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Pandemia e isolamento social: para além da dualidade neoliberal

Antes de jantar, Trump elogia Bolsonaro mas não se compromete ...
Trump recuou no desdém ao coronavírus. Bolsonaro não (Foto: JIM WATSON / AFP)

Por Rosivaldo Toscano Jr.*

Para quem pensa preso ao paradigma neoliberal, só existem dois caminhos no momento: a) ficar em quarentena e sem dinheiro; b) abrir as lojas e ir trabalhar. Resta muito claro que a “mão invisível” do mercado não vai reverter os efeitos – que são globais – dessa pandemia. Mas poderá muito bem agravá-los porque sem o isolamento social teremos aqui uma Itália múltiplas vezes aumentada. Vai morrer gente de todas as idades e não só de coronavírus, como na Itália e na Espanha. Basta ter uma apendicite, uma fratura que exija cirurgia ou qualquer procedimento que necessite de respiração mecânica.
Talvez devêssemos olhar o exemplo dos Estados Unidos, meca do discurso neoliberal: pacote de injeção na economia da ordem de dois trilhões de dólares! O governo dos EUA pagará renda mensal às pessoas para que não passem fome e/ou se desesperem e para que consumam, e empréstimos a fundo perdido para as empresas não falirem. No mais, determinação de isolamento social enquanto necessário. Donald Trump é pragmático: rasgou sem cerimônia os postulados neoliberais nesse momento porque não lhe são convenientes. Milton Friedman, descanse em paz.
Espero estar muito errado na minha avaliação, mas acho que o problema aqui é mais grave porque o atual ministro da economia parece ser monocular. Para usar um linguajar de economia política, é um Chicago Boy. Ele repete o mantra neoliberal há décadas e acho que dificilmente terá um novo olhar – um que contrarie frontalmente tudo que apreendeu e repetiu. As medidas paliativas apresentadas até o momento são sintomáticas disso. Mas ainda torço que mude de opinião, que apresente um pacote de intervenção direta na renda das pessoas e na solidez das empresas. Meta fiscal? Trump já chutou o pau da barraca. Merkel fará o mesmo. Macron etc., todos irão a reboque.
O discurso de superávit fiscal vai cair por todo o mundo porque será impossível qualquer país, após essa pandemia, não ter gastos exorbitantes para evitar uma catástrofe interna. Essa pandemia vai mudar o paradigma econômico. Aliás, como como falei acima, já está mudando.
Se pensarmos somente dentro da ótica neoliberal, teremos uma convulsão social de todo jeito. É hora de (re)abrir os livros de John Maynard Keynes. Foi assim que se superou a grande depressão dos anos 1930. Trump, que não é bobo, já o fez.

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Face autoritária do neoliberalismo

Por Frei Betto

Por paradoxal que pareça, a lei se tornou ferramenta do neoliberalismo para enfraquecer a democracia. O Estado de Direito vem sendo demolido por dentro, de modo a servir apenas aos interesses da elite.

O tão esperado abalo do neoliberalismo, a partir da crise financeira de 2008, não ocorreu. Ao contrário, ele se fortalece com novas estratégias.

O neoliberalismo é mais do que imposição de políticas de austeridade, privatização do patrimônio público, ditadura dos mercados financeiros. Ele implica uma racionalidade de abrangência mundial, que vai da economia de mercado à subjetividade das pessoas. Anula a soberania dos países aos submetê-los aos ditames do FMI, do Banco Mundial e da União Europeia. Demarca a linha divisória entre a parcela da humanidade com acesso ao consumo e a imensa multidão excluída até mesmo de direitos elementares, como alimentação, saúde e educação.

O neoliberalismo já não necessita fazer concessões ao Estado de bem-estar social, pois desapareceu a ameaça comunista. Já não precisa posar de democrata. Agora, a imposição de um único modelo econômico deve se coadunar com a imposição de um único modelo político, o autoritário, de modo a favorecer a acumulação do capital e conter a insatisfação de amplos setores da população sem direito aos bens essenciais à vida digna.

Os estrategistas do neoliberalismo sabem que suas políticas causam exclusão e sofrimento. Sabem também que é preciso conter a insatisfação dos excluídos, de modo a evitar a explosão que resultaria em caos político ou revolução. Assim, canalizam a miséria e a pobreza para o alívio virtual da religião, tornando-a, de fato, “ópio do povo”, capaz de aplacar a revolta e incutir espírito de sacrifício. Concentram o ressentimento e a descrença na democracia, e  transformam em bodes expiatórios partidos e políticos críticos ao neoliberalismo. Fazem convergir a baixa autoestima e a atual tendência à adoção de pautas identitárias para um amplo sentimento de identidade nacional marcado pela xenofobia.

Em suma, encobrem as causas dos males sociais, e recobrem seus efeitos com ideologias que, ao tornar opacas as causas, acirram os ânimos diante dos efeitos. Por isso, o neoliberalismo mostra agora a sua face mais autoritária, com a construção de muros que separam nações e etnias; a supremacia do poder executivo sobre o legislativo e o judiciário; a desinformação via redes digitais; o culto à pátria; e a ofensiva descarada contra os direitos humanos.

