Por Jean Paul Prates*
Lá se vão 29 anos que o povo brasileiro confirmou, por meio de um plebiscito, sua opção pelo regime presidencialista. Mas os ecos do parlamentarismo, recusado nas urnas, continuam a reverberar no arranjo político nacional mais como assombração do que como exemplo.
Não é de hoje que se define o regime político brasileiro como um “presidencialismo de coalizão”, expressão cunhada lá em 1988 pelo cientista político Sérgio Abranches para definir a cabala que os sucessivos presidentes da República precisam conjurar para conseguirem governar.
Diante da fragmentação das forças políticas no Parlamento — resultado muito mais de interesses fisiológicos, cartoriais e paroquiais do que propriamente de visões de mundo — tem sido inescapável aos chefes de governo presidencialista recorrer ao expediente característico do parlamentarismo: a formação de uma coalizão entre os diversos grupamentos com representação legislativa para compor uma base de apoio ao Executivo.
As consequências nós conhecemos. As piores são as contrapartidas cobradas para a construção dos acordos e a diluição dos programas de governo apresentados ao eleitor ao se pedir seu voto.
Mas se o presidencialismo de coalizão é filho de uma democracia ainda adolescente — onde as escolhas do eleitor e consequente feição do Legislativo ainda são profundamente afetadas pelo poder econômico, midiático e aposta na mistificação — o atual presidente não só abusa dos conchavos como usurpa outra característica do parlamentarismo que, sob o presidencialismo, gera ainda mais distorções.
Jair Bolsonaro, sempre tão avesso a qualquer prática laboral, inventou o parlamentarismo por omissão.
O homem cuja agenda de chefe de Estado raramente registra mais do que algumas horas de trabalho por semana esmera-se na inoperância, terceirizando para o Congresso atos e iniciativas que são atribuições e obrigações típicas do executivo.
Os exemplos são inúmeros, mas é importante citar alguns. Comecemos com a Reforma Tributária, apontada no discurso de Bolsonaro/Guedes como condição incontornável para que atinjamos o nirvana da “confiança dos investidores”, mas que nem assim consegue mobilizar os cérebros governamentais para a elaboração de uma proposta concreta e abrangente.
O que temos de debate e ação no campo da Reforma Tributária, concretamente, são Propostas de Emenda à Constituição tramitando na Câmara e no Senado a partir de iniciativas de parlamentares, com ínfimas contribuições do Executivo.
Quando o povo brasileiro começou a sentir os efeitos devastadores do paradeiro econômico decorrente da pandemia, foi do Parlamento, não do Executivo, que surgiu o projeto que deu corpo ao Auxílio Emergencial. O mesmo ocorreu com o Pronampe, programa de socorro às microempresas e empresas de pequeno porte para atravessarem a crise da Covid-19.
Também partiu do Congresso a iniciativa de socorrer durante a pandemia os trabalhadores da Cultura, com a Lei Aldir Blanc, e os agricultores familiares, com as Leis Assis Carvalho I e II.
Quem foi eleito tem obrigações a cumprir. Se a inação infinita de Bolsonaro pode até estar poupando o Brasil de mais desgraças do que já decorrem de sua omissão, o Legislativo também precisa trabalhar e exercer todas as suas atribuições.
O parlamentarismo por omissão de Bolsonaro tolhe o Legislativo em uma de suas principais funções, que é fiscalizar os atos do Executivo — afinal, quem “executa” é o Congresso.
É verdade que um governo perverso como o de Bolsonaro dificilmente terá algo de bom a propor para o País — aliás, se não quer governar, como demonstra, o melhor mesmo seria ir embora, de uma vez.
*É senador da República pelo Rio Grande do Norte e líder na Minoria no Senado.
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