Por Rogério Tadeu Romano*
I – O ARTIGO 13, PARÁGRAFO SEGUNDO, DO CP: A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE
O art. 13, § 2º, CP — Código Penal, estabelece o seguinte:
Relação de causalidade
Art. 13 — O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Relevância da omissão
- 2º — A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
- a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
- b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
- c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
A relação de causalidade é o vínculo estabelecido entre a conduta do agente e o resultado por ele gerado, com relevância para formar o fato típico.
Adota-se o critério jurídico estabelecido pela Lei n. 7.209/84, que se distingue do critério meramente naturalístico(é a modificação sensível no mundo exterior), exigindo-se que haja uma modificação gerada no mundo jurídico, seja na forma de dano efetivo, ou de dano potencial. Essa teoria é apoiada por Pannain, Delitala, Vanini, Pergola, Jimenez de Assúa, Nelson Hungria, Basileu Garcia, Aníbal Bruno, dentre outros.
A conduta criminosa se apoia em um resultado que envolve o corpo e a mente.
Omissão, por sua vez, é a conduta negativa, voluntária e consciente, implicando em um não fazer voltado a uma finalidade.
Na linha de Roxin, Chaves Camargo(Imputação objetiva e direito penal brasileiro, pág.70) ensinou que “a atribuição de um resultado a uma pessoa não é determinado pela relação de causalidade, mas é necessário um outro nexo, de modo que esteja presente a realização de um risco proibido pela norma”. Isso, para os estudiosos, transcenderia o conceito de nexo causal.”
II – A CONDUTA OMISSIVA
Passo a discutir sobre a conduta omissiva.
Na lição de Guilherme de Souza Nucci(Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 153), o Código Penal adotou uma teoria eclética quanto à omissão, dando relevo à existência física, no caput do artigo 13. Há, como ensinou Miguel Reale(Parte Geral do Código Penal – Nova Interpretação, pág. 43) um dano naturalístico sujeito a um enfoque normativo.
A omissão que não é típica, vale dizer, quando o não fazer deixa de constar expressamente num tipo penal(como é o caso do crime de omissão de socorro – artigo 135 do CP), somente é relevante, que é o que a lei exige penalmente, caso o agente tenha o dever de agir. Ele deve ter o dever jurídico de impedir o resultado.
O podia agir significa que o agente, fisicamente impossibilitado de atuar, não responde pelo delito, ainda que tivesse o dever de agir.
O Código Penal é explicito referindo-se não apenas a lei(tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, como é o caso do pai, do curador, do tutor, por exemplo), mas ainda aos outros deveres impostos pela ordem jurídica em que não age o agente, quando devia agir.
Temos o dever de agir de quem assumiu a responsabilidade de evitar o resultado. É o dever decorrente de negócios jurídicos ou de relações concretas da vida. Se alguém assume o dever de garante(ou garantidor) da segurança alheia, fica obrigado a interferir caso essa segurança fique comprometida.
No momento em que uma autoridade pública permite, em pleno tempo de pandemia, com infecções crescentes de covid-19 e ômicron, a realização de eventos carnavalescos envolvendo um grande número de pessoas, ele age contra o sistema jurídico e à sociedade, por consequência, na medida em que não atua mesmo quando tem o dever de agir por ter gerado o risco. Como disse Guilherme de Souza Nucci(obra citada) é o dever surgido de ação precedente do agente que deu causa ao aparecimento do risco.
Com isso, data vênia de entendimento contrário, quero dizer que os agentes públicos responsáveis e os particulares, empreendedores de eventos particulares carnavalescos, têm o dever de agir para impedir um resultado que cause danos à saúde das pessoas que adentrem nesses eventos de folia carnavalesca. Sejam eles públicos ou privados, na medida em que abarcam um número considerável de pessoas.
III – OS EVENTOS CARNAVALESCOS DIANTE DE UMA PANDEMIA
Os índices de internação e de novos surgimentos de infecções pela covid-19 e por seu sucedâneo, a ômicron, são preocupantes.
As autoridades sanitárias vem dando o alerta. A situação exige cuidados.
Em nome disso, com base na razoabilidade, será dever do Poder Público Municipal, e ou ainda do Estadual, no exercício do poder de polícia, proibir a realização de desfiles de escola de samba e do chamado “carnaval de rua”, envolvendo blocos, que são uma atividade que demanda milhares de pessoas. Caso haja divergência entre os entendimentos das autoridades do município e do Estado-membro sobre o tema(um favor e outra contra), aplica-se o entendimento que mais proteger a sociedade.
Da mesma forma, os chamados eventos carnavalescos em áreas privadas devem ser proibidos pelas autoridades administrativas.
Se não proibidos as consequências virão depois e as autoridades envolvidas e os empreendedores são garantes, devendo responder por atos comissivos ou ainda omissivos.
Em sendo assim as autoridades envolvidas na realização desses espetáculos multitudinários devem responder penalmente porque tinham o dever de agir porque tinham a responsabilidade de evitar o resultado.
Assim agindo dão causa a um resultado de um crime de epidemia.
São os agentes públicos e particulares, envolvidos diretamente na condução desses espetáculos carnavalescos garantidores da saúde da população.
IV – O CRIME DE EPIDEMIA
Determina o artigo 267 do Código Penal:
Art. 267 – Causar epidemia mediante a propagação de germes patogênicos.