Por outro lado, reduz impostos para os mais ricos, precariza as relações de trabalho, suprime políticas sociais, corta investimentos na educação, acelera as privatizações e considera estorvo aos interesses do capital a proteção socioambiental.

Henry Giroux qualifica de “fascismo neoliberal” essa formação política caracterizada por ortodoxia econômica, militarismo, desprezo por instituições e leis, ódio aos artistas e intelectuais, repulsa ao estrangeiro pobre, desconsideração pelos direitos e pela dignidade das pessoas, e violência para com os adversários.

As reformas propostas pelo novo neoliberalismo, como, no Brasil, a trabalhista e a previdenciária, tendem a extinguir as redes de proteção social: sindicatos, ONGs, movimentos populares, e instituições corporativas (OAB, ABI, CNBB etc.) de defesa dos princípios democráticos.

Como reagem os vencidos? Articulam as forças de oposição e se posicionam em favor de democracia? Antes fosse. De fato, os vencidos são como moscas presas no globo da lâmpada, cegos pelos encantos da sociedade de consumo. Não conseguem encontrar a saída e sofrem por estarem ali presos. Reagem ao se abster nas eleições, refugiar-se em suas bolhas digitais, dar apoio a quem vocifera em tom bélico. Toda raiva é a violência introjetada na alma.

Resta aos críticos saírem de suas redomas acadêmicas para ajudar os vencidos a descobrir que possuem uma força capaz de virar o jogo e instaurar a democracia.

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Carta

A civilização está muito doente. Há saída?

 

Desesperar, jamais.
Aprendemos muito nestes anos…

Do balanço de perdas e danos.
Já tivemos muitos desenganos.
Já tivemos muito que chorar…

Mas agora acho que chegou a hora de fazer valer o dito popular…

Ivan Lins

 

Por Robério Paulino

A sociedade humana está profundamente doente. Há uma grave crise moral e de perspectiva da civilização. Que futuro queremos? Que tipo de sociedade almejamos? O modo de vida humano hoje, sob o capitalismo, é sustentável para o planeta? Temos o direito de extinguir milhares de espécies para nosso bem-estar? Parte importante das populações de alguns países questiona se a limitada democracia parlamentar dos regimes capitalistas é desejável ou é melhor regressar a regimes autoritários que restaurem a “ordem” perdida. Uma sociedade alternativa, como o socialismo, ainda é possível? A saída é individual ou coletiva? Trata-se de um declínio de valores morais e de profunda insegurança quanto ao futuro comum da humanidade.

Apesar de todas as desigualdades sociais, raciais, de gênero, ainda evidentes sob o capitalismo, de todos os desastres humanos e guerras observados ainda no século XX, da volta da elevação da pobreza e dos retrocessos nos direitos sociais dos últimos 40 anos, da crise de perspectiva discutida neste texto, a população humana está muito maior que há 100 anos, mais rica, mais saudável e mais longeva. Os avanços na tecnologia e na comunicação, nos transportes, na educação, na medicina e na saúde, nos remédios e vacinas, na agricultura e na produção de alimentos, se vistos em perspectiva, são indiscutíveis e impressionantes. No entanto, o sapiens, o animal que se tornou um deus, o senhor do planeta, subjugando as demais espécies, como disse Yuval Noah Harari em seu penúltimo livro, não sabe o que quer, aonde vamos, e destrói sua própria casa.

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Existe um profundo mal-estar na sociedade global, um clima de desilusão, pessimismo e ansiedade, uma grande incerteza em relação ao futuro próximo que nos aguarda, se ele será melhor ou se estamos caminhando para o abismo social e ambiental, talvez para um retorno à barbárie, um futuro de ódio e intolerância, de mais desigualdade, conflitos e novas guerras. Essa crise moral e civilizacional se estende a todos os setores, países, classes e grupos sociais e inclusive aos movimentos socialistas, às esquerdas. Ao contrário do que observava na segunda metade do século XIX, um clima de grande otimismo em relação a um futuro melhor, hoje há um clima geral de desencanto, de grande apreensão quanto ao destino da civilização. Todos sabem que algo está errado. Ouvimos muitos dizerem que desistiram do ser humano.

Na Europa, continente que se supunha mais avançado, onde nasceram grande parte das ideias políticas que embasam a civilização global atual, berço da Ciência moderna, das ideias e lutas sociais organizadas, observa-se a volta de governos nacionalistas autoritários e mesmo fascistas em vários países, da intolerância racial, do ódio e da xenofobia, que muitos imaginavam já serem parte do passado, depois da dolorosa experiência nazifascista, com a qual a humanidade parecia ter aprendido. Esse continente, que invadiu quase todo o mundo nos últimos 500 anos, que teve milhões de refugiados da ocupação nazista bem acolhidos em outros países durante a Segunda Guerra Mundial, hoje dá as costas em grande medida para os imigrantes que lhe pedem socorro, numa grande demonstração de insensibilidade, indiferença e desumanidade.

