Por Cláudia Costin
Os protestos recentes de uma classe média enfurecida, em diferentes partes do mundo, representam um novo fenômeno, em tempos em que o combate à pobreza extrema teve alguns bons resultados. Sim, o número de pobres declinou no mundo todo e indicadores sociais tiveram avanços expressivos, mas sofrimentos distintos ganharam voz numa camada da população que se imaginava atendida pelo progresso das políticas públicas.
Contrariando Steven Pinker, que em seu brilhante “O Novo Iluminismo” mostra que a humanidade vem resolvendo seus principais problemas e que a desigualdade de renda não representa uma ameaça à coesão social, esses protestos mostram que, sim, há algo de novo no ar, na forma de tensões que clamam por respostas. A parcela da classe média que teve menor acesso a uma educação em nível mais elevado vem perdendo renda e oportunidades e atribui a culpa para seus dissabores, como ilustra bem o caso dos “gilets jaunes”, à globalização, aos imigrantes, ao combate à mudança climática —no caso, dada a alta do preço do diesel— ou à ajuda humanitária a países de baixa renda.
Em recente entrevista publicada pela Folha, David Soskice se refere ao fenômeno, mostrando como o encolhimento das classes médias afetadas pelos avanços da tecnologia e pela consequente concentração de renda, típica da chamada quarta Revolução Industrial, tem acarretado certa convergência deles em direção dos mais pobres. Mas, esclarece o cientista político, isso não os leva a uma identidade de propósitos com eles.
Ao contrário, as classes médias, em especial as com menor formação, estariam dirigindo seu ódio ao inimigo errado. Qualquer medida voltada à redistribuição de renda ou a políticas de ação afirmativa, seria vista por eles como favorecer os “pobres não merecedores”.
Com isso, a busca de salvadores da pátria que possam recuperar privilégios perdidos e tornar o país grande de novo, numa idealização do passado, torna-se uma consequência dos ressentimentos vividos por essa importante camada da população. Isso contribui para a emergência de governos populistas que se espalham pelo mundo, repetindo mantras contra um suposto “marxismo cultural” ou “globalismo”.
Há certamente soluções possíveis. Paul Collier, em seu novo livro “The Future of Capitalism”, propõe um receituário para as tensões atuais. Segundo ele, para refazer a coesão social, precisaríamos de boas políticas públicas, pragmatismo e o resgate do sentido de pertencimento e do respeito a obrigações recíprocas. Mas isso envolve transformações culturais, o que não as torna fáceis de implementar.