Pena: Reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos.
Parágrafo 1º: se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro
Parágrafo 2º: No caso de culpa, a pena é de detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, ou, se resulta morte de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
Epidemia, como explicou Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8º edição, pág. 959) significa uma doença que acomete, em curto espaço de tempo e em determinado lugar, várias pessoas.
O objeto do crime é a incolumidade pública, considerando-se o perigo decorrente da difusão de epidemias, que põem em risco à saúde de indeterminado número de pessoas.
Trata-se de um crime de perigo para a incolumidade pública, perigo que se presume de forma absoluta. Para Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8º edição, pág. 960) trata-se de crime de perigo comum concreto, mas há posição oposta, como a de Delmanto e outros (Código Penal Comentado, pág. 486), para quem é crime de perigo abstrato. Mas o tipo exige que o agente provoque alguma doença. No mesmo sentido da posição de Nucci, tem-se a lição de Luiz Régis Prado (Código Penal anotado, pág. 823).
Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, parte especial, volume II, 5º edição, pág. 199) vê também a existência no delito de epidemia de um crime de dano, já que a epidemia constitui em si mesmo evento lesivo da saúde pública.
De toda sorte, a presunção de perigo funda-se na possibilidade notável de difusão da moléstia.
O crime é comissivo e, de forma excepcional, omissivo impróprio ou comissivo por omissão, quando o agente tem o dever jurídico de evitar o resultado .
Magalhães Noronha (Direito Penal, volume IV, 20ª edição, pág. 5) e ainda Delmanto e outros (Código Penal Comentado, 5ª edição, pág. 486), analisando o crime de epidemia, observam que pode haver um delito passivo de cometimento na forma omissiva: quando o agente tem o dever jurídico de impedir o resultado.
O delito é instantâneo.
Para Guilherme de Souza Nucci(obra citada, pág. 960), com o que, modestamente, concordamos, a única hipótese viável para o crime na forma omissiva é a descrita e mencionada no artigo 13, § 2º, do CP, quando o agente tem o dever jurídico de impedir o resultado .É nessa hipótese que entendemos possível o cabimento da questão aqui levantada.
Sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa e o sujeito passivo é a coletividade.
O tipo objetivo do crime em discussão consiste em causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos. Está excluído o tipo penal se a propagação se der por qualquer outro meio.
O modo pelo qual a ação de propagar (espalhar, difundir, reproduzir) se pratica, é irrelevante.
Germes patogênicos, como dito na Exposição de Motivos ministerial do Código Penal Italiano, são todos os microrganismos (vírus, bacilos, protozoários), capazes de produzir uma moléstia infecciosa. São os micro-organismos capazes de gerar doenças, como os vírus e as bactérias, dentre outros.
O crime se consuma pela superveniência da epidemia que não se refere, como ensinou Heleno Cláudio Fragoso, à luz das conclusões de Manzini, a qualquer moléstia infecciosa e contagiosa, mas somente àquela suscetível de difundir-se na população, pela fácil propagação de seus germes, de modo a atingir, ao mesmo tempo, grande número de pessoas, com caráter extraordinário. Deve se tratar de moléstia humana.
Respondem os agentes envolvidos que permitem ou deixam permitir a realização desse resultado ainda com base no artigo 29 do Código Penal, em coautoria, na medida em que têm o domínio do fato(teoria final-objetiva).
O fulcro dessa conduta no âmbito penal se dá com base no artigo 13, parágrafo segundo do CP.
Afora isso lembro que há Resultado Qualificador: De acordo com o parágrafo 1º do art. 267 do CP, se o fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro o resultado morte é imputado ao agente a título de culpa, na maioria das hipóteses, culpa consciente. É um crime qualificado pelo resultado doloso.
A ação penal é pública incondicionada, não sendo caso de proposta pelo Parquet de acordo de não persecução penal, pois a pena privativa de liberdade, in abstrato é de reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos.
V – A RESPONSABILIDADE CIVIL
No Brasil, outrossim, a responsabilidade civil se dá de forma independente da responsabilidade penal.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello (“Curso de Direito Administrativo”, 17ª edição, Malheiros, São Paulo, 2003, p. 893 e ss.), no tocante à responsabilização do Estado, exige-se o discrímen de três situações diversas: (a) casos em que o próprio comportamento, a conduta positiva do Estado é que gera o dano; (b) casos em que a lesão origina-se de uma omissão do Estado, causando um dano que tinha o dever de evitar que é a hipótese da “falta do serviço”, nas modalidades em que (b.1.) o serviço não funcionou, (b.2.) o serviço funcionou tardiamente, ou (b.3.) o serviço funcionou de modo incapaz de evitar a lesão; e (c) casos em que a atividade do Estado cria a situação propiciatória do dano, porque expôs alguém a risco (seu comportamento ativo entra como causa mediata do dano).
Em termos de omissão da Administração não se aplica a teoria do risco. É caso de comprovação de culpa não se admitindo a teoria do risco integral.
Poderá ser caso da Administração e das entidades privadas envolvidas indenizaram os prejudicados caso tragam danos à saúde da população por conta dos eventos aqui enfocados.
Entendo, pois, que caberá ao Ministério Público, nos Estados e Distrito Federal, oficiar às autoridades responsáveis, recomendando a não realização desses eventos.
*É procurador da república aposentado com atuação no RN.
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