Após uma nova experiência frustrante com os democratas, os EUA elegeram um presidente conservador e bruto, Trump, eleito explorando a insatisfação e o sentimento geral contra a decadência, a desindustrialização do país, o desemprego e a insegurança, que Barack Obama, em sintonia com Wall Street, se negou e enfrentar. Este país, fundado sobre a invasão das terras alheias nos últimos 5 séculos, sobre a morte de milhões de indígenas e a escravidão negra, hoje ergue altas muralhas contra os imigrantes. Desde os anos 80 com Bush, os governos destruíram praticamente qualquer sistema de proteção social e, nas periferias de várias de suas grandes cidades, centenas de milhares voltaram a viver em barracas e acampamentos, sem fonte de renda fixa ou qualquer proteção social.

Na Ásia, a China regressou ao capitalismo e poderá ser a primeira economia mundial em poucos anos, mas seu elevado desenvolvimento econômico e elevação do nível de escolarização e de vida de sua imensa população de 1,4 bilhão de pessoas ocorre ao mesmo tempo que uma destruição ambiental sem precedentes, com a continuidade de um regime ditatorial e com suas centenas de milhões de filhos únicos educados já na lógica capitalista do enriquecimento pessoal e não mais em princípios igualitários.

No Brasil, observa-se uma onda de polarização política, com a manipulação da população pelos meios de comunicação, com eleições sendo decididas com manobras contra a candidato melhor colocado e o envio de milhões de fake news, ou seja, uma indústria de mentiras. Com a ajuda de uma imprensa golpista, o país elegeu um candidato que confessou para todo país em rede nacional na votação do impeachment, antes das eleições, ser defensor da tortura, um crime internacionalmente condenado, sem que isso tivesse maior importância para os milhões que o ouviram e votaram nele assim mesmo, o que denota um retrocesso moral e civilizatório no país. O clima doentio de polarização política destrói grupos, amizades, divide famílias.

No terreno ambiental, a degradação do planeta é assustadora e muito mais rápida do que previam os mais pessimistas dos cientistas. Muitos ecossistemas, espécies, populações selvagens, diversas variedades de plantas e animais estão diminuindo ou desaparecendo anualmente. Segundo relatórios de cientistas sérios, as emissões de gás carbônico dobraram desde 1980, levando a um aumento das temperaturas do mundo em pelo menos 0,7 C. Os mares e rios transformam-se grandes depósitos de lixo.  O imediatismo, a lógica estimulada pelo capital e suas mídias, de que tudo que importa é lucro e o consumo, a satisfação imediata e a afirmação pessoal, dissolve o espírito coletivo, a coesão social e reduz o senso de preservação de nossa casa comum.

Com o retorno do neoliberalismo mais voraz e a desindustrialização no Ocidente, as desigualdades voltaram a crescer em quase todo o mundo (talvez exceção da China e poucos países). Mas isso, até agora, não alimentou um novo ciclo de nítida luta de classes. Uma grande proporção das lutas e conflitos sociais têm tomado, antes e infelizmente, a forma de nacionalismo, racismo e xenofobia contra imigrantes, de rivalidades étnicas e religiosas que destroem países inteiros, de homofobia e outras patologias.

Infelizmente, cresce, mesmo entre os trabalhadores e os mais pobres, a visão imediatista, a crença de que ganhar é a única coisa que conta e de que ganhar – ainda que por quaisquer meios, mesmo não tão lícitos – é, em última instância, a única coisa correta a fazer. Honestidade virou artigo raro. No Brasil essa lógica ficou conhecida como Lei de Gerson. Olhando para esse quadro, o cientista político e historiador Achille Mbembe, hoje professor na Universidade de Witwatersrand, África do Sul, afirmou recentemente, de forma pessimista, que a era do humanismo está terminando, ou seja, que vivemos um uma época de retrocesso moral e civilizacional.

Na música e na cultura, ao contrário do espírito de protesto, de luta pela paz, esperança e solidariedade social entre os povos, de valores mais elevados, que se observava em parte importante da produção cultural nos anos 50 e 60 do século XX (Imagine, John Lennon, Blowin’ in the wind, Bob Dylan, Apesar de você, Chico Buarque de Holanda), hoje o que se constata é em grande medida uma banalização e a quase exclusiva erotização das letras das músicas e da produção cultural.

Em todo o mundo, os elementos de desagregação social e corrosão moral são evidentes. Nessa nova modernidade, de avanço e rápida mudança nos costumes, quebra de preconceitos, por um lado, mas por outro de relações mais efêmeras, hoje realizadas em grande medida pelas redes sociais, tudo é líquido, para usar as palavras de Zigmunt Bauman. Das amizades virtuais até os valores como solidariedade, igualdade, generosidade, condescendência, compaixão, respeito, tudo é descartável, efêmero. Declinam o sentimento coletivo, de responsabilidade social, as ideias de uma sociedade mais igualitária e solidária, tolerante e generosa, que acolha os mais pobres e mais frágeis. Estimula-se e cresce o individualismo, a indiferença, a desonestidade, o salve-se quem puder.

