público em razão do cargo que ocupa incorre em crime conforme o artigo 325 do Código Penal.

Eis a redação:

Art. 325 – Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:

  • 2 o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

A entrevista continuou sendo problemática porque o deputado contou uma mentira deslavada ao dizer que é criticado no RN por ser zeloso demais com os depoentes.

Ele é criticado exatamente pelo contrário. Já teve servidora tendo crise de choro após prestar depoimento, eu mesmo cansei de registrar que o deputado faz insinuações para intimidar testemunhas citando acesso a documentos sigilosos e investigações da Polícia Federal e na decisão que garantiu o direito ao silêncio ao secretário-geral do Consórcio Nordeste Carlos Gabas o desembargador João Rebouças alertou para as constantes intimidações de depoentes relatadas na imprensa.

Kelps prometeu que a CPI não teria lacração e ele é o que mais lacra.

Ele postou a entrevista no canal dele no Youtube. Confira:

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Artigo

Augusto Nunes ensinou que a falta de argumentos se resolve na porrada

Por Leonardo Sakamoto

O jornalista Augusto Nunes bateu no jornalista Glenn Greenwald, ao vivo, no programa Pânico, da rádio Jovem Pan, nesta quinta (7). Greenwald havia o chamado de covarde diversas vezes por ter usado seus filhos pequenos no intuito de criticá-lo. Nunes resolveu provar que Greenwald estava certo e partiu para cima. Com isso, ensinou a seus muitos seguidores e fãs que, no limite, a falta de argumentos pode ser compensada por tapas e socos.

Ver um jornalista agredindo fisicamente um entrevistado é uma cena deprimente. Coloca em xeque a credibilidade do profissional, da equipe do programa e da própria emissora, que emitiu uma nota na qual pede desculpas a Glenn. Mas tão deprimente quanto é ver a reação selvagem de quem não gosta do editor do site The Intercept Brasil por conta de sua cobertura crítica ao governo Jair Bolsonaro. Ou de quem ficou irritado com a divulgação dos diálogos que expõem os bizarros mecanismos usados pela força-tarefa da operação Lava Jato e pelo então juiz federal Sérgio Moro. Sim, a cena juntou o naco mais agressivo de bolsonaristas e lavajatistas contra o jornalista.

O chorume correu solto pelas redes sociais. Apareceram pessoas alucinadas, dizendo que Greenwald deveria ter apanhado até sangrar ou que precisaria ser deportado. Políticos defenderam o agressor. Em uma situação normal, todos criticariam duramente o ocorrido, mas banalizamos a violência física como instrumento político.

O Brasil vem caminhando, desde 2013, para um estado de ultrapolarização. Desumanizamos quem defende posicionamentos diferentes dos nossos, defendemos que sejam calados e extirpados. À força, se necessário.

Após a execução da vereadora Marielle Franco, muitos foram os idiotas que celebraram ou minimizaram o horror de sua morte. O ataque a tiros aos ônibus da caravana que o ex-presidente Lula realizou na região Sul seria rechaçado por todos em qualquer democracia decente – o que não foi o caso por aqui, dada a quantidade de comemorações. A abominável facada sofrida por Bolsonaro foi lamentada por pessoas estúpidas que queriam que Adélio Bispo tivesse terminado o serviço. O músico Moa do Catendê, eleitor de Fernando Haddad, foi morto a faca por um eleitor de Bolsonaro, em Salvador, para júbilo de mentecaptos. Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, diz que foi armado ao Supremo Tribunal Federal para matar o ministro Gilmar Mendes e ignorantes o chamaram de herói.

Como já disse aqui, o clima de ódio político é apenas o capítulo mais recente de um país cuja fundação foi feita em cima do sangue de negros, indígenas e pobres. Um país com um rosário de homens que estupram e matam suas companheiras e filhas em nome daquilo que eles chamam “honra”, mas que – de fato – é só “covarde feminicídio” mesmo. Um país que discute, neste momento, uma lei que facilita o porte e a posse de armas para resolver a ausência do Estado.

Quem lê este blog sabe que tenho escrito há anos que esse ódio seria absorvido pelo cotidiano. Glenn Greenwald é uma figura pública que foi agredida por outra figura pública. Mas, diariamente, jovens rapazes de uma escola se juntam para dar “corretivos” nas colegas feministas e mostrar quem manda junto às outras mulheres do bairro. Fazendeiros se juntam para atacar fiscais e movimentos de sem-terra, indígenas, quilombolas, ignorando decisões judiciais. Milicianos recriam grupos de extermínio para fazer valer a sua ordem. Empresários pagam para remover a população em situação de rua e os sem-teto de seu entorno. Grupos homofóbicos se juntam para atacar baladas do público LGBTTQ+ e grupos racistas partem para o ataque a rapazes negros que voltam à noite para casa após o trabalho. Grupos vão atrás de jornalistas e de opositores políticos, que insistem em dizer o contrário do que o grupo de WhatsApp ensinou.

Munidos com o ódio que fermentaram ao longo do tempo e com a sensação de estarem fazendo um serviço público, agem para “dar um jeito na escória”. Como sempre digo aqui, não são as mãos dos líderes políticos, sociais, econômicos e comunicadores que atacam, mas é a sobreposição de seus argumentos, a escolha que faz das palavras ao longo do tempo e o exemplo que trasnsmitem que distorcem a visão de mundo de seus seguidores e tornam o ato da violência banal. Suas ações e palavras redefinem, lentamente, o que é ética e esteticamente aceitável, visão que depois é consumida e praticada por terceiros. Estes acreditarão estarem fazendo o certo, quase em uma missão civilizatória ou divina, e irão para a guerra.

Discordo frontalmente das ideias de muita gente, mas não ninguém deve ser impedidos de falar, afinal a liberdade de expressão não aceita censura prévia, mas prevê a responsabilização judicial posterior. Pois a partir do momento em que o debate é interditado pela violência, a sociedade é ferida de morte.

A discussão não é entre direita e esquerda, mas entre civilização e barbárie. E, antes que seja tarde demais, deve ser tratada de frente pela política, pela sociedade. Porque, dependendo do que aconteça, não são apenas mortos e agredidos que teremos deixado pelo caminho. Mas nosso futuro.