Por Zenaide Maia*
Falar da atuação da mulher no parlamento e do cotidiano que permeia esse ambiente precipita contextualizar o cenário da sub-representação feminina e, mais ainda, refletir sobre a participação na política em geral e a ocupação dos espaços de poder.
Em 2018, tivemos eleições e recordo do noticiário comemorando o aumento da bancada feminina. “A bancada feminina no Congresso Nacional é a maior da história do legislativo brasileiro” (https://jornalggn.com.br/noticia/congresso-nacional-segue-sendo-majoritariamente-masculino/). Notícias alvissareiras! Na Câmara, foram eleitas 24 mulheres a mais do que na legislatura anterior, passando de 53 para 77 deputadas. Em percentuais, a representatividade aumentou de 10% para 15%. No Senado 7 mulheres foram eleitas, uma delas fui eu. Somando com as cinco senadoras que permaneceram da legislatura passada, formamos uma bancada de 12 mulheres. Antes, eram 13 senadoras. Baixamos de 16% para 14,8%. O que comemorar? A redução da bancada no Senado ou o fato de, em 2018, ainda sermos somente 15% do parlamento? Essa “representação recorde” é uma persistente injustiça e incoerência contra a maioria do povo brasileiro: afinal, 52% da população são mulheres, então, a maioria da população não está representada no Congresso!
Em pleno século XXI, a presença equitativa das mulheres em relação aos homens nos espaços de poder deveria ser algo natural. Urge avançar na representatividade feminina no parlamento, nos governos, e em todos os espaços de decisão.
A União Interparlamentar (UIP) revelou, em estudo realizado com a ONU Mulheres (https://www.unwomen.org/-/media/headquarters/attachments/sections/library/publications/ 2020/women-in-politics-map-2020-es.pdf?la=es&vs=828), que o Brasil ocupa a posição 140, numa lista de 193 nações. Na América Latina, estamos em penúltimo lugar e no G20, grupo das vinte maiores economias mundiais, estamos tecnicamente empatados com o Japão, em último lugar.
O Banco Mundial (https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,dia-da-mulher-no-congresso-brasil-e-vice-lanterna-em-listas-de-representacao-feminina,70002746442s ) elenca 187 países, estamos na posição 157, atrás do Afeganistão (que tem 25% de representação feminina no parlamento) e de outros países, em maioria muçulmana. Sabemos que a condição da mulher nessas nações é diferenciada, por força da religião.
A participação da mulher na política é um movimento de empoderamento feminino e importante passo para romper com a estrutura patriarcal, machista, racista e homofóbica que leva o Brasil a ter 1 feminicídio a cada 7 horas (http://wwwforumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.p
http://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf).
Em 2019, tivemos a diminuição no número de homicídios no país, por um lado, e de aumento no registro de feminicídios, por outro(https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/03/05/mesmo-com-queda-recorde-de-mortes-de-mulheres-brasil-tem-alta-no-numero-de-feminicidios-em-2019.ghtml). Mais mulheres na política significa ter mais vozes denunciando esse tipo de crime, mais mulheres inspirando outras mulheres a amplificar a sua própria voz e exigindo recursos para políticas de proteção e enfrentamento à violência doméstica.
Uma presença feminina mais expressiva nos fóruns de poder dificultará o fortalecimento da desigualdade de gênero e divisão sexual do trabalho que define os papéis sociais, culturalmente construídos pelo machismo. Esses papéis são reproduzidos no parlamento. A mulher parlamentar ocupa lugares de destaque somente em projetos de parca polêmica, como a defesa das pessoas idosas, crianças e pessoas com deficiência. Na hora de discutir a “política dura”, decidir orçamento, debater economia, segurança e compor mesas diretoras, os homens dominam. Quanto mais mulheres na política, menos os homens conseguirão monopolizar essas questões e isolar as mulheres em nichos específicos.
É premente eliminar as barreiras que impedem a mulher de participar da vida político-partidária, defender cotas e financiamento de campanhas. O escândalo das candidaturas “laranjas” não pode ser usado para tirar os espaços que vêm sendo conquistados pelas mulheres. Enquanto não houver condições de igualdade na participação, careceremos de medidas especiais para incluir as mulheres. Finalizo com a esperança ainda viva de Nísia Floresta de que, nas gerações futuras do Brasil, a mulher assumirá a posição que lhe compete. O protagonismo feminino em todas as esferas de poder é decisivo para mudar a vida das mulheres, realizar a transformação social e conquistar “um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres” – Rosa Luxemburgo.
*É senadora pelo RN e Presidente da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher.
Este texto foi publicado no livro “Participa Mulher: por uma cidadania feminina plena”, organizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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