Nesse ambiente de insegurança econômica, corrosão moral e desesperança, surgem as tentações para a volta de governos autoritários, cresce o espaço para as seitas e religiões messiânicas, fundamentalistas, e para as psicopatias coletivas, como o ódio, a xenofobia, a intolerância e a violência. É como se o capitalismo e a humanidade mesmo não tivessem aprendido nada com o passado e com a barbárie nazista. Lembremos que Hitler ascendeu ao poder na Alemanha surfando a destruição da economia alemã e o desespero dos trabalhadores com as consequências sociais da crise do capital de 1929.

Nesse tempo de incerteza e insegurança, as religiões fundamentalistas e líderes conservadores, fascistas ou protofascistas, como Bolsonaro e Trump, crescem exatamente por prometer um retorno a certo estado de segurança, ordem, hierarquia, de grandeza nacional, volta à religião, à tradição, ainda que eles próprios não pratiquem nada disso. As massas populares mais vulneráveis e atemorizadas, acreditam que o mundo atual virou algo como um pântano amoral, que precisa ser drenado, saneado, que o mundo atual deve dar marcha a ré em todos os costumes e ideias.

Ao lado dessas patologias sociais como individualismo, o ódio, a intolerância, a desonestidade, o cinismo, a desumanidade, a falta de solidariedade, a busca do ganho individual por quaisquer meios, o declínio do sentimento coletivo, crescem outras, como a depressão, as doenças cardiovasculares etc. No Brasil, entidades de psicanalistas têm relatado um aumento na frequência aos consultórios de pessoas doentes, vítimas destas patologias coletivas, sociais, o que pode ser um fenômeno mundial.

A constatação é que, ao lado do frenético desenvolvimento econômico e especialmente tecnológico, da aceleração das comunicações e do advento das redes sociais, que encurta o tempo de todos os processos e experiências, que a tudo revolve e transforma rapidamente, a sociedade humana vive um novo período de  aumento das desigualdades entre países e classes sociais, ao mesmo tempo em que uma erosão de valores, uma corrosão do caráter, uma grave crise moral. Quais causas estão por baixo deste quadro? Neste texto queremos tentar identificar alguns desses fatores que explicam esse fenômeno e ao final sugerir algumas linhas de como enfrentá-los. Ao nosso modo de ver, identificamos pelo menos 5 razões que levam e esse cenário de declínio moral, individualismo, desesperança e ceticismo quanto a um futuro melhor.

A DECADÊNCIA DO CAPITALISMO LEVA A UM DECLÍNIO MORAL DA CIVILIZAÇÃO

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Existem fatores mais conjunturais e outros mais de longo prazo, seculares, ou de ondas longas, se assim podemos falar. Quando estudamos a história das civilizações num espaço de tempo mais dilatado, pode-se constatar que as distintas formações sociais, em geral, em sua ascensão têm um código moral um pouco mais elevado. Já seu declínio é acompanhado de uma corrosão de valores também. Estudando o império formado por Alexandre, o Grande, por exemplo, mesmo sem negar aqui os terríveis efeitos da opressão e subjugação pela violência dos povos dominados, pode-se perceber também certo ideal de “levar a civilização e a cultura” a esses povos por parte dos conquistadores. Mesmo dominados, tais povos terminavam por assimilar aspectos positivos da cultura mais desenvolvida do conquistador, como a escrita, a arquitetura e a higiene, por exemplo, e ao mesmo tempo lhes era permitido manter até certo ponto suas próprias tradições. Nos primeiros séculos do Império Romano ocorreu o mesmo. Já sua decadência foi acompanhada por uma severa decomposição nos princípios morais.

O capitalismo em seus primórdios, com sua ética protestante de sacrifício consumo de hoje em função da acumulação primitiva para a amanhã, apresentava um padrão moral um pouquinho mais elevado (Como se pode perceber em A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Max Weber); na Inglaterra, vitoriano. Mas hoje esse sistema social já é decadente e isso tem implicado em uma profunda decomposição moral de todo corpo social. O único princípio do capital atualmente é o ganho imediato a qualquer custo, a acumulação por quaisquer meios, lícitos ou ilícitos, a corrupção, ainda que isso custe mais pobreza e desigualdade social, a decomposição dos regimes políticos e a degradação do planeta. Isso termina por impregnar toda sociedade de valores imediatistas e individualistas.

O NEOLIBERALISMO, A DESINDUSTRIALIZAÇÃO E A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO OCIDENTE

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Até a crise econômica global dos anos 1970, empregos industriais mais estáveis e que pagavam melhores salários permitiam uma vida mais previsível aos trabalhadores e suas famílias, às vezes por décadas, e, portanto, valores morais menos imediatistas. A volta do neoliberalismo mais radical aos governos de países centrais, como nos EUA e na Grã-Bretanha, com Reagan e Thatcher – do que decorreu o processo de desindustrialização planejada nos EUA e em todo o Ocidente, com o fechamento de milhares fábricas e a contratação da produção na Ásia e na China -, implicou na perda ou transferência de centenas de milhões empregos mais estáveis e melhor remunerados do setor industrial para o setor de serviços, de menores salários, de muita sazonalidade (pular de galho em galho), part time, sem qualquer previsibilidade, contribuindo não só para uma precarização nas relações de trabalho como também para um declínio moral, dos valores, nas sociedades ocidentais. Esse processo ocorre em todo Ocidente, na Europa e inclusive no Brasil. Analisando esse quadro nos Estados Unidos, o sociólogo e historiador Richard Sennett, professor do MIT e da London School of Economics, sugeriu no título de seu livro mais conhecido (A corrosão do caráter) que ele estava implicando num declínio moral do tecido social.

Coloco aqui dentro, como parte do mesmo processo, como um fator que poderíamos considerar como paralelo ao neoliberalismo (ou um sexto fator, se quisermos), as novas formas de produção oriundas do Japão, conhecida como Toyotismo, que contribuiu imensamente para a erosão da solidariedade entre os trabalhadores, estimulando a competição e o individualismo entre eles, fenômeno de amplas consequências para reduzir o sentimento coletivo entre as populações.

O SIGNIFICADO DA A EXAUSTÃO DAS EXPERIÊNCIAS SOCIALISTAS E SEU IMENSO PASSIVO

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A luta contra o capital e por um mundo melhor não é apenas uma luta social, física, nas ruas e empresas, mas também uma intensa batalha ideológica. Ideias e experiências sociais mobilizam ou paralisam milhões, encantam ou desmoralizam outros tantos. O século XX começou com uma grande revolução socialista, a Revolução Russa, que prometia um mundo de igualdade, mas também de liberdade e fraternidade. Infelizmente, não foi isso que se viu. Existiram inegáveis avanços sociais nas experiências socialistas, que sempre defendemos e inclusive obrigaram o capitalismo a acelerar o passo em suas concessões sociais no Ocidente, por medo. Mas, por diversas razões, como a permanente  agressão das potências capitalistas e toda destruição gerada, o atraso material e cultural dos povos soviéticos, o isolamento internacional daquela experiência, o que se observou de fato foi uma completa deformação dos objetivos e promessas iniciais daquela revolução e a instauração de um regime de terror, monolítico, de partido único, corrupção e perseguição a todos os críticos, mesmo aqueles mais autênticos socialistas que lutaram na revolução, como Leon Trotsky.

Esse regime igualmente ditatorial terminou por conduzir à exaustão da principal tentativa de construção de uma sociedade alternativa superior no século XX, contribuindo para o grande descrédito do socialismo ainda hoje, um imenso passivo que a esquerda até hoje não entendeu, com grande parte dela negando-se a passar a limpo aquela experiência. Toda vez que discutimos com um quadro de direita em qualquer espaço, a pergunta automática que ouvimos é: “diga ai onde o socialismo deu certo?” A exaustão, a desmoralização temporária, o descrédito da ideia de uma sociedade alternativa superior ao capitalismo, contribuem para o quadro atual de desencanto e declínio moral da sociedade.

A DECEPÇÃO COM A DEMOCRACIA PARLAMENTAR CAPITALISTA E MESMO COM OS GOVERNOS PROGRESSISTAS OU DE ESQUERDA NO MUNDO

Nada tem um efeito tão desmoralResultado de imagem para democraciaizante

Nada tem um efeito tão desmoralizante e para causar revolta nas pessoas e nas sociedades do que as frustrações, as decepções com promessas não cumpridas. Elas contribuem severamente para o quadro de desesperança, ceticismo, descrença no futuro, imediatismo e corrosão dos valores na sociedade atual. Vejamos apenas alguns exemplos.

A democracia parlamentar capitalista, com eleições, é uma conquista em relação a regimes autoritários e de força, às ditaduras, mas ao mesmo tempo uma casca oca, uma máquina de enganação e desmoralização das populações. A regra é que políticos e partidos prometem aos povos aquilo que de antemão sabem que não vão cumprir, ou seja, esse sistema é a arte da enganação. Prometem governar para o povo, mas depois governam para o capital, para as grandes empresas. Basta ver a composição dos parlamentos nas democracias capitalistas hoje em dia: a maioria dos parlamentares ou são diretamente empresários, latifundiários, ou apoiados por eles. Atualmente, os parlamentos de todos os países capitalistas do mundo governam antes de tudo para o grande capital financeiro. Essa falência das democracias capitalistas em produzir avanços e, pelo contrário, gerar retrocessos sociais, abre espaço para as tentações autoritárias, para regimes de força e para a contínua desmoralização dos povos, o ceticismo e a descrença.

O efeito desmoralizante das decepções com partidos ou líderes progressistas ou de esquerda é ainda mais danoso. Pela primeira vez em sua história, os EUA elegeram um presidente de origem negra, Barack Obama. Ele prometeu em sua campanha transformações positivas, como (1) parar o processo de exportação de empregos dos EUA para a Ásia, que afetava especialmente os mais pobres e os próprios negros, e (2) construir algum sistema público de proteção social e saúde, já que nos EUA ela se dava por dentro das empresas e, com a perda de milhões de empregos, muitos trabalhadores se viram sem qualquer cobertura. Obama não fez nem uma coisa nem outra, além de discursos elegantes e polidos, governando em sintonia com Wall Street, o que levou os democratas a perderem a última eleição. Trump se elegeu em grande medida capturando esse desgaste. Nas eleições, ele foi às portas das fábricas dizer que não mais aceitaria mandar os empregos dos norte-americanos para a China. Essa é em parte a explicação do atual conflito de seu governo com aquele país. Grande parte dos trabalhadores, inclusive uma parcela dos negros, votaram em Trump, quase que como um castigo a Obama e aos democratas.

Na Grécia, depois da tremenda crise que arrasou a economia do país, que ceifou centenas de milhares de empregos e gerou muita pobreza e desespero (2008-2010) a população deu uma oportunidade ao partido de esquerda Syriza, de governar o país e mudar o quadro em favor do povo. Este partido, no entanto, contradizendo sua vocação de esquerda, não enfrentou a altura as imposições do FMI e da União Europeia, terminando por aplicar igualmente planos de austeridade contra os trabalhadores gregos e a favor dos financistas. Resultado: o povo grego acaba de dar maioria novamente a um partido conservador, a Nova Democracia, nas recentes eleições de julho de 2019.

E no Brasil? O que a decepção de setores importantes da população brasileira com os governos do PT contribuiu para o quadro atual e a ascensão de Bolsonaro? Muito. Sei do custo e da antipatia de dizer isso aqui, num momento em que a esquerda é atacada e fica clara a perseguição a Lula, pelo que defendemos sua imediata libertação. Mas, infelizmente, é uma avaliação que devemos considerar, que ainda não foi feita, mas que nenhuma análise realmente séria pode deixar de lado. Os inegáveis avanços conseguidos nos governos do PT não justificam a frustração das expectativas e a repetição das mesmas políticas liberais, a não realização de reformas prometidas ou necessárias, como a agrária, a política e a tributária. Tampouco podem justificar as alianças ou integração nos governos durante anos dos mesmos partidos e políticos capitalistas que depois produziram o impeachment, como Eduardo Cunha, Temer, Meirelles, Joaquim Levy.

Evidentemente que o papel da imprensa golpista foi essencial para o golpe contra Dilma Rousseff e para tirar Lula do páreo nas eleições. Mas o desencanto de amplos setores da população com os governos do PT pela frustração das expectativas também contribuiu para que parte do povo fosse capturado pela direita e por Bolsonaro. O único sentido desta discussão feita aqui é aprender para não cometer os mesmos equívocos futuramente.

Como dissemos ao inicio deste ponto, a frustração, a decepção das massas com a democracia capitalista e com a esquerda nas experiências nos governos tem sido um fator fundamental para o quadro de desesperança, desencanto, ceticismo e declínio moral que observamos no mundo, pois grande parte das massas dizem que “todos são iguais”, recuam politicamente ou se desencantam.

O FUTURO REPETINDO O PASSADO, DE IGNORÂNCIA, VIOLÊNCIA E PRECONCEITOS

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Há outro fator, igualmente estrutural, de longo prazo, que é o fato de que todo processo de industrialização, formação das classes trabalhadoras, urbanização dos países e educação política das massas populares ainda é muito recente. Nossa mente tende a querer que as situações e a história avancem mais rapidamente. Mas a história tem seu próprio ritmo. Saímos do feudalismo ainda ontem. O capitalismo é uma formação que só recentemente chegou à maioria dos países, antes agrários, rurais. No início do século XX, poucos países eram industrializados. Em 1950, a imensa maioria da população humana ainda estava no campo e era analfabeta, como na China, Índia, África e a maior parte da América Latina, com pouca experiencia política. Em 1850, o mundo não era a Europa industrializada sobre a qual Marx e Engels construíram seu pensamento. Mesmo a França era um país rural em 1871, época da Comuna de Paris. A população urbana do mundo só ultrapassou a população rural recentemente, em 2007.

A China, o maior país do mundo, só se industrializou e escolarizou nos últimos 70 anos; até 1949 era um país rural e analfabeto. Em 1960, o Brasil também era um país agrário e de analfabetos. Quem ler Trotsky com mais atenção, verá que a Revolução Russa não foi traída e derrotada pelo stalinismo somente, mas antes de tudo pelo atraso e pela ignorância. O stalinismo foi antes fruto desse atraso dos povos soviéticos naquele momento. Em todos esses processos, o velho se agarra ao novo como o musgo se agarra na pedra, se negando a morrer. Toda formação nova é construída em grande medida combinando elementos herdados do passado. Apesar do frenético avanço tecnológico, da vertigem das comunicações, da escolarização em massa que avança a passos largos, todo passado de incultura e ignorância da humanidade ainda está aqui bem presente, hoje, e embasa toda ideologia alienante e individualista das classes ricas. Infelizmente, como dizia Cazuza, as vezes o futuro repete o passado.

É óbvio que a direita brasileira e do mundo, as igrejas obscurantistas, estimulam o medo, o preconceito, o individualismo e o atraso. Mas é uma relação dialética, em dois sentidos. Se elas crescem é também porque se nutrem desse atraso do povo, decorrente de nosso recente passado de ignorância e incultura, desde sempre alimentado pelas elites reacionárias. Ao se sentirem abandonadas pelo Estado, parcelas importantes da população são presas fáceis para as igrejas fundamentalistas e os políticos populistas de direita. A elitização da esquerda e seu afastamento das periferias também contribuiu para isso.

Alguém pode objetar que não são só as massas populares as bases dos partidos conservadores e igrejas fundamentalistas, mas grande parte das classes médias escolarizadas também. Basta ver que o Nordeste menos escolarizado votou pela esquerda na contramão do resto do país. Com certeza. Mas aí entra também o papel da ideologia, o tipo de educação recebida por essas camadas médias, igualmente elitista, a manipulação da imprensa, além de todos os demais fatores que colocamos acima.

Bem, todos esses fatores contribuem para o quadro de declínio moral, corrosão do caráter, individualismo e desesperança que vemos no mundo hoje. Obviamente, esses elementos são potencializados pelos poderosos mecanismos de reprodução da ideologia dominante, os meios de comunicação, com a imprensa à frente, que têm um papel central neste quadro.

E A ESQUERDA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS ESTÃO FORA OU SÃO PARTE DESSA CRISE MORAL?

O capitalismo, com sua voraz sede de lucros, seus partidos “democratas” ou conservadores, os partidos ou dirigentes fascistas, autoritários, as igrejas fundamentalistas e toda sua mídia não têm o que oferecer à humanidade, senão o risco de nos levar à destruição da civilização, nos conduzir de volta à barbárie. Se alguma saída para melhor pode ser dada para a humanidade ela tem que vir das classes trabalhadoras, dos povos, dos movimentos sociais, da juventude irreverente que luta nas ruas, dos partidos socialistas e de esquerda, porque só eles se propõem explicitamente a dar uma alternativa à decadência do capital.

Mas infelizmente, quem espera coerência total e santidade nas esquerdas e nos movimentos sociais quebra a cara. Os movimentos sociais, as classes trabalhadoras, os partidos de esquerda, por mais progressistas, socialistas, revolucionários, que se proclamem e se proponham, também estão imersos nesse meio decadente e moralmente podre que observamos no mundo e, portanto, também vivem uma corrosão moral. Muitas vezes repetem em sua prática ou em seu meio os mesmos métodos que condenam em seus discursos.

A primeira manifestação dessa constatação é a incoerência, ou mesmo as traições, a distância entre o que propõem às massas populares em eleições para chegar aos governos e o que de fato fazem quando chegam ao controle de países, estados, prefeituras etc., contradizendo as promessas. Isso contribui fortemente para a desmoralização das populações, como já analisamos acima.

Mas além da incoerência na política, a maior parte da esquerda, mesmo aquela que se propõe mais pura, autêntica e revolucionária, pratica nos seus espaços muitas vezes os mesmos métodos autoritários, burocráticos e grosseiros que critica nas organizações e partidos capitalistas ou conservadores. Essa é uma das razões para as suas constantes divisões, a histórica fragmentação do campo da esquerda.

Uma constatação disso é que a maioria desses grupos ou organizações até hoje, mesmo depois do desastre no Leste Europeu no final da década de 1980, não fez qualquer autocrítica, uma discussão aprofundada sobre as razões daquele processo, ou rompeu com as concepções stalinistas autoritárias de organização ou governos, baseados em partido único e repressão aos opositores, mesmo quando são de esquerda. Essa parte da esquerda ainda não entendeu o imenso passivo que carregamos, aproveitado pelos ideólogos do capital. Não percebeu que sem passar a limpo toda a experiência socialista do século XX e reconhecer suas conquistas, mas também seus graves erros, será difícil ganhar novamente a confiança das populações para uma sociedade alternativa.

Tristemente, são comuns também no campo da esquerda, os métodos igualmente burocráticos, a grosseria, a desonestidade, as manobras de todo tipo, as atitudes ilícitas, mesmo ilegais, usadas por certos grupos para ganharem um sindicato, uma entidade, a direção em um partido, ou um mandato eletivo contra outro grupo do mesmo campo. Contradizendo o que criticam nos partidos da ordem, algumas correntes de esquerda socialista se comportam como verdadeiros grupos nacionais de trapaceiros na defesa de seus interesses imediatos e do crescimento de seu grupo, sacrificando os interesses gerais de todo movimento, sem ver como isso contribui para fragmentar, enfraquecer e desmoralizar os movimentos sociais, as entidades, as pessoas. Constroem destruindo.

Para justificar tais práticas argumentam que sua política está sempre correta e que, portanto, os métodos, os procedimentos, passam a ser secundários, numa espécie de “os fins justificam os meios”, sejam eles quais forem. Mas ninguém acerta sempre. Infelizmente, honestidade, humildade e autocrítica são também artigos raros mesmo dentro da esquerda. Um exemplo é que grupos de esquerda socialista apoiaram com entusiasmo a Operação Lava Jato em seus inícios. Mas mesmo com as revelações recentes do Intercept e a denúncia das manobras daquela operação contra as esquerdas, ou seja, seu caráter reacionário, esses grupos até hoje não tiveram a dignidade e a humildade de fazerem qualquer autocrítica.

Todas essas práticas, que ocorrem não só no Brasil, mas em todo o mundo, seja na política seja em seus métodos, em seus procedimentos equivocados, joga água no moinho do fenômeno que analisamos neste texto, que é o declínio moral, a corrosão do caráter, a desmoralização, o desencanto das pessoas, que se observa nas sociedades capitalistas. Essa discussão, obviamente, não tem qualquer objetivo de atacar a esquerda, da qual faço parte, mas servir como um humilde alerta de que, se ela quer ganhar novamente a confiança de populações mais amplas, precisa antes de tudo mudar radicalmente seus próprios métodos, não podendo agir igual aos partidos da ordem que critica.

O QUE FAZER?

Nesta simples carta não tenho qualquer intenção de dar aula para ninguém , apenas ajudar a refletir, identificar e contrapor uma tendência muito perigosa para a civilização humana que é a decadência moral ou dos valores, a onda de individualismo, que se observa na sociedade global e também no Brasil, que, como já dito, ameaça a própria civilização. O que fazer? Não falo aqui apenas para as pessoas de esquerda, mas para todos aqueles que têm lido minhas cartas, me retornado com comentários e almejam um mundo melhor. Arrisco aqui três simples sugestões, sem nenhuma pretensão de pregar a verdade a ninguém.

Primeiro reforçar a luta coletiva, as mobilizações dos trabalhadores, dos oprimidos, as entidades e grupos sociais, apoiar a luta por demandas justas e progressivas dos povos, dos trabalhadores, dos jovens. Não há saídas individuais para uma sociedade de 7 bilhões de seres, para países com centenas de milhões de pessoas. Somos cada vez mais um mundo só. Evidentemente que essa luta será travada também em todos os espaços. Nas ruas, nas entidades, mas igualmente no campo das ideais, nas redes sociais (com todo cuidado necessário e sem agressões), nas empresas, nas escolas, nos grupos sociais, nas famílias, em todos os espaços onde possamos agir. Mas só o movimento de milhões de pessoas nas ruas será capaz de impor medo e limites à ganância e à vocação destrutiva do capital e seus defensores.

Em segundo, é preciso estudar, estudar e reestudar a história humana, das civilizações, das sociedades e dos países, do Brasil, das lutas sociais, para entender de onde viemos, para onde podemos ir. A partir do estudo da história, compreender os riscos que nos cercam e o que precisamos fazer.

Por último, fazer a coisa certa. Não adianta apenas jogar na cara das pessoas arrogantemente nossa visão de mundo futuro, como um tijolo, e depois praticar barbaridades. É possível agir de forma solidária, honesta, verdadeiramente democrática, humilde, paciente, tolerante, fraterna, ambientalmente sustentável. Ao mesmo tempo respeitar o esforço e a história de todos, não somente daqueles que nos agradam ou de nossos grupos. Ou seja, agir de acordo com o que pregamos em nossos discursos, em todos os espaços em que estamos. Isso não é coisa de religiosos, declaração de santidade, mas sim de todos aqueles que se propõem a construir um mundo novo. Uma coisa que aprendemos em todos estes anos é a força do exemplo, como exemplos de ações coletivas ou individuais corretas, solidárias, generosas, encantam e motivam as pessoas, ajudando a contrapor todo o processo de desencanto, de declínio moral e busca de saídas individuais que observamos no capitalismo atual e no mundo hoje, discutido neste texto.

Do que se trata é de evitar o pior para a humanidade, o risco de volta da civilização à barbárie. Felizmente, nem tudo é negativo. Surgem novos movimentos sociais, uma nova juventude irreverente está nas ruas em muitos países, o mundo avança rapidamente na escolarização, as pessoas estão cada vez mais informadas, setores sociais antes oprimidos se organizam e se apresentam. Os governos montados em fraudes, mentiras, rapidamente se desgastam. A situação durante a ocupação nazista na Europa na Segunda Grande Guerra era muito pior que hoje. Nos milhares de anos de nossa evolução, nossa espécie foi capaz de superar as dificuldades e achar o caminho correto. Poderá novamente encontrar a saída para salvar a civilização e preservar todos os tipos de vida no planeta. Mas é preciso acelerar o passo. Enquanto é tempo.

 

Londres, 31/08/2019

Robério Paulino